Com o predomínio muçulmano sobre a Pérsia começou um processo de conversão gradual dos seus habitantes ao Islão. Sabe-se que os muçulmanos não eram impositivos aos que professavam as religiões do Livro (i.e. os judeus e os cristãos), mas as opiniões dos historiadores modernos dividem-se quanto à abordagem que o novo regime terá adoptado quanto aos seguidores do Zoroastrismo. Não sendo tecnicamente uma religião do Livro era, apesar de tudo, a predominante na Pérsia, e a sabedoria política aconselharia que se tivesse tido uma abordagem pragmática com os seus fiéis.
Contudo, na falta de provas escritas que o possam atestar, crê-se que foi a partir dessa altura (Século VII) que se começou a instalar uma comunidade de seguidores do Zoroastrismo nas regiões costeiras ocidentais da Índia. Como acontecia simultaneamente com os judeus na Europa, ao longo dos tempos a comunidade acentuou os seus traços de identidade dedicando-se predominantemente ao comércio e casando entre si. Entre os primeiros relatos de europeus referentes a essa comunidade, conta-se o do médico e naturalista português Garcia de Orta (abaixo, c. 1500-1568) no Século XVI.
Segundo esse relato, pelos hábitos e actividade, os próprios portugueses costumavam confundi-los com os judeus, mas o próprio Garcia de Orta (que era de origem judaica) esclareceu essa dúvida tratando-os por uma corrupção aproximada do termo com que deviam ser conhecidos coloquialmente, (es)parsis onde, na raiz da palavra, se identificava claramente uma corrupção do seu país de origem, a Pérsia. Por causa de séculos de casamentos consanguíneos, os parsis identificavam-se por serem nitidamente de uma tez mais clara do que a da população indiana em geral.
Para o observador mais desatento e menos experimentado, muitos parsis podem passar por pertencer ao tipo mediterrânico, o que justifica a confusão feita pelos portugueses em os terem tomado inicialmente por judeus e essa confusão ainda seria objecto de muitas outras situações equívocas no futuro... É que, na sociedade indiana, sempre tendeu a estratificar-se em função da cor da pele do indivíduo. Com a Índia Britânica, os britânicos apenas se limitaram a levar essa hierarquização ao seu corolário extremo. E, como costuma acontecer nessas situações, são sempre os mais medíocres a aplicar essas regras com mais rigor…
Devem ter sido inúmeras as vezes em que um britânico menos precavido numa dessas formalíssimas recepções oficiais de que o Império das Índias guarda o segredo, deve ter iniciado uma conversa de circunstância com um outro convidado, que supunha ser europeu, embora de origem meridional*, para depois vir a descobrir, horrorizado, que afinal estivera a falar com um nativo. Muitos parsis haviam sido extremamente rápidos a adaptarem-se aos costumes ocidentais, nomeadamente no vestuário e, além disso, a comunidade registava uma taxa elevada de conversões ao cristianismo.
Em contraste, algumas práticas religiosas ancestrais que eles haviam trazido da Pérsia tornavam-nos exóticos, mesmo numa terra onde se estava muito habituado aos exotismos. Ao lado de comunidades que incineravam os seus mortos (a maioria hindu), os enterravam em cerimónias simples (os muçulmanos) ou mais elaboradas (os cristãos), os parsis, por sua vez, deixavam os seus em exposição em edifícios isolados designados por Torres do Silêncio (abaixo) onde os elementos e as aves necrófagas se encarregavam da decomposição dos corpos.
Mas, no computo global, esta comunidade indiana dos que professam o Zoroastrismo, que havia muito havia ultrapassado numericamente os seus congéneres do país de origem da religião (Irão) numa proporção estimada de 4 ou 5 para 1, adaptou-se extremamente bem à integração que a Índia efectuou para a era do comércio global no período em que esteve sob a tutela britânica. Fundado no Século XIX, aquele que é hoje um dos maiores, senão mesmo o maior conglomerado de empresas da Índia, por exemplo, o Grupo Tata, pertence a uma família parsi do mesmo nome.
E, apesar de apenas representarem 0,006% da população indiana total, a proeminência da comunidade faz-se sentir em muitos outros campos de actividade, com uma notoriedade reconhecida não apenas na Índia mas até em termos mundiais. São os casos do Marechal-de-Campo Indiano Sam Manekshaw (1914-2008), o vencedor de Guerra Indo-Paquistanesa de 1971, o Maestro Zubin Mehta (1936- ) ou ainda, embora não nascido na Índia mas oriundo de uma família parsi vivendo no estrangeiro, o cantor Farrokh Bulsara (1946-1991), muito mais conhecido pelo seu nome artístico de Freddie Mercury…
* Não esquecer que os portugueses também tinham colónias na Índia.
