31 dezembro 2005

YOU TALKIN´ TO ME?


A cena provavelmente mais memorável do filme Taxi Driver de Martin Scorsese consiste num monólogo de Robert de Niro, frente ao espelho, em que repete, cada vez com uma entonação diferente (interrogadora, depois insistente, por fim ameaçadora) a mesma pergunta: estás a falar comigo (you talkin´to me)?

Tem-me ocorrido repetidamente a mesma pergunta, e os sentimentos também têm variado, embora diferentes (irritação, desespero, exaspero, comiseração…) ao seguir as performances consecutivas e as dramatizações apocalípticas do candidato presidencial Mário Soares.

Na versão de São Silvestre, anda a tentar transferir culpas para a comunicação social, como se ele – virgem impoluta! – não conhecesse todos os seus meandros, os contactos, as manobras e a forma delas beneficiar… Dando por adquirido que Soares não estará a falar para mim, impõe-se perguntar para quem, diabo, estará ele ainda a falar? Quantos achará ele que se deixarão convencer ainda mais uma vez?

30 dezembro 2005

OS ESPECIALISTAS

A fotografia acima é a da capa de um disco dos Beatles, Abbey Road, editado quando eles já eram podres de famosos, quando já existia aquilo que se passou a designar por beatlemania.

A beatlemania gerou os especialistas em Beatles que, a propósito deste disco, se fartaram de dizer disparates. Assim, Paul McCartney teria morrido e era um seu sósia que aparecia na fotografia e era para assinalar isso de uma forma críptica (tem que ser sempre assim, senão nem se justificaria a sua categoria de especialistas) que ele se apresentava assim descalço. Aliás, seriam os próprios Beatles que anunciavam isso numa das faixas de uma das músicas onde, se ela fosse tocada de trás para a frente (!), se poderia ouvi-los a afirmar que tinham enterrado o Paul

Só muito raramente estes especialistas são desmascarados na altura. Dá-se por verdadeiro que, uma vez, Charlie Chaplin concorreu incógnito a um concurso de imitações de Charlot. Os jurados atribuíram-lhe o quarto lugar… Não se sabe se Chaplin se desmascarou. Mas a competência demonstrada pelo juri merecia que o fizesse. Para que mudassem de ramo de especialidade...

Enfim, a verdade é que os especialistas acabaram por criar um universo próprio, uma casta. Que aparecem como o Capitão Kirk e o Mister Spock na superfície do planeta Xylon, como se materializassem do nada. Actualmente, já nem se pode assistir a um mero debate sem que eles nos venham posteriormente esclarecer sobre o que devemos concluir. E a pluralidade é tão grande nessas alturas que eu suspeito que haja vezes em que os especialistas devem ter assistido a acontecimentos completamente diferentes dos que eu presenciei...

Mas também há os outros especialistas, os ocultos, aqueles de que se sente a sua ausência ou se adivinha a sua falta de qualidade. Provavelmente Alegre nem deve ser o pior candidato do lote que se apresenta às eleições de Janeiro. Agora, nas lacunas de que tem dado mostras, algumas devem ser de atribuir à ausência de um staff eficaz.

Por exemplo, ontem de manhã, a TSF anunciava as trivialidades das campanhas de Jerónimo, Louçã, Soares e Cavaco. Da de Alegre, nem uma noticiazita com que a TSF se entretivesse a mordiscar ao longo da manhã.

Hoje (30 de Dezembro), alguém se lembrou de mandar Alegre mais a patroa ao programa da Fátima Lopes na SIC… Como diria o falecido Jorge Perestrelo: qué qué essa ó meu?!!

29 dezembro 2005

AS DESVENTURAS DO COMISSÁRIO MAIGRET

É um lugar comum, bem conhecido, afirmar que a distância que medeia entre ingleses e franceses é muito maior do que a distância física do Canal da Mancha. Também é perceptível que, tanto dum lado como doutro, se capricha em acentuar essas diferenças.

A verdadeira poluição sonora ininteligível composta por um inglês a falar francês só é irmanada pela de um francês a falar inglês*. E todas as acusações recíprocas têm normalmente fundamento, e é por isso que não se refutam, contra atacam-se com uma outra acusação. Se os franceses se levam demasiado a sério e não têm espírito de humor, os ingleses não se sabem vestir nem comer. E assim sucessivamente...

É sobre mais um episódio, pequeno, da interminável rivalidade, digo amizade, anglo-francesa que incide este post. Para dar razão aos franceses. Os seus amigos deram em roubar um dos ícones da ficção francófona – o Comissário Maigret – para produzirem uma série de episódios de TV com o título de Inspector Maigret!

Ora Maigret, embora criado por um belga, é a verdadeira encarnação da raison d´être francesa: está sempre a emborcar uma bebida alcoólica qualquer (not in a pub!), molha o pão no café com leite do pequeno-almoço (disgusting!), sacode a cinza do cachimbo no tacão do sapato (he´s not a gentleman!). Que verosimilhança querem que aquele Maigret das terras de Sua Majestade tenha?

Depois, como a designação correspondente à de Comissário na polícia britânica é a de Superintendente, optou-se por rebaixar Maigret ao cargo de inspector, o que inaceitável na república mais aristocrática da Europa, onde a designação do cargo que se ocupa é fundamental – note-se como até nós já tivemos, por exemplo, o ministério da igualdade!

Em suma, os britânicos fizeram algo que até agora só os norte-americanos ousavam fazer: assassinar a história e as características nacionais alheias em obras de ficção. E fizeram-no sem provocação, não consta que os franceses tenham inventado alguma série com Miss Marple nas idílicas paisagens da Bretanha ou da Borgonha, nem levado Sherlock Holmes a investigar o submundo de Marselha.

Contudo, se estas forem as tendências do futuro, modernas, na União Europeia, então preparemo-nos para uma próxima série ficcional polaca com Vasco da Gama na Índia ou, já agora, aventuremo-nos, loirinhos como somos, para fazermos uma série sobre a saga da expansão viking

*A Bomba H do assassinato de idioma alheio pertence aos castelhanos quando falam inglês, mas existe uma justificação histórica para isso: é porque andam, há mais de 400 anos, a vingarem-se da derrota da Invencível Armada de 1588.

28 dezembro 2005

VITOR ESPADINHA À PRESIDÊNCIA

Devem ter sido os franceses a criarem a moda das canções declamadas. Com Leo Ferré a coisa assumia mesmo uma faceta duplamente intelectual e chocante com laivos de enigmático (ele dizia coisas como: je pisse, j´éjacule, je pleure*) num apelo subentendido aos acenos compreensivos da audiência que se desejava erudita e compreensiva.

Já com Joe Dassin o estilo era muito mais ligeiro, de um sentimental quase a descambar para o piegas, e onde o cantor até se permitia umas modulações suaves na voz, acompanhando a música, como um trautear tímido de melodia de chuveiro. Havia uma parte da audiência feminina que exultava.

Cá no burgo, Vítor Espadinha (acima) tornou-se o émulo de Dassin, arrancando arrepios a uma audiência que se encantava com a profundidade de um verso como o foste o 30 de Fevereiro de um ano por inventar..., enquanto Pedro Abrunhosa foi recuperar Ferré, numa versão remodelada para os tempos modernos com o ar desleixado e a guedelha de marca do francês a metamorfosearem-se numa careca e nuns óculos escuros irremovíveis.

