19 julho 2014

UM DOS MAIORES MISTÉRIOS DA HISTÓRIA DA GEOGRAFIA ELEITORAL PORTUGUESA

Diz-se das visitas às cozinhas, que o melhor é mesmo não lá irmos, para não ficarmos a saber como as refeições são confeccionadas – o que ignoramos costuma não nos fazer mal. Foram precisos quase quarenta anos para descobrir, ao ler a pretensa biografia de Jorge Coelho, que ele havia sido uma das pessoas-chave do STAPE¹ (pp. 56 e ss.), o organismo encarregue de todos os problemas relacionados com a eleição para a Assembleia Constituinte, incluindo naturalmente o escrutínio e a contabilização dos votos. Ora militando na altura Jorge Coelho na UDP, como se percebe pela leitura daquelas mesmas páginas, não deixa de ser uma curiosa coincidência que nessas eleições de 1975 se tenha registado um dos maiores mistérios da história da geografia eleitoral portuguesa, o resultado da UDP que, por uma inaudita concentração de votos que nunca mais se veio a repetir na história da nossa geografia eleitoral nos últimos 40 anos, conseguiu eleger um deputado tendo recebido apenas 45.000 votos (equivalentes a 0,8%) em termos nacionais. A FSP (1,2%) e o MES (1,0%) em 1975, o PDC (1,2%) e o MRPP (0,9%) em 1979, o POUS (1,4%) e o PSR (1,0%) em 1980, para citar apenas os exemplos mais antigos, tiveram maiores votações nacionais do que a da UDP em 1975 sem contudo conseguirem alcançar qualquer representação parlamentar.
Em contrapartida, refira-se que o único pequeno partido a conseguir repetir aquela mesma façanha de eleger um deputado isolado foi o PSN em 1991 que, mesmo assim, recolheu 96.000 votos (equivalentes a 1,7%) à escala nacional. Porém, recolher 45.000 votos com quase metade deles (21.300) concentrados no distrito de Lisboa foi uma distribuição que mais nenhuma formação política conseguiu reproduzir, nem mesmo formações reconhecidamente de raiz urbana como o MES, o MRPP, o PSR, ou, mais recentemente, o BE. Não pretendo com isto sobrestimar as capacidades e o eventual engenho durante o escrutínio daquele que o Contra-informação rebaptizou de Jorge Coelhone (Coelho + Corleone) e questionar a fidedignidade dos resultados eleitorais oficiais dessas primeiras eleições livres que perduram, míticas, na memória da sociedade portuguesa. Mesmo admitindo a remota probabilidade de Jorge Coelho ter podido ajudar a organização onde então militava, há que aceitar que o que lá vai, lá vai, que não vale a pena investigá-lo tantos anos passados. Mas não me posso impedir de sorrir ironicamente quando me lembro que o mesmo Jorge Coelho foi recentemente escolhido para presidir à comissão eleitoral que organizará as próximas eleições primárias internas do PS… Não se pode dizer que seja um primeiro passo para lhes conferir dignidade.
¹ Em rigor, tratar-se-ia do Secretariado Técnico dos Assuntos Políticos, criado em Dezembro de 1974 e não ainda o STAPE (Secretariado Técnico dos Assuntos para o Processo Eleitoral) que lhe viria a suceder a partir de 1976/77.

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