Nota: Embora não identificada no texto, refira-se que a terceira fotografia deste poste é de Rattanbai Petit (1900-1929), uma parsi que se veio a casar em 1918 com Muhammad Ali Jinnah (1876-1948), de quem teve a única filha daquele que ficou conhecido como o fundador do Paquistão moderno, de seu nome Dina (1919- ). Dina veio a casar-se com um parsi (Neville Wadia) contra a vontade paterna e, em conflito com ele, permaneceu em Bombaim depois da partição de 1947 que separou a Índia e o Paquistão. Paradoxalmente, todos os descendentes directos de Jinnah são hoje parsis e têm a nacionalidade indiana…
Contudo, na falta de provas escritas que o possam atestar, crê-se que foi a partir dessa altura (Século VII) que se começou a instalar uma comunidade de seguidores do Zoroastrismo nas regiões costeiras ocidentais da Índia. Como acontecia simultaneamente com os judeus na Europa, ao longo dos tempos a comunidade acentuou os seus traços de identidade dedicando-se predominantemente ao comércio e casando entre si. Entre os primeiros relatos de europeus referentes a essa comunidade, conta-se o do médico e naturalista português Garcia de Orta (abaixo, c. 1500-1568) no Século XVI.
Segundo esse relato, pelos hábitos e actividade, os próprios portugueses costumavam confundi-los com os judeus, mas o próprio Garcia de Orta (que era de origem judaica) esclareceu essa dúvida tratando-os por uma corrupção aproximada do termo com que deviam ser conhecidos coloquialmente, (es)parsis onde, na raiz da palavra, se identificava claramente uma corrupção do seu país de origem, a Pérsia. Por causa de séculos de casamentos consanguíneos, os parsis identificavam-se por serem nitidamente de uma tez mais clara do que a da população indiana em geral.
Para o observador mais desatento e menos experimentado, muitos parsis podem passar por pertencer ao tipo mediterrânico, o que justifica a confusão feita pelos portugueses em os terem tomado inicialmente por judeus e essa confusão ainda seria objecto de muitas outras situações equívocas no futuro... É que, na sociedade indiana, sempre tendeu a estratificar-se em função da cor da pele do indivíduo. Com a Índia Britânica, os britânicos apenas se limitaram a levar essa hierarquização ao seu corolário extremo. E, como costuma acontecer nessas situações, são sempre os mais medíocres a aplicar essas regras com mais rigor…
Devem ter sido inúmeras as vezes em que um britânico menos precavido numa dessas formalíssimas recepções oficiais de que o Império das Índias guarda o segredo, deve ter iniciado uma conversa de circunstância com um outro convidado, que supunha ser europeu, embora de origem meridional*, para depois vir a descobrir, horrorizado, que afinal estivera a falar com um nativo. Muitos parsis haviam sido extremamente rápidos a adaptarem-se aos costumes ocidentais, nomeadamente no vestuário e, além disso, a comunidade registava uma taxa elevada de conversões ao cristianismo.
Em contraste, algumas práticas religiosas ancestrais que eles haviam trazido da Pérsia tornavam-nos exóticos, mesmo numa terra onde se estava muito habituado aos exotismos. Ao lado de comunidades que incineravam os seus mortos (a maioria hindu), os enterravam em cerimónias simples (os muçulmanos) ou mais elaboradas (os cristãos), os parsis, por sua vez, deixavam os seus em exposição em edifícios isolados designados por Torres do Silêncio (abaixo) onde os elementos e as aves necrófagas se encarregavam da decomposição dos corpos.
Mas, no computo global, esta comunidade indiana dos que professam o Zoroastrismo, que havia muito havia ultrapassado numericamente os seus congéneres do país de origem da religião (Irão) numa proporção estimada de 4 ou 5 para 1, adaptou-se extremamente bem à integração que a Índia efectuou para a era do comércio global no período em que esteve sob a tutela britânica. Fundado no Século XIX, aquele que é hoje um dos maiores, senão mesmo o maior conglomerado de empresas da Índia, por exemplo, o Grupo Tata, pertence a uma família parsi do mesmo nome.
E, apesar de apenas representarem 0,006% da população indiana total, a proeminência da comunidade faz-se sentir em muitos outros campos de actividade, com uma notoriedade reconhecida não apenas na Índia mas até em termos mundiais. São os casos do Marechal-de-Campo Indiano Sam Manekshaw (1914-2008), o vencedor de Guerra Indo-Paquistanesa de 1971, o Maestro Zubin Mehta (1936- ) ou ainda, embora não nascido na Índia mas oriundo de uma família parsi vivendo no estrangeiro, o cantor Farrokh Bulsara (1946-1991), muito mais conhecido pelo seu nome artístico de Freddie Mercury…
* Não esquecer que os portugueses também tinham colónias na Índia.
Nota: Embora não identificada no texto, refira-se que a terceira fotografia deste poste é de Rattanbai Petit (1900-1929), uma parsi que se veio a casar em 1918 com Muhammad Ali Jinnah (1876-1948), de quem teve a única filha daquele que ficou conhecido como o fundador do Paquistão moderno, de seu nome Dina (1919- ). Dina veio a casar-se com um parsi (Neville Wadia) contra a vontade paterna e, em conflito com ele, permaneceu em Bombaim depois da partição de 1947 que separou a Índia e o Paquistão. Paradoxalmente, todos os descendentes directos de Jinnah são hoje parsis e têm a nacionalidade indiana…
Eu sabia que Freddy Mercury tinha nascido em Stone Town, em Zanzibar, ilha indiana de possessão inglesa à época. Não sabia que era parsi.
ResponderEliminarO que eu aprendo contigo!...
: )
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