Os quatro aviões que foram desviados a 11 de Setembro de 2001 pertenciam a voos transcontinentais norte-americanos que, saindo de cidades da costa Atlântica (2 de Boston, 1 de Washington e 1 de Newark), tinham por destino cidades da costa do Pacífico (3 iam para Los Angeles e 1 para São Francisco). Sendo voos domésticos estavam sujeitos a um regime de segurança menos apertado, mas o seu destino longínquo fazia com que os aviões estivessem atestados de combustível, o que aumentava o seu poder destrutivo, conveniente para os propósitos dos assaltantes.
Mas, se chamei a atenção para aquele facto foi para destacar como a simultaneidade de tantos voos nos dá a indicação, depois de há dois postes atrás ter aqui escrito sobre a ligação ferroviária transcontinental norte-americana, de como essas rotas serão das mais importantes e das mais disputadas do Mundo em termos de transporte aéreo. E são voos surpreendentemente longos: se um passageiro nova-iorquino demora entre 6 a 7 horas a chegar a Londres, cruzando todo o Atlântico, também demora entre 5 a 6 horas a chegar a Los Angeles, atravessando quase todos os Estados Unidos.
Tanto quanto captar o segmento de luxo dos voos transatlânticos, um dos objectivos inconfessáveis do avião comercial supersónico Concorde era o de captar o mesmo segmento nos voos domésticos norte-americanos de uma costa a outra. Os benefícios da rapidez do Concorde (que iriam reduzir a duração dos voos para metade da duração convencional) far-se-iam sentir tanto num caso como noutro. Contudo, a prudência mandava que os europeus não alardeassem esse objectivo de vender aeronaves às companhias aéreas norte-americanas, porque o lóbi das suas construtoras aeronáuticas é fortíssimo.
Inicialmente, os construtores aeronáuticos norte-americanos não temiam a competição porque, se os programas franco-britânico (Concorde) e soviético (TU-144) de um avião comercial supersónico estavam mais avançados ao longo da década de 1960, o projecto do seu correspondente norte-americano (Boieng 2707) tinha a pretensão de os ultrapassar à posteriori em capacidade de transporte (o dobro dos passageiros) e rapidez. Mas, enquanto os protótipos seus rivais começaram a voar no final da década, o programa norte-americano cada vez mais se atascou em insolúveis problemas necessitando de dispendiosíssimas soluções técnicas.
Claro que um fiasco destes não se proclama, e a justificação que passou para a imprensa foi a preocupação ecológica associada às consequências no solo do estampido que seria desencadeado pelas ultrapassagens da velocidade do som. Recorde-se, para se ajuizar da plausibilidade deste argumento, que se estava em 1971 e que isto se passava nos Estados Unidos, país que nem hoje é propriamente conhecido pelas suas preocupações ambientais… Aliás, no mesmo país, nunca tal problema fora, foi ou veio a ser sequer invocado para condicionar as pesquisas aeronáuticas para a aviação militar (abaixo - um F/A-18 a passar a barreira do som)…
Mas a verdadeira vantagem para as construtoras aeronáuticas norte-americanas desta preocupação ecológica precoce, para além de distrair as atenções públicas do fiasco do projecto do Boeing 2707, era o de bloquear também a viabilidade para que os Concorde fossem vendidos às companhias de aviação dos Estados Unidos para que elas posteriormente os usassem nos seus voos domésticos, nomeadamente no disputadíssimo mercado das viagens transcontinentais. Se com o Concorde o voo transatlântico diminuia a duração de quase 7 para 3 horas e meia, num voo transcontinental ela também diminuiria em metade as tradicionas 6 horas de duração.
Mas isso não estava destinado para acontecer… Costuma referir-se que o Concorde terá fracassado porque fora concebido para níveis de consumo de combustível comuns antes do choque petrolífero de 1973. É uma explicação que fará algum sentido, mas não todo nem o principal: lembremo-nos do segmento de mercado de luxo a que as viagens em avião supersónico se destinavam e como, pela mesma altura, marcas como a Rolls-Royce ou a Bentley passaram pela mesma crise, para lhe sobreviver. Pior e verdadeiramente crucial, foi a limitação administrativa imposta pelas autoridades norte-americanas aos destinos do aparelho.
