Enquanto a manifestação do 1º de Maio de 1974 em Lisboa se mostrava repleta de um idealismo explicável pela inocência política da esmagadora maioria dos manifestantes, a manifestação que se realizava em Buenos Aires nesse mesmo dia, mostrava o quanto esse lirismo se podia gastar em meses. O apoteótico regresso do mítico Juan Péron à Argentina em finais de Junho de 1973 (três milhões de pessoas a recebê-lo), a sua eleição para a presidência com 62% dos votos em Setembro seguinte, já não passariam de uma esperança esgotada quando aqueles que se reclamavam de um peronismo de esquerda, os montoneros, ocuparam uma parte da praça diante da Casa Rosada (a residência oficial da presidência argentina) para as manifestações trabalhistas oficiais previstas naquele dia. Os montoneros desobedeceram às directivas que proibiam a exibição de outras bandeiras que não símbolos nacionais. Ostentando-as, a multidão mostrava-se nitidamente cindida entre eles e os membros da CGT, a histórica central sindical peronista. Sete meses antes, o secretário-geral desta, José Ignacio Rucci, fora assassinado por uma facção mais radical dos primeiros.
Imagina-se o ambiente. Canções e palavras de ordem reciprocamente hostis pairavam no ar, e as palavras do discurso do Péron quando este começou a falar da varanda não eram nada amenizadoras (no castelhano original): No me equivoqué, ni en la apreciación de los días que venían, ni en la calidad de la organización sindical, que a través de veinte años... pese a esos estúpidos que gritan... Decía que a través de estos veintiún años, las organizaciones sindicales se han mantenido inconmovibles, y hoy resulta que algunos imberbes pretenden tener más mérito que los que durante veinte años lucharon... Por eso compañeros, quiero que esta primera reunión del Día del Trabajador sea para rendir homenaje a esas organizaciones y a esos dirigentes sabios y prudentes que han mantenido su fuerza orgánica, y han visto caer a sus dirigentes asesinados, sin que todavía haya tronado el escarmiento...Ostensivamente criticados, os montoneros ripostaram em género, abandonando a praça quando Péron ainda discursava, deixando-a parcialmente vazia, e obrigando o presidente a encurtar o seu discurso. Politicamente, a ruptura entre Péron e aqueles peronistas estava publicamente consumada.
É uma evidência histórica que em política os momentos de consensos duram pouco e não se repetem. Entre nós, sabe-se como um ano depois do lirismo das comemorações do 1º de Maio de 1974, já em pleno PREC de 1975, os dirigentes socialistas não conseguiram chegar à mesma tribuna de onde Mário Soares discursara com Álvaro Cunhal… Depois dos acontecimentos da Primavera de 2011 e do consenso alcançado em assinar o memorando da troika, esta insistência de Cavaco Silva em continuar a apelar para um consenso três anos depois, há muito que deixou de poder ser classificada de ingénua para passar a ser tão somente estúpida.
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