Discreta e progressivamente, como costuma acontecer de resto nestes casos, os Estados Unidos estão a alterar a sua aliança preferencial na região do subcontinente indiano, elegendo claramente a Índia em vez do Paquistão como seu parceiro preferencial.
Este mês cumpriu-se mais uma etapa desse realinhamento progressivo, quando o Senado dos Estados Unidos aprovou a legislação – referida na imprensa como a Kerry-Lugar Bill – referente ao programa de auxílio ao Paquistão para os próximos cinco anos, num montante aproximado de 7.500 milhões de dólares. A quantia pode parecer enorme, mas as reacções iradas provindas de Islamabad e de Rawalpindi (em contraste com o silêncio tacitamente aprovador de Nova Deli) mostram que os receptores parecem ser uns ingratos.
No quadro das encenações que rodeiam estes eventos, o Chefe de Estado-Maior do exército paquistanês, General Ashfaq Kayani organizou no principio deste mês uma com todos os seus 122 Comandantes de Corpo (fotografia inicial), onde expressou o desagrado dos militares com as cláusulas constantes deste programa de auxílio agora aprovado(1). Valha a verdade que há uma grande tradição de desrespeito por parte dos militares paquistaneses das cláusulas restritivas ao auxílio que de há muito lhes foi prestado pelos norte-americanos(2).
Mas, no meio desses protestos, tanto os militares paquistaneses e o seu braço político da Jamaat-i-Islami parecem não estar dispostos a aperceber-se que alguma coisa tem vindo (e continua) a mudar na estratégia norte-americana. Por um lado, como escrevi ao princípio, parecem não querer ver que o seu aliado preferencial naquela região para o futuro tenderá a ser a Índia e não o Paquistão e que é apenas o cuidado diplomático em não ferir susceptibilidades que os impede de assumir essa mudança de uma forma mais descarada.
Por outro lado, embora se escreva que ainda não se têm ideias sólidas para a solução do problema afegão, parece claro que na Administração Obama já se aperceberam que, se se mantiver o status quo do passado e não houver pressões sérias sobre eles, os militares paquistaneses nunca se disporão a fazer parte de qualquer solução para o Afeganistão que os Estados Unidos pretendam implementar.
Mas o pior para eles é que a Índia, a arqui-inimiga do Paquistão, terá tido sucesso em persuadir as outras partes que a incapacidade dos paquistaneses para conterem as acções dos grupos terroristas islâmicos como o Jaish-e-Mohammed ou o Jamaat-ud-Dawa é deliberada. O paradoxo é que a causa poderá ser deliberada, mas poderá ser meramente resultado da sua incompetência ou até uma mistura das duas e os militares paquistaneses estão colocados na situação insustentável de não se poderem confessar incapazes de controlar as acções dos extremistas islâmicos que se acoitam dentro do seu próprio país.
Uma das chantagens recorrentes que os militares paquistaneses têm vindo a usar com o exterior nas últimas décadas é que, sem eles, se corre o risco de desintegração do Paquistão. Mas, na prática, para os outros vizinhos do Paquistão, essa ameaça situar-se-á hoje em segundo plano perante as causadas pelos grupos radicais islâmicos que ali se acolhem. Seja entre o tradicional aliado chinês, a braços com as complicações com a minoria uigur muçulmana no Xinjiang, que as considera fomentadas também pelo radicalismo islâmico, seja entre o tradicional rival iraniano que, quando os seus problemas envolvem grupos radicais islâmicos transfronteiriços, até mostra preferir resolver os seus problemas no Paquistão sem passar qualquer cavaco às respectivas autoridades.
Sopesando os restantes factores na balança, convém não esquecer que, para manter a sua permanência no Afeganistão, os Estados Unidos precisam de um Paquistão que se mostre minimamente estável pois é por lá que passam ¾ dos seus reabastecimentos logísticos para aquele Teatro de Operações. Mas convém não esquecer também que a autonomia estratégica do Paquistão já não é o que era, que se transformou num país que não se consegue sustentar financeiramente e que teve de contrair recentemente um empréstimo de 11.500 milhões de dólares patrocinado pelo FMI(3). E todos sabem que poderes estão por detrás do FMI.
(1) Os norte-americanos podem inserir cláusulas deste teor nos programas de auxílio a outros países, lembremo-nos, no caso de Portugal, das cláusulas restritivas que impediam que certo material militar que fora cedido ao abrigo da cooperação da NATO fosse empregue nas Guerras em África.
(2) Desde os apoios para a guerrilha afegã, na década de 1980, que foram transformados em aquisições de armamento convencional para o exército paquistanês até aos fundos para a guerra contra o terrorismo islâmico que tiveram o mesmo destino nesta última década.
(3) Apesar dos esforços desenvolvidos pelo Paquistão junto dos aliados endinheirados: a China e a Arábia Saudita.