O que para mim os une, a todos os quatro, é uma certa sensação de fraude quando os vejo e ouço. Nem cantam nem declamam. São uma espécie de falsos artistas num espectáculo falso: dizem para ali umas coisas com uma atitude muito convicta (uns) ou então muito romântica (outros), mas fica-me a suspeita que, descontado o embrulho da atitude, o conteúdo não será substancial.

Por um momento pensem nos candidatos presidenciais e releiam o parágrafo anterior e vejam lá se não se trata disso mesmo!...

*Mijo, ejaculo, choro.

23 dezembro 2005

O HOMEM QUE MORDEU O CÃO

Se fosse verdade aquela máxima do jornalismo que a notícia é o homem a morder o cão, então nunca haveria notícias dos ecologistas. Com eles as notícias nunca são surpresas, é sempre o cão que morde o homem. É o que se pode designar por uma agenda batida. Por exemplo, são sempre contra. Eles andam por cá, não para ajudar, mas para alertar, um forma eufemística de dizer que não querem responsabilidade nenhuma. E há uma distribuição bem bizarra na escolha dos locais e das circunstâncias para as quais alertam.

Observe-se o Greenpeace, provavelmente a organização ecologista mundial mais conhecida em todo o mundo. Já teve inúmeras acções a merecer destaque jornalístico: contra a caça à baleia, pelo Japão, a desflorestação da Amazónia, no Brasil, os ensaios nucleares, da França, o transporte de dejectos radioactivos, na Alemanha… Curiosamente, não se regista nenhuma acção destacada nos ou contra interesses dos Estados Unidos – quando acidentalmente a ONU lhes atribui a responsabilidade por 20 a 25% de toda a poluição produzida no Mundo.

O Greenpeace cá da paróquia dá pelo nome de Quercus. Tem um dirigente (Francisco Ferreira) com uma excelente postura televisiva, não tanto pelo seu discurso, sempre batido como disse acima, mas pela demonstração visual - através da magnífica careca que ostenta - dos efeitos devastadores que as chuvas ácidas podem ter.

A Quercus adora mencionar a palavra ecossistemas mas gosta sobretudo é de nos falar em animais. Embora seja um bocado selectiva com os animais de que nos fala. Os melhores são os selvagens e que nidifiquem – não há nada como um ninho com ovinhos para enternecer. Os mamíferos não têm nada disso, por isso cães e gatos domésticos abandonados só muito remotamente fazem parte da lista de preocupações da organização. Assim como as poias de cão urbano que nidificam nos passeios. Isso não é um problema ambiental da agenda da Quercus.

Há animais selvagens cuja preservação é relativamente menos interessante. Os peixes, por exemplo. Por muito pertinente que seja a manutenção dos contingentes de pesca, um peixe a desovar não desperta qualquer ternura e, além dos maníacos dos aquários, poucos são os que terão em casa, por exemplo, um chicharro como animal de estimação. Além de que há a possibilidade de aborrecer o lóbi dos armadores de pesca. E sobretudo, porque não há nesses casos necessidade de muitos estudos de impacto ambiental.

O animal de eleição da Quercus foi descoberto há pouco tempo pelo blogue Imprensa Falsa, dá pelo nome de Pirirú de bico amarelo ou coisa parecida, e, segundo ele, só nidifica em locais onde irá haver uma grande empreitada pública. Aí, de facto, é que vale a pena preservar a diversidade da vida animal. Num grande orçamento aparecerá sempre uma rubrica dedicada à preservação do Pirirú, para gáudio da Quercus.

Pelo meu lado, ainda não desisti de ouvir a Quercus, num futuro próximo e numa dessas grandes empreitadas em que se torne necessário demolir grandes construções abandonadas, fazer a defesa da preservação do habitat da ratazana-de-esgoto-repelente-do-rabo-peludo.

22 dezembro 2005

OLÁ CAMBADA!

Foi o saudoso José Estebes, da época em que Hermann José era mais pobre e se aplicava a ter piada, que deu popularidade à palavra substrato, que empregava amiúde como um qualificativo abonatório. Qualquer coisa com substrato era positivo, primeiro porque soava bem, depois… porque soava bem. Há expressões que funcionam assim, soam bem. O que são, não interessa: soam bem.

Atente-se a esta: pacto de regime. Pronunciem-na e escutem-na a ver o bem que soa… Confesso que sempre a abominei, tanto a expressão, como o racional que pretende justificar os pactos de regime.

Não se pode negar que existem tópicos sobre os quais se manifesta a concordância de uma massa crítica do pensamento político. Nas relações exteriores, por exemplo. Mas esses existem por si, independente dos formalismos de um pacto e muito menos dos apelos de um dos actores da disputa política para que uma tal coisa exista.

Só que na maioria das vezes os apelos para um desses pactos tornam-se ridículos e, se implementados, tais acordos até tenderiam a não ser democráticos.

Ridículos porque correntemente confundem, na justificação para a sua criação, a unanimidade no diagnóstico dos problemas com a concordância quanto às soluções a aplicar para a sua resolução.

São também ridículos porque esquecem ou escondem que os tais pactos de regime tendem a ter que ser firmados primeiro dentro das fronteiras do partido; dentro dele, seja ele o PS ou o PSD, existem sempre correntes que pensam assim e as outras que pensam precisamente o seu contrário sobre a resolução do mesmo problema. Ou seja, frequentemente as diferenças de opinião sobre um determinado problema são transversais aos partidos.

Finalmente, ao retirá-los da discussão (no altar do tal pacto) retira-se ao eleitor a possibilidade de avaliação de propostas alternativas nas diversas áreas sectoriais no que é um dos verdadeiros benefícios da democracia – a liberdade de escolha.

Na prática, tem-se apelado para eles quando o partido no poder instalou o seu clã à frente das estruturas administrativas de poder de um determinado sector e acena com esse gesto patriótico ao partido da oposição, para tentar evitar o incómodo posterior de serem apeados quando a roda da fortuna política girar.

Por detrás de uma expressão com um tal substrato, está uma substância parecida com a do arroto que o Estebes mandava cada vez que bebia a sua pomada...

21 dezembro 2005

VOTAR NO RATO MICKEY

Já se deve ter percebido que as minhas opiniões a propósito das próximas eleições presidenciais são de amigo da onça. Não acho nada, não estou a favor de ninguém. Irrita-me Soares, desgosta-me Cavaco, desaponta-me Alegre. Com o debate de ontem (Soares-Cavaco) algo se alterou.

Ainda não estou a favor de ninguém. Mas, pelo seu comportamento, fiquei contra Soares. Profundamente. A ponto de, no próximo dia 22 de Janeiro, quase me dispor a ir para a porta da sede da candidatura de Soares celebrar, não a vitória de Cavaco (que antecipo), ou a passagem à segunda volta de Alegre (que desejo), mas tão somente a derrota e a humilhação de Soares. Há atitudes que não são admissíveis, nem a putos mimados, nem a velhinhos que acham que tudo lhes é permitido.

Como aconteceu com Cavaco em 1996*, Soares despertou-me o factor Mickey: se houver que escolher amanhã entre Soares e o Rato Mickey, voto no Rato Mickey.

* Jorge Sampaio venceu aquelas eleições, mas é de admitir que se, por hipótese, o Pato Donald tivesse concorrido em seu lugar, a antipatia por Cavaco era tal que o Pato teria obtido uma apreciável votação. Bastava ser o outro…

BANANAS!

