Se, pelos exemplos de Confúcio, Lao-Tse, Buda ou Mahavira, se comprova quanto costuma ser difícil precisar as datas em que terão vivido os profetas fundadores das grandes religiões, então no caso de Zaratustra, aquele que foi o fundador do Zoroastrismo na região que é hoje o Irão, essa dificuldade ainda consegue ser superior. Datas anteriormente dadas como certas (os Séculos VII ou VI a.C.) são hoje bastante contestadas, com opiniões que defendem a sua antecipação em cerca de duzentos anos e outras que, pelo contrário, as atrasam cerca de quinhentos!Como acontece nas outras religiões, aqui também se presta a que haja confusão entre a vida e os ensinamentos do seu fundador com a actividade dos seus discípulos imediatos, bem como as tarefas da transmissão e fixação da doutrina da religião até ela vir a ficar consolidada por escrito. Existe Deus, Ahura-Mazda, único, infinitamente grande e poderoso. Ele está rodeado de uma corte de servidores, os génios do bem em luta contra as forças do mal. Disputa existente desde a criação do Mundo, o Homem é o participante e o objecto deste interminável combate:
Ora na origem estavam os dois espíritos,
Que proclamaram como seus princípios gémeos e autónomos,
Em pensamento, palavra, acção, um o melhor, o outro o mal,
E entre os dois, os inteligentes escolhem o bem,
Não os tolos.
Que proclamaram como seus princípios gémeos e autónomos,
Em pensamento, palavra, acção, um o melhor, o outro o mal,
E entre os dois, os inteligentes escolhem o bem,
Não os tolos.
Trata-se de uma religião onde não se exigem sacrifícios nem oferendas. O símbolo religioso mais importante é o fogo. O importante é o amor à verdade e a promoção da justiça. A avaliação final do indivíduo por Ahura-Mazda far-se-á pelos actos sociais e não pelas manifestações piedosas. Trata-se de uma construção religiosa exigente pela necessidade de abstracção para a compreender e abraçar. Objectivamente é uma religião de elites, ter-se-ia extinto nos dois mil anos transcorridos e ser-nos-ia hoje, muito provavelmente desconhecida, não se tivesse ela transformado na religião oficial do Império Persa.
Para adquirir popularidade as cerimónias ganharam aqueles adereços de coreografia indispensáveis para o desempenho da função política que dela se esperava. A classe sacerdotal, que se vestia sempre de branco, passou a desempenhar cerimónias religiosas cada vez mais complexas e, criou-se uma teogonia mais complexa mas mais explícita, a Ahura-Mazda juntou-se Mitra, o Deus da Luz que dirigia os génios do bem, no eterno confronto com Arimânio, que era o dirigente dos génios maldosos. A compilação dos hinos transmitidos oralmente também se fez por essa altura (Século III d.C.).Pela forma transparente como colocava o dilema do bem e do mal, pela importância que atribuía às exigências do dever e da pureza, como religião oficial e como instrumento político, o Zoroastrismo do Império Persa situava-se muito acima da religião oficial pagã do vizinho Império Romano daquela mesma época. Há nele conceitos morais que praticamente não se diferenciam dos do Cristianismo ou do Judaísmo. No entanto, e também como acontecia com o Império Romano, toda aquela extensa época que vai do Século I d.C. ao Século VII parece ter sido uma de incessantes experiências quanto a novas religiões.
Nas pegadas de Zaratustra, Mani (c. 210 – 276 d.C.) foi um outro profeta iraniano que, como Jesus Cristo, terá tentado reformar a religião predominante. Como Jesus Cristo, também Mani acabou executado por influência do clero dominante (zoroastriano), muito embora a religião que pregava, que também tomou o seu nome (Maniqueísmo), continuasse a prosperar, inclusive em territórios do Império Romano. É um daqueles factos a que a ninguém interessa dar grande destaque que Santo Agostinho (354-430), considerado um dos grandes Doutores da Igreja, um dos maiores vultos do Cristianismo, foi um maniqueísta até aos 33 anos.Nos finais do Século VI, em cima dos ensinamentos do Zoroastrismo e do Maniqueísmo, ainda veio a haver um outro movimento religioso e político de relevo na Pérsia, chamado Masdaquismo, cujos princípios pode fazer lembrar estranhamente os dos hippies dos anos 60: fim da propriedade privada, negação da importância das formalidades religiosas incluindo o casamento, substituído pelo amor livre, a procura de viver uma vida com moral mas ascética, sem comer carne, ser simpático e bondoso com o próximo e viver em paz com os outros…
Todas estas experiências e dissidências religiosas que se verificaram tanto a Ocidente como a Oriente terminaram no Século VII com o aparecimento do último Profeta, Muhammad (570-632) e do gigantesco movimento religioso que ele veio a encabeçar. As dissidências e tentativas de reformas religiosas, que tinham parecido ser tão importantes até então, tornaram-se em notas de rodapé da História. A Cristandade passou a ter de pensar em si como um bloco contra o Islão, e as elites do Império Persa conquistado que não quiseram abjurar da sua fé tiveram de emigrar para a Índia.(Continua)
Muito interessante. Gostei muito de ler.
ResponderEliminarJá percebeste que estou a ler ao contrário...
Mesmo assim não estraguei o interesse, só a lógica de leitura.
Procurei dividir o assunto de forma a que a leitura de um poste não dependesse da do outro.
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