Suponho que o fenómeno só terá acontecido porque se estava a referir a uma outra etapa da sua carreira política, mas, mesmo assim, vale a pena assinalar a honestidade de Vital Moreira ao contar uma história que começou por ele se ter visto forçado a iludir, numa entrevista dada ao Expresso por volta de 1980, uma daquelas questões delicadas sobre o enorme contraste entre a teoria e as constatações práticas do socialismo que se vivia então na URSS, recorrendo à consagrada e evasiva resposta da sua falta de informação sobre a realidade concreta da URSS daqueles tempos – os idos da Guerra-Fria e da militância de Vital Moreira no PCP. Passados uns tempos, o então constitucionalista de ponta do PCP teve a surpresa de receber uma remessa de livros informativos sobre a URSS, acompanhados de missiva, que haviam sido enviados pelo então embaixador da URSS em Portugal, A.I. Kalinin (abaixo). E aí, segundo o próprio nos narra, Vital sentiu-se ofendido…
Suponho que compreendo porquê: todos os políticos têm que iludir as questões incómodas, mas creio que custará muito mais ser assim maltratado pelo próprio representante do país que causou o embaraço que os forçou a ser assim criativos. Para mais sendo Vital Moreira membro de um partido irmão onde os membros sempre se haviam mostrado de uma inigualável fidelidade à causa do socialismo. Comprove-se essa atitude com o caso do Afeganistão, onde em 1980 houve um período de tempo extenso em que, quer o colectivo do partido, quer os seus membros de forma individual acusaram sucessivas deficiências de informação sobre qual estaria a ser a realidade concreta naquela zona remota do globo naquele momento… Como se isso alguma vez tivesse inibido a tomada de alguma posição sobre política internacional por parte dos comunistas a respeito de algum país do mundo!... A propósito disso, vale a pena ler esta deficiência de informação (mas real) por parte do Avante! a respeito do Nepal…
Mas o que interessa para a continuação desta história, é que passados cerca de 25 anos sobre o episódio da falta de informação de Vital Moreira, já tendo último este mudado de barricada, uma outra estrela em ascensão do firmamento dos quadros comunistas, de seu nome Bernardino Soares (acima), parece ter-se visto numa contingência semelhante, numa entrevista ao Diário de Notícias e, quiçá por medo de receber uma remessa de livros informativos sobre a Coreia do Norte, vem a tornar-se famoso da noite para o dia ao evitar a resposta evasiva tradicional da falta de informação, recorrendo a uma frase que muito justamente o consagrou: «Tenho dúvidas que a Coreia do Norte não seja uma democracia». Assim, não só se terá livrado do tal caixote de livros, como adquiriu uma notoriedade impar dentro do grupo parlamentar comunista e uma relação mediática que o associa automaticamente - qual especialista... - àquele longínquo país asiático.
Hoje, quando se anuncia a hipótese que, depois de Kim Il Sung (o pai) e de Kim Jong Il (o filho - ambos na fotografia acima), venha a ser um neto do primeiro e filho do segundo a assumir os destinos da Coreia do Norte no futuro, pode-se encarar a notícia como mais um reforço das posições democráticas que ainda mais dissipam as ténues dúvidas manifestadas em Fevereiro de 2003 por Bernardino Soares: a Coreia do Norte é uma democracia e Bernardino Soares foi um verdadeiro visionário em ter-se visto livre de uma encomenda de livros que, suspeito, nem toda a sua devoção marxista-leninista o levaria a ler…
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