Vale a pena relembrar, já que vem a propósito, um saudoso debate presidencial travado nos idos anos de 1991, entre Mário Soares e Basílio Horta. Preparava-se Soares para fazer mais uma vez o seu papel de patriarca, que lhe era habitual naquela campanha para a sua reeleição (os passeios na avenida ainda deviam ser higiénicos…), quando Basílio deu em lhe estragar o script, começando por lhe chamar padrinho (a propósito do caso do fax de Macau) como aperitivo de um chorrilho de acusações bem mais desagradáveis. A cara de Soares não mostrava nada do bonacheirão da imagem de marca da versão oficial.
Ao intervalo, Soares foi-se municiar, e mal o debate se reiniciou, foi ver Soares a puxar de um novo estribilho: Bananas! Ficou-se a saber que havia uma história sórdida que tinha a ver com uma importação de bananas quando Basílio era Ministro do Comércio Externo num governo de Soares, havia talvez uns 15 anos.
Esta história das Bananas! veio-me repetidamente à memória no debate de ontem entre Soares e Cavaco. Basílio, da outra vez, nem sequer tinha a pretensão de ser levado a sério enquanto candidato presidencial. Soares, agora, afirma que sim, embora o seu comportamento com Cavaco a custo se diferencia com o que Basílio outrora teve para com ele e que tanto o irritou – a ponto de ir desenterrar o tal episódio da fruta, coisa que Cavaco não fez, num currículo de Soares que até tem tanto por onde se pegar…
Mas sobretudo o que incomoda mais é o contraste nos comentários da opinião publicada do dia seguinte. Vai de um coro de censuras (merecidas) a Basílio a uma atitude globalmente benigna para com Soares que, alegadamente, estava ao ataque. Sinceramente se, como Basílio o tinha feito, Soares assim atacou Cavaco, deu mostras de um carácter de alguém que, na minha opinião, não merece desempenhar as funções presidenciais. Se calhar esteve lá dez anos a mais…
Adenda de 21/09/2013:

20 dezembro 2005

DEMOCRACIA A SÉRIO

A fábrica da Auto Europa de Palmela tem sido responsável por uma nova abordagem às relações laborais em Portugal. Há dois anos, sob um governo de direita, os trabalhadores e os seus representantes aprovaram e subscreveram um acordo com as entidades patronais, ao arrepio de várias sugestões, umas mais visíveis, outras mais encobertas, que incentivavam ao fomento das justas lutas dos trabalhadores.

Passaram dois anos, o ambiente parece ser radicalmente diverso, o governo é de esquerda e há pouco espaço para lutas laborais, quando parece ter acontecido algo de precisamente oposto: os trabalhadores rejeitaram numa votação por maioria os acordos firmados pelos seus representantes, desautorizando-os e lançando uma onda de preocupação na comunicação social que me parece descabida. Em ambos os casos parece que os trabalhadores da Auto Europa decidiram ao contrário do que se estava à espera deles.

Que somos uma sociedade onde o respeitinho é muito bonito já sabíamos. Ainda ontem, o presidente do Vitória de Setúbal, ali mesmo ao lado de Palmela, deu uma conferência de imprensa onde nem se vislumbrou em qualquer momento que ele estaria a falar em representação dos milhares de associados do clube a que preside. Só que presidir a uma instituição não se pode confundir com possuí-la.

Que uma rejeição das decisões dos seus dirigentes por parte dos trabalhadores que representam provoque uma tal surpresa entre comentadores só pode acontecer por ser tão raro. E é significativo que tais episódios sejam raros em Portugal, a ponto de constituírem uma surpresa. Como também se tornam ridiculamente condescendentes as preocupações que se manifestam a propósito das consequências das decisões que foram tomadas por aqueles que serão precisamente os mais afectados por elas.

É a verdadeira democracia a funcionar. Que, às vezes, é imprevisível: retira a autoridade aos dirigentes regularmente mandatados e às cadeias de comando. Que um figurão como Chumbita Nunes, presidente do Vitória de Setúbal, deve detestar. Mas que, no fundo, no fundo, também não deve enternecer Carvalho da Silva ou João Proença.

19 dezembro 2005

OVOS MEXIDOS

Para fazer ovos estrelados, que não é uma dificuldade do outro mundo, há que dominar a técnica de partir o ovo e deitá-lo na frigideira sem deixar que a gema se estrague. Há uma outra técnica, muito mais teórica e sabichona, que consiste em não se anunciar de antemão a maneira como vamos fazer os ovos e depois, se algo correr mal, misturamos clara e gema à pressa, anunciando descontraidamente que o que estávamos a fazer era mesmo ovos mexidos.

É claro que, neste último caso, temos mesmo que comer os ovos mexidos com a expressão mais tranquila deste mundo mas sempre nos fica a consolação de ter salvo a nossa reputação de cozinheiros.

Toda esta temática culinária tem a ver com a atitude que os governos portugueses têm tomado, desde sempre, antes, durante e depois das negociações no quadro da União Europeia. Haja o que houver, saldam-se sempre por um sucesso espectacular para a parte portuguesa e mais uma vez não foi excepção.

Como é que se querem tornar credíveis se nunca anunciam de antemão como é que vão fazer os ovos?
A propósito de credibilidade, entre os nossos primos do Lácio, anuncia-se que Antonio Fazio, o governador do Banco de Itália, se demitiu finalmente.

O CARROCEL MÁGICO

O Carrocel Mágico foi, possivelmente, a primeira de todas minhas paixões televisivas. E não apenas minha: ainda hoje há um edifício de Lisboa que tem o nome oficioso de franjinhas em homenagem a um dos personagens da série, aquele cão que aparece no meio da fotografia. Os gelados da Olá traziam os bonecos da série, como brinde. Enfim, o merchandising do costume, mas de que me considero absolvido a posteriori pela novidade que aquilo constituía naquela altura (1966-67).

Mas, se continuo a lembrar-me da série e do folclore que a acompanhava, também me lembro do desconforto que senti ao revê-la, passadas umas boas dezenas de anos. A animação não era nada de especial, as histórias eram confrangedoramente simples, parece que ficávamos demasiado fixados ao acessório do movimento dos personagens para nos apercebermos de que nada evoluía.

Pensar no Carrocel Mágico não foi inocente; ocorreu-me a propósito das próximas presidenciais e da forma como as recordaremos para o futuro. Muito barulho, pouca substância. Quem se lembra das últimas eleições presidenciais? Quem concorreu contra Sampaio? E nas anteriores? Além de Sampaio e Cavaco, quem mais foi a votos? Alguém se lembra que Soares foi reeleito em 91 com uns aclamados 70% dos votos?

É que, se já nos resignámos a que só haja eleições presidenciais a sério de dez em dez anos – esta até parece uma das constatações bombásticas à Vasco Pulido Valente! – também parece estarmos a retirar a emoção mesmo a essas. O Soares ralha, o Alegre indigna-se, o Louçã prega e o Jerónimo cai nas boas graças da comunicação social, enquanto o Cavaco se prepara para ganhar.

Pobre país o nosso! - como diria o José Pacheco Pereira, embora esteja desconfiado que ele não empregaria publicamente a sua famosa expressão neste cenário de vitória de Cavaco. Não faz mal porque a uso eu!

17 dezembro 2005

O ALFREDINHO

Alfredo Marceneiro foi uma das maiores glórias do fado lisboeta, naquela época em que Amália cantava mesmo muito bem, antes de se tornar num ícone e muito antes de se tentar fazer pegar uma moda que me parece insuportavel e desnecessariamente petulante de a tratar por Senhora Dona Amália.