As rotas do Concorde ficaram limitadas para percursos muito especiais, transoceânicos, essencialmente os voos entre Londres ou Paris e Nova Iorque, e mais alguns casos marginais. A animosidade que o Concorde sempre gozou do outro lado do Atlântico ainda se pôde constatar na cobertura que a média americana deu ao primeiro desastre da aeronave em Julho de 2000, 30 anos depois do seu primeiro voo (acima). Como o afundamento do Titanic em 1912 (um navio britânico) ou o incêndio do Hindenburg em 1937 (um dirigível alemão), parece sempre haver um interesse especial nas catástrofes de transportes que envolvam tecnologias alheias…
Mas, a grande conclusão que se constata de toda esta história resulta na conjunção dos interesses corporativos norte-americanos que, invocando as causas que mais convieram naquela altura, bloquearam uma solução técnica que teria colocado Los Angeles a uma comodíssimas três horas de distância de Nova Iorque já há mais de trinta anos… Foi desta conclusão que me lembrei ao ler, numa entrevista recente, o incómodo manifestado por Rui Moreira pelas deslocações que realiza entre Lisboa e o Porto e pela poupança de tempo (que ele calcula em cerca de uma hora) que se realizaria com a construção do TGV…
Reconheço que a analogia é um pouco difícil. Nos Estados Unidos, Rui Moreira seria um pequeno lobista perdido entre milhares; em Portugal, ele até poderá passar por grande porque, em querendo, até parece que pode dar entrevistas todas as semanas. Mas suponho que poder-se-á comparar o princípio por ele enunciado da premência da comodidade das suas deslocações como inscritas numa espécie de prioridade nacional e regional. Pena que na América nunca tenham pensado assim, e tenham abdicado dos transportes supersónicos de costa a costa para pouparem as pessoas assim viajadas como ele e os empresários que defende…
Mais a sério, e mesmo não tendo Portugal uma tecnologia concorrente como acontecia no caso do Concorde na América, vale a pena reflectir, sobretudo com bastante menos deslumbramento, se os benefícios associados a certos modelos de transporte que os seus construtores nos propõem para o futuro, justificam os custos a eles associados. Mesmo em termos sociais, parece-me desajustado que passemos por mais exibicionistas de uma certa riqueza supérflua do que os norte-americanos, o país reputado pelas suas limousines compridas....
Tanto quanto captar o segmento de luxo dos voos transatlânticos, um dos objectivos inconfessáveis do avião comercial supersónico Concorde era o de captar o mesmo segmento nos voos domésticos norte-americanos de uma costa a outra. Os benefícios da rapidez do Concorde (que iriam reduzir a duração dos voos para metade da duração convencional) far-se-iam sentir tanto num caso como noutro. Contudo, a prudência mandava que os europeus não alardeassem esse objectivo de vender aeronaves às companhias aéreas norte-americanas, porque o lóbi das suas construtoras aeronáuticas é fortíssimo.
Inicialmente, os construtores aeronáuticos norte-americanos não temiam a competição porque, se os programas franco-britânico (Concorde) e soviético (TU-144) de um avião comercial supersónico estavam mais avançados ao longo da década de 1960, o projecto do seu correspondente norte-americano (Boieng 2707) tinha a pretensão de os ultrapassar à posteriori em capacidade de transporte (o dobro dos passageiros) e rapidez. Mas, enquanto os protótipos seus rivais começaram a voar no final da década, o programa norte-americano cada vez mais se atascou em insolúveis problemas necessitando de dispendiosíssimas soluções técnicas.
