Só recentemente conheci as fotografias de Serguéi Prokudin-Gorsky (1863-1944), o senhor que aparece na fotografia acima. Não haveria nada de especial nessa fotografia, não se desse o caso de, como se vê, ser colorida…e ter sido tirada em 1915! Prokudin-Gorsky foi um pioneiro na descoberta de um processo de obter fotografias coloridas que se baseava nas três cores primárias tradicionais – leia-se aqui uma explicação mais detalhada.
Por isso, as fotografias que ele tirou nas suas viagens pelo Império profundo de 1909 a 1915 têm este misterioso aspecto moderno, como o desta família camponesa russa em que se capta com um detalhe invulgar um momento de há cerca de 100 anos atrás. Aquele rapaz do lado direito da fotografia (a única criança calçada...) bem poderá, dali por um punhado de anos, ter sido recrutado para o exército russo por ocasião da Primeira Guerra Mundial…
E, nesta viagem que este poste pretende fazer através das fotografias de Prokudin-Gorsky pela Ásia Central no tempo do último Czar, também lhe quis juntar uma banda sonora, escolhendo o compositor russo que suponho melhor interpretará os sons daquelas terras distantes: Aleksandr Borodine (1833-1887). Sugiro por isso ao leitor que ponha a tocar o vídeo de O Príncipe Igor acima e depois continue simultaneamente a ler o poste… Tal como aconteceu quase simultaneamente no Oeste dos Estados Unidos, o comboio foi um dos instrumentos mais importantes para a conquista da Ásia Central pela Rússia. A construção das novas vias-férreas criou eixos de penetração da colonização em direcção a Leste e Sudeste que também obrigaram à realização de proezas de engenharia tão arrojadas quanto improvisadas, como é o caso desta ponte ferroviária construída em madeira. E esta fotografia de uma cidade típica dos montes Urais, tirada em 1912, não parece distinguir-se muito das suas homólogas americanas da mesma época se olharmos para as típicas casas de madeira. Contudo, as duas Igrejas que se vêem do lado esquerdo da fotografia, os únicos edifícios construídos em pedra à vista, dão mostras de um patrocínio religioso de um poder central que não terá nada de semelhante com as histórias de cowboys... Nem os povos colonizados (os índios por assim dizer…) se assemelhavam nos dois casos. O seu grau de desenvolvimento civilizacional era muito mais avançado na Ásia Central e neste caso eles organizavam-se em entidades políticas constituídas desde o tempo das conquistas muçulmanas mas que agora se haviam transformado em protectorados russos, como era o caso do Emirato de Bucara, cujo soberano podemos ver na fotografia acima em 1911. Mas também era verdade que uma apreciável percentagem da população que fora recentemente submetida se dedicava ainda à pastorícia e possuía um estilo de vida nómada, como se depreende pela pose desta rapariga usbeque, que foi fotografada com a sua melhor apresentação à porta do seu ger em 1913. O ger (ou yurt) é a tenda móvel que era tradicionalmente usada como habitação desde os tempos de Gengis Khan. Porém, se o ger faz lembrar o tipi (embora o primeiro seja mais sofisticado), teria sido mais difícil obter um equivalente no Oeste americano desta fotografia de 1910 em que aparece um agulheiro de origem bashkir, um ferroviário que trabalhava para uma das companhias russas de caminho de ferro. Os bashkires haviam sido absorvidos pela expansão russa durante os Séculos XVII e XVIII, embora tivessem permanecido maioritariamente muçulmanos. Mas, naquelas extensões, o comboio estava longe de chegar a toda a parte e o camelo (o de duas bossas, característico daquela região) mantinha a sua milenar tradição de animal de carga. Nesta fotografia, o condutor do animal é um turquemeno e a carga será provavelmente algodão, de que a região da Ásia Central já se tornara então numa grande produtora. Ainda hoje, o Usbequistão é o 6º maior produtor mundial de algodão e o Turquemenistão o 9º.
A criação e colonização do Império Russo foi um processo complexo em que se torna muitas vezes difícil distinguir entre as desditas dos colonizados (acima uma família cazaque na estepe) das dos colonizadores (abaixo, um colono russo diante da sua cabana miserável). Por muito frágil que o Império parecesse quando Serguéi Prokudin-Gorsky tirou estas fotografias, a verdade é que se veio a revelar o mais resistente de todos, só tendo desaparecido em 1991…
Extraordinário post.
ResponderEliminarO que eu aqui aprendo!
ResponderEliminar[Já há algum tempo que não deixava aqui esta frase. E não, não é o disco riscado. É mesmo o que eu penso, a maior parte das vezes que aqui venho. Como não quero que me chamem exagerada, digo a maior parte das vezes.]
:))
É, também digo o mesmo -- o que eu tenho aqui aprendido.
ResponderEliminarabraço,
Rui Esteves
excelentes fotos...
ResponderEliminarexcelente música...
e,finalmente...
excelente post...constatação habitual.
Muito obrigado aos quatro pelos vossos comentários elogiosos.
ResponderEliminarQuero apenas corroborar o que foi escrito nos comentários anteriores. Excelente post.
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