Entre os atributos distintivos de Alfredo Marceneiro, um castiço do fado, constava um falar precisamente castiço, o seu eterno lenço (como se pode ver na fotografia anexa) e a irreprimível tendência para, quando estava a ser entrevistado, procurar dar sempre, calhasse ou não, mais um empurrãozito à carreira do filho, o Alfredinho, que era muito jeitoso.

Aquele amor paterno sempre se mostrou muito superior aos talentos demonstrados pelo Alfredinho, e seria por causa dele que as promoções do pai Alfredo eram comentadas muito discretamente, ninguém quereria fazer um comentário antipático a uma intenção tão nobre.

Passaram mais de quarenta anos, mas é aquele episódio, ao mesmo tempo notável e ridículo, do Alfredinho que se vai buscar a inspiração para apreciar a cobertura que Mário Soares tem dado à carreira política do filho João. Depois de Lisboa, depois de Sintra, quando será a vez de João experimentar concorrer à outra Câmara Municipal onde o pai tem casa – Portimão?

CORLEONE

É bem verdade que Cavaco Silva nunca teve jeito para as aparições televisivas, mas constato que também Soares já teve dias melhores. Onde anda a bonomia de avozinho?

É sempre crispada a sua aproximação aos jornalistas, como um avozinho sim, mas daqueles rabugentos que censuram tudo e todos à sua volta e que só se aturam quando e porque são ricos. Longe vão os tempos do Oh sôr guarda, desapareça!!! surpreender pela novidade que a atitude trazia à imagem do presidente, naquela altura. O guarda já pode ter desaparecido mas as descascas às perguntas que os jornalistas colocam sucedem-se com uma regularidade impressionante.

As perguntas até podem ser as mesmas de antigamente, Soares é que parece estar a perder-lhe o jeito. Ainda recentemente, no debate com Louçã, ao ser questionado sobre as suas interferências na vida interna do PS (uma pergunta que o Soares tradicional estava habituado a comer ao pequeno almoço), formulou a resposta de uma forma tal – há vinte anos que não ocupa cargos dentro do partido – que ela áté poderia ser aproveitada por um qualquer Corleone numa comissão senatorial de inquérito ao crime organizado.

É que os Corleones, formal e normalmente, também só eram donos de uma mísera padaria em Nova Iorque. Uns pacatos cidadãos. Porque é que o Senado tentava atribuír-lhes assim tanto poder?

16 dezembro 2005

READ MY LIPS: NO NEW TAXES!!*

O pai Bush, quando concorreu pela primeira vez à presidência dos Estados Unidos, em 1988, tinha uma espécie de número de circo, aparentemente muito eficaz para a captação de votos. Virava-se para a audiência e declamava:
- Read my lips: No new taxes!! * Se o efeito em campanha daquela declaração foi fragoroso e contribuiu para a sua eleição, infelizmente para Bush, houve a necessidade da sua administração aumentar os impostos, ao arrepio da famosa promessa eleitoral, para colmatar os deficits herdados da administração Reagan. Ficou para ver qual seria o impacto que a quebra de uma tal promessa num assunto tão sensível na sociedade norte-americana teria nas possibilidades de reeleição de Bush. Afinal, ninguém leva a sério as promessas feitas em tempo de campanha, mas há quem defenda que ainda existem áreas restritas à mentira descarada. Os assuntos fiscais seriam uma dessas áreas especiais junto do eleitorado norte-americano. Os defensores dessa teoria marcaram pontos quando Bush pai, apesar de ter ganho a primeira Guerra do Golfo, foi derrotado nas eleições de 1992 por Bill Clinton. Houve muitas outras justificações para a vitória deste, mas ficou sempre no ar um travo a justiça poética que castigava um mentiroso descarado. Toda esta história serve-nos para enquadrar o dilema do eleitorado português perante as atitudes de Mário Soares, que se despediu em 95, assegurando que não voltaria à política activa, que se elegeu para o parlamento europeu em 99, na última eleição que disputava, que em 2004 proclamava o famoso basta! às solicitações para que regressasse à política. Os cenários pré-eleitorais destas presidenciais parecem mostrar, entre outras coisas, uma antipatia profunda por Cavaco Silva da parte de um certo fracção do eleitorado, o que não constitui novidade, mas também uma outra antipatia profunda por Mário Soares de uma outra fracção do eleitorado – quiçá maior que a anterior. Da parte de alguém que se reelegeu em 1991 com 70% dos votos e que deixou saudades no exercício do cargo, só uma explicação deste cariz pode justificar os resultados que as sondagens vão mostrando. Será que desta vez os eleitores deram em ler os lábios de Soares: Basta! Basta!?
*Leiam os meus lábios: Não há novos impostos!!

OS NOSSOS PRIMOS DO LÁCIO

Já Luís de Camões, nos seus Lusíadas, deu o devido realce às nossas relações de proximidade com Roma e com os latinos, os habitantes do Lácio. A moda de Viriato, o pastor que resistiu aos romanos apareceu posteriormente e com Sertório que, romano mais líder dos lusitanos foi, ainda mais tarde, classificado como o sucessor de Viriato, chegou-se enfim a um compromisso ideológico entre a resistência aos invasores e a acção civilizadora que eles entre nós impuseram.

É compreensível que os italianos nos pareçam por vezes mais chegados do que outras culturas que nos estão mais próximas geograficamente (como a castelhana ou a catalã), dada a ausência da proximidade, que muitas vezes é geradora, só por si, das rivalidades de vizinhança.

Deve ser algo parecido com isso que nos ocorre quando tomamos conhecimento com a história do Governador do Banco de Itália, Antonio Fazio, que tem estado a ser fortemente pressionado para se demitir, depois de se ter confirmado a sua intervenção, à margem da lei, no favorecimento da parte italiana em negócios de aquisições de empresas bancárias.

Mau grado os repetidos apelos para que Fazio se demita, alertando-o para que, com o seu autismo está a desprestigiar ainda mais a instituição a que preside, há meses que se mantém impávido no seu lugar, multiplicando-se os episódios de uma campanha de imprensa que os desacredita cada vez mais.

Qualquer semelhança com outro dirigente, noutros episódios, noutra instituição, noutro país, deverá ter sido apenas uma mera coincidência…

15 dezembro 2005

CONCURSO DE EVIDÊNCIAS

MEDALHA DE PRATA¹

Bush admite que argumentos para a guerra do Iraque estavam errados
(título do Público de 15/12/2005)

¹ A medalha de ouro permanece, destacada, na posse de: João Paulo II reconhece que a Inquisição se excedeu no caso Galileu

THE LAST WALTZ


A Última Valsa foi um disco (houve também um filme) de meados da década de 70 que foi responsável por me fazer saber que havia um conjunto americano chamado The Band. Não os conhecia, mas também não fiquei (e também vi o filme) com vontade de os conhecer – quem é que disse que esta distinção cultural entre europeus e americanos data da era de Bush Júnior?

Apreciei e continuo a apreciar contudo, a encenação que puseram na dissolução do seu grupo, precisamente ao contrário das peixeiradas que ocorriam frequentemente no seio dos grupos de rock daquela época. Se para alguma coisa serviu todo aquele inesperado civismo, pelo menos fiquei a saber, como já disse no princípio, que havia os The Band.

