29 agosto 2008

ZOROASTRISMO – 1

Se, pelos exemplos de Confúcio, Lao-Tse, Buda ou Mahavira, se comprova quanto costuma ser difícil precisar as datas em que terão vivido os profetas fundadores das grandes religiões, então no caso de Zaratustra, aquele que foi o fundador do Zoroastrismo na região que é hoje o Irão, essa dificuldade ainda consegue ser superior. Datas anteriormente dadas como certas (os Séculos VII ou VI a.C.) são hoje bastante contestadas, com opiniões que defendem a sua antecipação em cerca de duzentos anos e outras que, pelo contrário, as atrasam cerca de quinhentos!

Como acontece nas outras religiões, aqui também se presta a que haja confusão entre a vida e os ensinamentos do seu fundador com a actividade dos seus discípulos imediatos, bem como as tarefas da transmissão e fixação da doutrina da religião até ela vir a ficar consolidada por escrito. Existe Deus, Ahura-Mazda, único, infinitamente grande e poderoso. Ele está rodeado de uma corte de servidores, os génios do bem em luta contra as forças do mal. Disputa existente desde a criação do Mundo, o Homem é o participante e o objecto deste interminável combate:
Ora na origem estavam os dois espíritos,
Que proclamaram como seus princípios gémeos e autónomos,
Em pensamento, palavra, acção, um o melhor, o outro o mal,
E entre os dois, os inteligentes escolhem o bem,
Não os tolos.

Trata-se de uma religião onde não se exigem sacrifícios nem oferendas. O símbolo religioso mais importante é o fogo. O importante é o amor à verdade e a promoção da justiça. A avaliação final do indivíduo por Ahura-Mazda far-se-á pelos actos sociais e não pelas manifestações piedosas. Trata-se de uma construção religiosa exigente pela necessidade de abstracção para a compreender e abraçar. Objectivamente é uma religião de elites, ter-se-ia extinto nos dois mil anos transcorridos e ser-nos-ia hoje, muito provavelmente desconhecida, não se tivesse ela transformado na religião oficial do Império Persa.

Para adquirir popularidade as cerimónias ganharam aqueles adereços de coreografia indispensáveis para o desempenho da função política que dela se esperava. A classe sacerdotal, que se vestia sempre de branco, passou a desempenhar cerimónias religiosas cada vez mais complexas e, criou-se uma teogonia mais complexa mas mais explícita, a Ahura-Mazda juntou-se Mitra, o Deus da Luz que dirigia os génios do bem, no eterno confronto com Arimânio, que era o dirigente dos génios maldosos. A compilação dos hinos transmitidos oralmente também se fez por essa altura (Século III d.C.).

Pela forma transparente como colocava o dilema do bem e do mal, pela importância que atribuía às exigências do dever e da pureza, como religião oficial e como instrumento político, o Zoroastrismo do Império Persa situava-se muito acima da religião oficial pagã do vizinho Império Romano daquela mesma época. Há nele conceitos morais que praticamente não se diferenciam dos do Cristianismo ou do Judaísmo. No entanto, e também como acontecia com o Império Romano, toda aquela extensa época que vai do Século I d.C. ao Século VII parece ter sido uma de incessantes experiências quanto a novas religiões.

Nas pegadas de Zaratustra, Mani (c. 210 – 276 d.C.) foi um outro profeta iraniano que, como Jesus Cristo, terá tentado reformar a religião predominante. Como Jesus Cristo, também Mani acabou executado por influência do clero dominante (zoroastriano), muito embora a religião que pregava, que também tomou o seu nome (Maniqueísmo), continuasse a prosperar, inclusive em territórios do Império Romano. É um daqueles factos a que a ninguém interessa dar grande destaque que Santo Agostinho (354-430), considerado um dos grandes Doutores da Igreja, um dos maiores vultos do Cristianismo, foi um maniqueísta até aos 33 anos.

Nos finais do Século VI, em cima dos ensinamentos do Zoroastrismo e do Maniqueísmo, ainda veio a haver um outro movimento religioso e político de relevo na Pérsia, chamado Masdaquismo, cujos princípios pode fazer lembrar estranhamente os dos hippies dos anos 60: fim da propriedade privada, negação da importância das formalidades religiosas incluindo o casamento, substituído pelo amor livre, a procura de viver uma vida com moral mas ascética, sem comer carne, ser simpático e bondoso com o próximo e viver em paz com os outros…

Todas estas experiências e dissidências religiosas que se verificaram tanto a Ocidente como a Oriente terminaram no Século VII com o aparecimento do último Profeta, Muhammad (570-632) e do gigantesco movimento religioso que ele veio a encabeçar. As dissidências e tentativas de reformas religiosas, que tinham parecido ser tão importantes até então, tornaram-se em notas de rodapé da História. A Cristandade passou a ter de pensar em si como um bloco contra o Islão, e as elites do Império Persa conquistado que não quiseram abjurar da sua fé tiveram de emigrar para a Índia.

(Continua)

2 comentários:

  1. Muito interessante. Gostei muito de ler.
    Já percebeste que estou a ler ao contrário...
    Mesmo assim não estraguei o interesse, só a lógica de leitura.

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  2. Procurei dividir o assunto de forma a que a leitura de um poste não dependesse da do outro.

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