Este mês cumpriu-se mais uma etapa desse realinhamento progressivo, quando o Senado dos Estados Unidos aprovou a legislação – referida na imprensa como a Kerry-Lugar Bill – referente ao programa de auxílio ao Paquistão para os próximos cinco anos, num montante aproximado de 7.500 milhões de dólares. A quantia pode parecer enorme, mas as reacções iradas provindas de Islamabad e de Rawalpindi (em contraste com o silêncio tacitamente aprovador de Nova Deli) mostram que os receptores parecem ser uns ingratos.
No quadro das encenações que rodeiam estes eventos, o Chefe de Estado-Maior do exército paquistanês, General Ashfaq Kayani organizou no principio deste mês uma com todos os seus 122 Comandantes de Corpo (fotografia inicial), onde expressou o desagrado dos militares com as cláusulas constantes deste programa de auxílio agora aprovado(1). Valha a verdade que há uma grande tradição de desrespeito por parte dos militares paquistaneses das cláusulas restritivas ao auxílio que de há muito lhes foi prestado pelos norte-americanos(2).
Mas, no meio desses protestos, tanto os militares paquistaneses e o seu braço político da Jamaat-i-Islami parecem não estar dispostos a aperceber-se que alguma coisa tem vindo (e continua) a mudar na estratégia norte-americana. Por um lado, como escrevi ao princípio, parecem não querer ver que o seu aliado preferencial naquela região para o futuro tenderá a ser a Índia e não o Paquistão e que é apenas o cuidado diplomático em não ferir susceptibilidades que os impede de assumir essa mudança de uma forma mais descarada.
Por outro lado, embora se escreva que ainda não se têm ideias sólidas para a solução do problema afegão, parece claro que na Administração Obama já se aperceberam que, se se mantiver o status quo do passado e não houver pressões sérias sobre eles, os militares paquistaneses nunca se disporão a fazer parte de qualquer solução para o Afeganistão que os Estados Unidos pretendam implementar.
Mas o pior para eles é que a Índia, a arqui-inimiga do Paquistão, terá tido sucesso em persuadir as outras partes que a incapacidade dos paquistaneses para conterem as acções dos grupos terroristas islâmicos como o Jaish-e-Mohammed ou o Jamaat-ud-Dawa é deliberada. O paradoxo é que a causa poderá ser deliberada, mas poderá ser meramente resultado da sua incompetência ou até uma mistura das duas e os militares paquistaneses estão colocados na situação insustentável de não se poderem confessar incapazes de controlar as acções dos extremistas islâmicos que se acoitam dentro do seu próprio país.
Uma das chantagens recorrentes que os militares paquistaneses têm vindo a usar com o exterior nas últimas décadas é que, sem eles, se corre o risco de desintegração do Paquistão. Mas, na prática, para os outros vizinhos do Paquistão, essa ameaça situar-se-á hoje em segundo plano perante as causadas pelos grupos radicais islâmicos que ali se acolhem. Seja entre o tradicional aliado chinês, a braços com as complicações com a minoria uigur muçulmana no Xinjiang, que as considera fomentadas também pelo radicalismo islâmico, seja entre o tradicional rival iraniano que, quando os seus problemas envolvem grupos radicais islâmicos transfronteiriços, até mostra preferir resolver os seus problemas no Paquistão sem passar qualquer cavaco às respectivas autoridades.
Sopesando os restantes factores na balança, convém não esquecer que, para manter a sua permanência no Afeganistão, os Estados Unidos precisam de um Paquistão que se mostre minimamente estável pois é por lá que passam ¾ dos seus reabastecimentos logísticos para aquele Teatro de Operações. Mas convém não esquecer também que a autonomia estratégica do Paquistão já não é o que era, que se transformou num país que não se consegue sustentar financeiramente e que teve de contrair recentemente um empréstimo de 11.500 milhões de dólares patrocinado pelo FMI(3). E todos sabem que poderes estão por detrás do FMI.
(1) Os norte-americanos podem inserir cláusulas deste teor nos programas de auxílio a outros países, lembremo-nos, no caso de Portugal, das cláusulas restritivas que impediam que certo material militar que fora cedido ao abrigo da cooperação da NATO fosse empregue nas Guerras em África.
(2) Desde os apoios para a guerrilha afegã, na década de 1980, que foram transformados em aquisições de armamento convencional para o exército paquistanês até aos fundos para a guerra contra o terrorismo islâmico que tiveram o mesmo destino nesta última década.
(3) Apesar dos esforços desenvolvidos pelo Paquistão junto dos aliados endinheirados: a China e a Arábia Saudita.
Eis uma análise arguta e oportuna dos dilemas estratégicos que estão em causa na região do Afeganistão/Paquistão (AfPaq). Obrigado e parabéns.
ResponderEliminarLS.