Também gostava de estar a descobrir agora que existia um presidente chamado Jorge Sampaio. O lançar recente de um livro com os seus famosos discursos, a que anda a adicionar um remate de comentários auto-congratulatórios e de apelos semi-ocultos ao voto em Manuel Alegre, directa (usando a metáfora do quadrado) ou indirectamente (criticando o cenário de uma eventual terceira candidatura sua), mais não passam do que os episódios finais de um trajecto que a história virá a julgar. Mas parece significativo, para já, que esses comentários pareçam estar a passar despercebidos na comunicação social.

Actualmente ainda se está subjugado às impressões mais recentes, recolhidas na sequência do esboroamento do governo de Guterres, seguido da evasão de Barroso, para culminar no carnaval de Santana Lopes, tudo debaixo da tutela omnipresente de um presidente que multiplicou, inflacionou e desvalorizou os apelos que foram dirigidos a quem se mostrou completamente desinteressado em os ouvir.

A história mostra-se, por vezes, extremamente cruel ao analisar os factos desprezando as circunstâncias atenuantes, ou então, ainda pior, remetendo o aspirante a protagonista para a gaveta do esquecimento. Seria terrível para o próprio, por exemplo, vir a considerar Sampaio como uma espécie de Carmona do virar do milénio, praticamente irrelevante para a sequência dos acontecimentos na sociedade a que alegadamente presidia.

Mas seja qual for o julgamento da história, para esse julgamento pouco contam as manifestações um pouco folclóricas de auto satisfação, mesmo que sejam com a ajuda de terceiros (Marcelo Rebelo de Sousa) que, no caso concreto, bem podem penalizar mais o ajudante do que beneficiar o ajudado. Que seria de esperar da opinião de Sampaio sobre a actuação de Sampaio como presidente?

Faz-me lembrar um amigo meu a quem, numa carreira de tiro, se puseram a perguntar em que zona do alvo é que ele achava que estavam a acertar os seus tiros:
- Bom, quando os disparo e saem daqui vão todos dirigidos à mouche

14 dezembro 2005

A WHITER SHADE OF PALE


A imortal canção dos Procol Harum ganhou uma notoriedade macabra quando se soube que os membros do grupo terrorista alemão Baader-Meinhof a punham a tocar, como forma de relaxe, antes de desencadearem as suas operações.

A continuação dessas operações e o consequente fim dos Baader-Meinhof vieram demonstrar, na década de 70, até onde pode ir o poder do aparelho de estado quando se liberta das inibições, mesmo quando esse estado é uma democracia.

Os membros do grupo que estavam em liberdade raptaram o dirigente máximo do patronato alemão para o negociarem contra a libertação dos líderes do grupo, que tinham sido presos. Perante a recusa em negociações, o refém foi executado e, no seguimento, os líderes do grupo terrorista suicidaram-se todos na prisão…

A oportunidade e a coincidência daquele suicídio múltiplo nunca foram seriamente questionadas, até hoje, e os restantes membros do grupo habituaram-se à ideia de não poderem esperar quartel por parte das autoridades alemãs. A ausência de interesse manifestada por parte da opinião pública alemã apenas faz aflorar casos anteriores, como Dachau ou Treblinka, mas existem episódios muito similares que se podem encontrar em Espanha, na história da luta contra a ETA, ou no Reino Unido, na da luta contra o IRA.

Existe, por isso, uma boa dose de hipocrisia quando os governos europeus se mostram indignados com os voos da CIA e com o transporte de prisioneiros de um lado para outro. O exemplo usado, na Alemanha, demonstra que, pontualmente, com sentido de timing e com o apoio emocional da opinião pública se conseguem ultrapassar todos os limites daquilo que é judicialmente permitido. Muitos governos europeus sabem-no e fizeram-no; o resto é teatro…

Se calhar, todo o problema dos aviões da CIA pode ser sintetizado numa frase latina, velha como a História: Vae victis (Ai dos vencidos)! Afinal, nestas operações secretas e normalmente sórdidas só o sucesso é que pode desculpar tudo. Ninguém gosta daqueles que deram (ou estão a dar) barraca. Foi o que aconteceu aos serviços secretos franceses na Nova Zelândia(*) e é isso mesmo que parece estar a acontecer com os americanos e a sua guerra ao terrorismo
 

13 dezembro 2005

COISAS DO ARCO DA VELHA


É o título de um excelente (quiçá o melhor) disco da Banda do Casaco. Também é um exemplo flagrante de uma expressão portuguesa nossa que, quando analisada pelo seu conteúdo, nada contém do conceito que pretende transmitir. Quem pode dizer o que é o arco-da-velha? Ou melhor, o que é um arco-da-velha?

Mas a expressão do arco-da-velha é ímpar quando pretendemos descrever alguma situação mirabolante que só a nós ou entre nós acontece. A minha avó empregava uma variante só dela (isto só visto, contado ninguém acredita) para os flagrantes, há quem tenha uma visão mais abrangente e estruturante (isto só neste país), mas são tudo expressões de um indicador em que não estamos certamente na cauda da Europa: a capacidade portuguesa de demonstrar indignação.

É de uma boa dose dela que os alemães precisarão se se confirmar a notícia que o ex-chanceler Gerhard Schroeder vai aceitar um cargo de consultor na Gazprom – trata-se do gigante estatal russo para a produção e comercialização de gás natural! Havendo negociações em curso para a concretização de um mega negócio de fornecimento de gás russo a alguns países da União (entre os quais a Alemanha), é, no mínimo, desconfortável para os alemães que o seu ex-governante apareça agora defendendo a posição contrária.

Ficamos para ver se, nessa eventualidade, Schroeder virá a ser sancionado, nem que seja apenas socialmente e através dos canais da comunicação social. Seria sinal de que, como de costume, as coisas do arco-da-velha continuam paroquialmente confinadas a este nosso cantinho europeu.

Se não houver essa sanção, então tanto melhor, porque será um sinal de que estamos na vanguarda da nova moralidade europeia, basta pensar no que, por exemplo, (não) se comentou a propósito do emprego pós-ministerial de Pina Moura. É como se a atitude de mandar gente reconvertida pela janela fora estivesse a perder charme…

12 dezembro 2005

ELE TEM DOIS AMORES

Se algum estrangeiro vier a Portugal para tentar investigar e compreender o fenómeno deste senhor aqui do lado na opinião publicada, asseguro-lhe que vai ter um fracasso estrondoso.

E pur si muove*, como diria Galileu, os resultados das vendas e da popularidade de Marco Paulo já de há muito que são evidentes e dispensam os circuitos de promoção tradicionais de muitos dos seus colegas de profissão. Não apreciando a sua obra já é aceitável entre os bem pensantes dar mostras de respeito pelo artista.

Aproximando-nos da campanha para a eleição presidencial, ocorre-me às vezes, se Cavaco Silva não será uma espécie de Marco Paulo político. É que, se a memória não me trai, Cavaco já nos pregou duas vezes partidas semelhantes e convém prepararmo-nos para, no meio do barulho de fundo sem significado de uma campanha, evitar cair na mesma esparrela pela terceira vez.

Se o resultado do PSD das eleições legislativas de 87 havia sido uma surpresa (50%), a expectativa para as de 91 era a de ver a capacidade de Cavaco de limitar o desgaste. Os jornais que estavam fora do controlo laranja massacravam em cima do governo – O Independente então era por demais –, quase se tornava obrigatoriamente chique que, socialmente, se mostrasse antipatia pelo PSD. Vamos a votos e o PSD duplica a dose: 50%. Onde é que andavam esses eleitores que não se dava por eles?

