Outro dia, descobri pelo técnico que viera arranjar a máquina de lavar louça ainda em período de garantia que afinal a culpa da falha era minha. De nada terá adiantado explicar-lhe o quanto era improvável que, à quarta máquina de louça que operava nos últimos trinta anos, eu tivesse desaprendido de trabalhar com elas, mas a ironia resvalou numa carapaça de obtusidade, o veredicto manteve-se inexorável: a culpa não era do material mas sim do cliente. Noutra ocasião recente, vi-me asperamente censurado pela funcionária de um serviço que opera com aquelas senhas de atendimento quando pretendi ser atendido sem tirar nenhuma depois de constatar que não havia mais ninguém em espera. Desabafava eu estas coincidências quando o meu interlocutor adicionou outra ao rol, ao contar-me ter acabado de ser descomposto por uma operadora de telemarketing por ele não estar a prestar atenção ao plano que ela lhe tentava impingir pelo telefone…
Se de alguma coisa este Portugal modernizado se pode orgulhar é de nos ter feito deitar para trás das costas aqueles tempos hipócritas em que se proclamava que o cliente tinha sempre razão. Os exemplos parecem ter vindo de cima: nem José Sócrates nem Pedro Passos Coelho se mostraram dispostos a tolerar desaforos e parecem ter estabelecido o paradigma da insolência na sociedade portuguesa. Aquela simpatia inócua que embrulhava a ineficácia numa qualquer prestação de serviços aparece-nos hoje despojada de simpatia…mas sem se ter ganho nada em eficácia. Empregado e cliente mandam-se reciprocamente à merda e até mesmo a técnica do canalizador poderá estar a sair de moda: temo que da próxima vez que o canalizador for lá a casa, em vez de criticar o trabalho feito pelo colega que o precedera como era tradição, ainda nos vai recriminar por produzirmos umas torcidas demasiado volumosas para a capacidade de débito do cano de esgoto…
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