Claro que um fiasco destes não se proclama, e a justificação que passou para a imprensa foi a preocupação ecológica associada às consequências no solo do estampido que seria desencadeado pelas ultrapassagens da velocidade do som. Recorde-se, para se ajuizar da plausibilidade deste argumento, que se estava em 1971 e que isto se passava nos Estados Unidos, país que nem hoje é propriamente conhecido pelas suas preocupações ambientais… Aliás, no mesmo país, nunca tal problema fora, foi ou veio a ser sequer invocado para condicionar as pesquisas aeronáuticas para a aviação militar (abaixo - um F/A-18 a passar a barreira do som)…
Mas a verdadeira vantagem para as construtoras aeronáuticas norte-americanas desta preocupação ecológica precoce, para além de distrair as atenções públicas do fiasco do projecto do Boeing 2707, era o de bloquear também a viabilidade para que os Concorde fossem vendidos às companhias de aviação dos Estados Unidos para que elas posteriormente os usassem nos seus voos domésticos, nomeadamente no disputadíssimo mercado das viagens transcontinentais. Se com o Concorde o voo transatlântico diminuia a duração de quase 7 para 3 horas e meia, num voo transcontinental ela também diminuiria em metade as tradicionas 6 horas de duração.
Mas isso não estava destinado para acontecer… Costuma referir-se que o Concorde terá fracassado porque fora concebido para níveis de consumo de combustível comuns antes do choque petrolífero de 1973. É uma explicação que fará algum sentido, mas não todo nem o principal: lembremo-nos do segmento de mercado de luxo a que as viagens em avião supersónico se destinavam e como, pela mesma altura, marcas como a Rolls-Royce ou a Bentley passaram pela mesma crise, para lhe sobreviver. Pior e verdadeiramente crucial, foi a limitação administrativa imposta pelas autoridades norte-americanas aos destinos do aparelho.
As rotas do Concorde ficaram limitadas para percursos muito especiais, transoceânicos, essencialmente os voos entre Londres ou Paris e Nova Iorque, e mais alguns casos marginais. A animosidade que o Concorde sempre gozou do outro lado do Atlântico ainda se pôde constatar na cobertura que a média americana deu ao primeiro desastre da aeronave em Julho de 2000, 30 anos depois do seu primeiro voo (acima). Como o afundamento do Titanic em 1912 (um navio britânico) ou o incêndio do Hindenburg em 1937 (um dirigível alemão), parece sempre haver um interesse especial nas catástrofes de transportes que envolvam tecnologias alheias…
Mas, a grande conclusão que se constata de toda esta história resulta na conjunção dos interesses corporativos norte-americanos que, invocando as causas que mais convieram naquela altura, bloquearam uma solução técnica que teria colocado Los Angeles a uma comodíssimas três horas de distância de Nova Iorque já há mais de trinta anos… Foi desta conclusão que me lembrei ao ler, numa entrevista recente, o incómodo manifestado por Rui Moreira pelas deslocações que realiza entre Lisboa e o Porto e pela poupança de tempo (que ele calcula em cerca de uma hora) que se realizaria com a construção do TGV…
Reconheço que a analogia é um pouco difícil. Nos Estados Unidos, Rui Moreira seria um pequeno lobista perdido entre milhares; em Portugal, ele até poderá passar por grande porque, em querendo, até parece que pode dar entrevistas todas as semanas. Mas suponho que poder-se-á comparar o princípio por ele enunciado da premência da comodidade das suas deslocações como inscritas numa espécie de prioridade nacional e regional. Pena que na América nunca tenham pensado assim, e tenham abdicado dos transportes supersónicos de costa a costa para pouparem as pessoas assim viajadas como ele e os empresários que defende…
Mais a sério, e mesmo não tendo Portugal uma tecnologia concorrente como acontecia no caso do Concorde na América, vale a pena reflectir, sobretudo com bastante menos deslumbramento, se os benefícios associados a certos modelos de transporte que os seus construtores nos propõem para o futuro, justificam os custos a eles associados. Mesmo em termos sociais, parece-me desajustado que passemos por mais exibicionistas de uma certa riqueza supérflua do que os norte-americanos, o país reputado pelas suas limousines compridas....
É a pronuncia do norte carago!
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