Quatro anos depois, para as presidenciais de 1995, o grau de saturação ainda era maior, Cavaco ainda abrilhantou mais o espectáculo a brincar aos tabus, mas a verdade é que os outros candidatos da esquerda (Carlos Marques da UDP e Jerónimo de Sousa – que ainda não fora descoberto fresco, jovial e genuíno pela imprensa e ainda era mais um daqueles leninistas da cassete do costume…) retiraram as suas candidaturas para não forçarem uma segunda volta. Cavaco, como ele próprio outro dia lembrou, perdeu, mas com 46,5%. É o mesmo resultado que deu esta maioria a Sócrates…

Em Cavaco vota-se, não se debate, não se discute. Não debate o candidato, não discutem os seus eleitores. Maldosamente, poder-se-ia insinuar que ainda são ecos daquele famoso discurso de Salazar que não discutia nem Deus, nem a Pátria, nem a Família… Mas em Cavaco, como em Marco Paulo, convém vergarmo-nos à realidade dos discos de platina…

Em suma, estou convencido que Soares vai mesmo ter de deixar Cavaco fazer o tal passeio pela Avenida, retribuindo, aliás, o passeio que Cavaco lhe proporcionara em 1991. De bónus Soares vai-lhe dar o prazer de ser humilhado quando se concluir que a sua presença só serviu para dispersar os votos de um resultado que, muito provavelmente, Manuel Alegre conseguiria sozinho.

* E contudo ela move-se – disse Galileu ao ser condenado a deixar de ensinar que a Terra se movia à volta do Sol.

10 dezembro 2005

SERVIÇO PÚBLICO


Se bem me lembro… era um programa que passava na RTP única no início dos anos 70, protagonizado pelo professor Vitorino Nemésio. Se bem me lembro, uma das dúvidas da minha infância geradas pela sua existência era a de saber se gostaria ou não de cultura, pois sendo o programa um dos expoentes da sua difusão, tinha imensas dificuldades para compreender o que o professor dizia.

Nem era somente uma questão vocabular, era também o sotaque carregadíssimo de Vitorino Nemésio, a que se acrescentavam as modulações na voz, que tão depressa se aceleravam como bruscamente desembocavam em consoantes e vogais mudas, enfim um universo aberto à especulação de qual seria o tema do programa.

Pode ter sido talvez por isso que o professor se deixou substituir por uma aluna sua num dos programas, em que se procedeu à leitura de parte da sua obra poética. Além de evidentes benefícios para a inteligiblidade do programa, da pose pouco ortodoxa - para a época - do autor, que recostado na cadeira e de olhos fechados escutava os seus poemas, aprendi naquele dia que aquela poesia moderna não precisava nem de rima nem de métrica. Uma novidade!

Infelizmente, no programa seguinte tinha-se voltado ao figurino original: o professor falava e nós que tentássemos descobrir o que é que ele estava para ali a dizer... Recentemente a RTP Memória repôs alguns dos saudosos programas do professor. Ultrapassada em muito a infância, diminuída a insegurança, foi reconfortante redescobrir que continuo a não compreender quase nada do que o professor dizia.

É desagradável estragar alguns mitos dos saudosistas mas se aquilo era difusão e popularização da cultura, eu vou ali e já volto…

09 dezembro 2005

O SEMÁFORO (UMA PARÁBOLA NÃO BÍBLICA)

Imagine-se uma fila de automóveis parada junto a um semáforo à espera que ele passe para verde. A luz cai, o condutor da frente deixa o carro ir abaixo. Começam as buzinas.
O desgraçado da frente, debaixo da barulheira, tenta fazer o motor do carro pegar. Vai abaixo. Mais uma vez. Abaixo. Em desespero, sai do carro e dirige-se ao que lhe está imediatamente atrás, um dos buzinadores mais exuberantes, pedindo desculpa mas pedindo-lhe ajuda, tudo isto sob uma cacofonia cada vez mais insistente. O vizinho sai do seu carro, gesticulando contrariado, mas ao dirigir-se para a frente repara que quem lhe pediu ajuda se deixa ficar para trás:
- Então não íamos fazer o seu carro pegar?
- Já agora, eu prefiro ficar aqui a buzinar por si…

Foi Guterres quem popularizou as expressões fazer parte da solução e fazer parte do problema. Como aconteceu com Guterres com muitas outras coisas mais importantes, esta também foi uma abordagem superficial da questão: a habilidade sempre consistiu em fazer parte do problema, pretendendo que se faz parte da solução. No caso concreto, demonstrar a mais expressiva indignação pelo impasse, buzinando, enquanto se enerva, com a maior das tranquilidades, quem tem, literalmente, a chave do problema na mão.

Esta extensa introdução, a pretender-se filosófica, serve para enquadrar o problema corrente (e bicudo) da aprovação do orçamento comunitário. A viatura da frente é o Reino Unido (a quem compete fazer a proposta) enquanto os restantes parceiros da União buzinam as suas reivindicações. Até Zé Manel Barrozo anda muito sonoro. Note-se que não há que ter pena da presidência britânica: também já teve a sua oportunidade de buzinar ardentemente no semestre passado, quando as responsabilidades pertenciam ao Luxemburgo. Mas convém que haja alguém que contribua para que o carro arranque antes do sinal mudar

Visto de fora e desapaixonadamente, o guião da União Europeia parece ter todos os condimentos de uma história que se arrisca a acabar em nada. Dizem os cínicos que falta à Europa actual uma ameaça externa conjunta que os force a reagruparem-se – foi o que Aécio fez em 451, ao conseguir juntar romanos e germanos contra a ameaça dos hunos. Era o que acontecia com a NATO - que actualmente já está quase reduzida a uma sigla - contra os russos.

A França e Alemanha são, pela evidência da própria geografia, indispensáveis em qualquer projecto de unidade europeia. Mas também não é arriscado prever que se engana quem pensa, como a História já demonstrou aliás, com Napoleão e com Hitler, que essa unidade se pode fazer em confronto frontal com a vontade do Reino Unido. Se alguém tivesse investido em acções de um eventual Ideal Europeu esta seria uma boa altura para as vender...

08 dezembro 2005

THE DAY AFTER


Confessar que não gosto particularmente de Jorge Coelho é uma forma benigna de formular a minha opinião acerca dele. Por honestidade, devo também reconhecer que Coelho é capaz de não ter culpa de muito daquilo que não gosto nele.

Sendo alguém que reconhecidamente ascendeu, é todo o nosso sistema lusitano de meritocracia que se pode pôr em causa quando damos o destaque que damos a alguém como Coelho que configura o esperto, o intuitivo das palmadas nas costas e das teias de amigos, do discurso redondo repleto de adjectivos mas vazio de conteúdo.

A falta é colectivamente nossa ao valorizá-lo porque estamos a exigir objectivamente pouco a quem passa por deter tanta capacidade de influência na nossa sociedade. Depois não se estranhe que a única barreira séria de avaliação de carácter pareça ser a ascensão ao cargo de primeiro-ministro, como aconteceu recentemente com Santana Lopes…

Não parece, mas é para elogiar Coelho e o seu instinto que falo dele. Instinto que já lhe serviu para sair galhardamente do edifício rangente do governo de Guterres, antes de ele entrar em colapso, como a ponte de Entre-os-Rios, a causa imediata da justificação de Jorge Coelho.

Para trás ficaram, entre outros, assuntos como um túnel inundado na Praça do Comércio (que penso ainda lá estar – para banhos presume-se) ou o fiasco de uma fusão da TAP com a Swissair (que entretanto faliu - cuja indemnização convém esperarmos sentados), mas isso agora não interessa nada.

É capaz de ter sido o instinto de Coelho, que o tem posto a bom recato de problemas futuros, que o levou a anunciar recentemente que vai abandonar os cargos de maior responsabilidade que detém dentro do PS, logo depois das eleições presidenciais. Depois do fiasco das autárquicas, este parece ser um sintoma do que verdadeiramente se pensa, dentro do PS, acerca do desfecho das próximas eleições de Janeiro.

Nunca fui grande adepto de elaboradas teorias da conspiração, mas se fosse amolador e afiasse facas, nos próximos tempos ia passear o meu apito lá para as bandas do Largo do Rato…

07 dezembro 2005

EXPRIMIDO…

O jornal EXPRESSO é uma instituição nacional, nossa, exclusivamente portuguesa, das que se enraizou mais profundamente na alma lusitana. Torna-se mais difícil de traduzir EXPRESSO para qualquer outro idioma do que a palavra saudade, por exemplo.

Como se pode explicar a um espanhol o prazer que se retira de andar com um saco de plástico na mão, ao Sábado, a demonstrar à vizinhança que fazemos parte da elite informada deste país? Um espanhol, em geral foleiro*, passeia-se, não passeia um mísero saco de plástico.

E então os contributos que o EXPRESSO trouxe à língua portuguesa? Locuções como a já citada, passear o EXPRESSO, como sinónimo de ignorância pretensiosa, crítica de cinema de EXPRESSO, como texto elaboradíssimo e ininteligível sem quaisquer pretensões de esclarecimento do leitor, ou ainda, director de EXPRESSO, como alguém que não sofre, decididamente, de problemas de auto-estima, são preciosidades para a formação do português moderno, um dos nossos grandes patrimónios, na opinião do candidato Manuel Alegre.

É por isso que, apesar do apreço que tenho por aquele jornal, como aqui demonstrei, é com algum embaraço que confesso que já há alguns (largos) meses deixei de comprar religiosamente o símbolo da minha cidadania empenhada. Em primeiro lugar porque é muito caro para aquilo que trás para ler, em segundo lugar porque é muito pesado para aquilo que trás para ler, em terceiro lugar porque a maioria do que trás para ler nem sequer é legível.

Sobretudo irrita-me a presunção de muitos que comentam qualquer notícia (normalmente falsa) que tenha vindo no EXPRESSO de Sábado não perguntarem sequer se os interlocutores a leram, partindo da certeza que toda a gente tem de ler o EXPRESSO. Até parece que, ao Sábado, o EXPRESSO é como o olho do cu: toda a gente tem um…

* Para quem tem TV Cabo, preste atenção como as emissões da TVE Internacional têm uma cromia típica, mais garrida do que o normal.

06 dezembro 2005

40 + 10 – 8 – 2

Está geneticamente inscrito em nós, portugueses, que estamos entre os melhores do mundo na arte do lamento. É isso que dá todo o encanto ao fado. Isso e alguma dose de ignorância à mistura combinam-se para que, naquelas comparações internacionais, sejamos sempre os mais desgraçados de todos, estejamos previsivelmente na cauda da Europa – embora melhor que 80% da humanidade, mas isso agora não interessa nada.

Ainda recentemente, quando tivemos o privilégio de ter o 1º ministro Santana Lopes, que tinha um perfil assim mais … fora dos cânones clássicos, procurei consolar muitos desanimados com a comparação com a personalidade do seu homólogo italiano, Sílvio Berlusconi, que considero assim uma espécie de mistura entre o Alberto João Jardim e um clássico presidente de clube de futebol (ele até é mesmo presidente de um clube de futebol), da galeria de um Pinto da Costa, Sousa Cintra ou Vale e Azevedo.

Confesso que não tive muito sucesso. Na maioria das vezes, aquele meu esforço só servia para atrapalhar e retirar razões de expressão à dor: Os italianos vivem muito melhor que nós. O facto de eles terem um chefe de governo que é pessoal e ostensivamente votado ao ostracismo por alguns dos seus pares europeus não tem importância nenhuma, dado que a humilhação nem sequer é nossa, não alimenta o nosso ego sofrido.

É esta relatividade no sofrimento que descubro sempre presente nas conversas a propósito das nossas relações com os espanhóis. Em qualquer conversa tipo eles estão-nos recorrentemente a invadir, seja com médicos e enfermeiros (porque nós, com os numerus clausus, retirámos a portugueses a possibilidade de se formarem nessas profissões), seja com os seus produtos de baixo preço (de que quero destacar os famosos caramelos, que devem ser subsidiados secretamente pela Sociedade Portuguesa de Estomatologia e Medicina Dentária – SPEMD).

Na realidade, os ameaçadores espanhóis, antes de nos anexarem, estão com problemas lá na casa deles que bem chegam para os entreter. Ainda hoje, 6 de Dezembro, ao comemorarem os 27 anos da sua Constituição nas Cortes, as cerimónias foram abrilhantadas pelas ausências dos deputados representantes das formações nacionalistas catalãs, bascas, galegas e de Navarra.

O chefe do governo regional catalão aproveitou para reafirmar que a Catalunha é uma nação, numa Espanha que é uma nação de nações, seja o que for o que isto quer dizer. Talvez algo parecido com o que Orwell inventou em Animal Farm: todos os animais são iguais, mas há uns que são mais iguais que os outros.

Conclusivamente, se a Espanha for um clube, de que nós, portugueses, corremos o risco de sermos feitos membros a força, podemos ir descansando, porque o clube não é assim tão popular, e há uns sócios que se querem vir embora. É a tradução da forma algébrica do título: 40 (população espanhola em milhões) + 10 (população portuguesa) – 8 (Catalunha) – 2 (País Basco) = 40.

Quem é que quer fazer parte de um clube que corre o risco de perder membros?

03 dezembro 2005

BOVINIDADES

Começo por deixar clara a minha maior simpatia pela causa da abolição da pena de morte, por um variado leque de razões que não importa agora mencionar. Agora, devo confessar o meu incómodo quando vejo essa causa ser defendida na comunicação social através da manipulação fraudulenta da apresentação dos dados.

A notícia em questão, emitida e repetida nos Estados Unidos e depois amplificada para o resto do Mundo, assinala o milésimo executado pela Justiça norte-americana depois da reintrodução da pena de morte, há 30 anos. O número (1000) está lá, é fornecido a seco, sem comentários. Atrevamo-nos a pô-lo numa escala relativa.

Os mil executados em 30 anos, representam um pouco mais de 30 executados por ano, num país que tem cerca de 300 milhões de habitantes ou seja, um rácio de 1 execução anual para um pouco menos de 10 milhões de habitantes, o que me parece perfeitamente demonstrativo que, pelo menos analisado por este aspecto, a justiça norte-americana, no geral, parece ter sido cautelosa na aplicação da sanção penal máxima.

Enfim, sempre se pode dizer que é uma efeméride. Mas que tal, se se comparar os mil executados em 30 anos aos mais de dois mil mortos em apenas dois, em consequência da Guerra do Iraque? A causa da abolição da pena de morte deve ser suportada qualitativamente; quantitativamente pode dar nisto…

Mas o mais espantoso é a placidez com que certas notícias parecem rodear o globo, sem que se consigam ouvir vozes discordantes. Como alguém fora do meio recentemente notou, a crise da gripe das aves passou, num par de semanas, da preocupação aguda com o papagaio inglês infectado, à indiferença pela morte de uma rapariga chinesa.

Vendo isto, considerando a classe jornalística mundial, tenho muita pena mas não é propriamente em aves que se pensa…

CALVIN & HOBBES

Houve uma vez em que Vasco Pulido Valente (VPV ou PH3 para os amigos) decidiu fazer-se à política. Nem imagino porquê. Talvez o interruptor da clarividência com que nos brinda nos artigos do Público nos três dias do fim-de-semana estivesse no off. Isso ou a amizade por, e a ingenuidade de, Fernando Nogueira.

O que interessa é que houve uma oportunidade ímpar de ver o bacano do VPV num debate televisivo, contracenando com José Magalhães. Mesmo no estilo do cometa de Halley, só uma vez na vida. Se tivesse sido um combate de boxe, tinha acabado logo no primeiro assalto, por desclassificação de um dos concorrentes para sua própria segurança.

Magalhães, um ratão experimentado da conversa (sobretudo da desconversa) feita de efeitos especiais, atira a VPV, logo aos 4 minutos de jogo uma pergunta: sabe quanto é o ordenado mínimo nacional? VPV, que, evidentemente, da resposta não sabia, não queria saber e mais o resto, embelezou a cena com uma tal careta de repugnância (presumivelmente quando imaginou alguém que, tipicamente, aufere o salário mínimo) que suicidou ali mesmo o debate.

Depois disso, nunca mais consegui levar o VPV a sério, mas só com a crónica dele de hoje, no Público, onde pretende desculpabilizar os plágios de Clara Pinto Correia, porque vivemos numa terra onde toda a gente plagia (sic) – ele também incluído, suponho – consegui atingir um novo ponto alto na compreensão do seu contributo para a sociedade portuguesa contemporânea.

Confesso que só hoje atingi, na plenitude, toda a comicidade oculta dos seus textos. VPV é uma espécie de Buster Keaton da caneta. E deve ser por isso, só agora me apercebi, que as suas crónicas saem na mesma página do Calvin & Hobbes.

02 dezembro 2005

DESAPARECIDOS EM COMBATE

Desaparecidos em combate é o que parece que aconteceu aqueles vultos do PS (adoro esta última expressão, até ouço o Jorge Coelho a pronunciá-la...) que, há muito tempo, apareceram a dizer que apoiavam a candidatura oficial do partido.

É que, andando todos à espera da descolagem, o tempo vai passando e ninguém salta para a arena, tirando, na blogosfera, o bom do Medeiros Ferreira que se autonomeou forcado da cara, esquecendo-se dos ajudas, que não há... Vital Moreira que, a propósito de Soares, é um dos previlegiados que conhece o sabor de um sapo, anda progressivamente mais calado. Deve ter ido investigar a constitucionalidade de se disfarçar de corrente de ar...

Pensando melhor, eles até nem são desaparecidos em combate, são desaparecidos ao combate. Seria imensamente giro, não fosse a antevisão de Cavaco Silva e a perspectiva de levar com ele nos próximos dez anos. Mas enfim, por muita eloquência que se use, a verdade crua é que a direita ganha estas eleições com o mesmo resultado que, antigamente, acontecia frequentemente nos jogos dos distritais - (v.-f.c.): vitória por falta de comparência...

01 dezembro 2005

A DESCOLAGEM

Esta há-de ser a famosa descolagem prometida para a campanha do Soares. Não vai ser é no Aeroporto da Ota, mas sim no de Peniche, no dia seguinte ao da chegada dos amigos. Eu bem sei que o trocadilho é primário, mas já faz tanto tempo que ouço sempre a mesma promessa que não resisti...

HOJE HÁ CONQUILHAS, AMANHÃ NÃO SABEMOS

A Banda do Casaco tinha destas coisas. Aos seus discos melhores dava-lhes títulos mais banais; quando os discos eram menos bons, compensava com a imaginação posta nos títulos. Se bem recordo, neste caso, a inspiração veio de um letreiro afixado numa casa de pasto mas não faço a mínima ideia o que é que os ovos estrelados estão ali a fazer.

Pelos vistos o mundo já era imprevisível há quase 30 anos, e isso também se reflectia nas incertezas do petisco que uma casa de pasto tinha para oferecer aos seus clientes. Hoje os restaurantes finos já podem garantir o abastecimento regular de salmonete, linguado, robalo, garoupa de aquacultura, todos pescados no Atlântico Nordeste – enfim, nas suas margens…

A actualidade tem imprevisibilidades diferentes. Para os funcionários da British Airways constou da notícia que a empresa onde trabalham se prepara para despedir metade dos seus funcionários e eliminar cerca de um terço dos seus cargos de chefia.

Já tive oportunidade de me pronunciar aqui neste blogue, manifestando toda a minha desconfiança sobre o siso demonstrado pelo tal de mercado (de capitais). A prática de anunciar uma avalancha de despedimentos (sempre aos milhares) para melhorar a cotação bolsista da empresa, é de uma gramática tão lógica, como as promessas eleitorais prometendo baixas de impostos.

A novidade aqui, em relação ao tempo em que podiam faltar as conquilhas, é que os despedidos pertenciam normalmente àquilo que os anglo-saxónicos designam por blue collar, o operariado; a novidade no caso da British Airways é que os futuros despedidos pertencem aos white collar, aos funcionários que, possivelmente, já votaram Tatcher e agora votam Blair.

A mesma classe que, na Alemanha, quando se sentiu ameaçada, votou maciçamente em Adolfo Hitler…que pôs o mercado a trabalhar para ele.

30 novembro 2005

DOS BENEFÍCIOS DE UM VENDIDO NO REINO DOS BONIFÁCIOS (1)

É o título de um disco de um antepassado da Banda do Casaco, uma protobanda por assim dizer, que foi editado, salvo erro, em 1974 ou 1975. A esta distância, já se pode reconhecer que o melhor que o disco contém é, porventura, a imaginação demonstrada pelo seu teu título.

Quando Sir Robert Walpole, o primeiro primeiro-ministro de Inglaterra e um homem que sabia do que falava, já que esteve em funções durante 21 anos consecutivos (1721-42), falava acerca de vendidos, produziu uma frase famosa, a propósito dos seus adversários políticos: todos estes homens têm o seu preço.

Ele sabia aqueles preços, de certeza, porque em alternância política, 21 anos seguidos não se conseguem assim do pé para a mão, sem truques, à excepção claro, da Madeira, que é resultado, obviamente, do mérito da governação do Alberto João Jardim.

O que nos baralha é quando os vendidos se vendem sem que encontremos quaisquer vantagens materiais no acto. Medeiros Ferreira lembrou-se de vir para a blogosfera publicar postes ferozes de critica às candidaturas que concorrem com as de Mário Soares.

Vai tudo a direito. Não escapam os candidatos, não escapam os discordantes – o mais recente foi Vicente Jorge Silva –, as críticas parecem-se cada vez mais com as de um adepto benfiquista, daqueles ferrenhos, mas nem sequer dos do saudoso 3º anel que também gostavam de dar opinião sobre as (más) formações da equipa – onde nem o Erikssson escapava.

É que depois, os resultados consecutivos das sondagens fazem os postes de Medeiros Ferreira parecerem-se cada vez mais com os comunicados do ministério da informação iraquiano em plena guerra do Iraque – da proclamação de vitória em vitória até à efectiva derrota final.

O essencial de qualquer análise política elementar está aí à vista de todos: ainda pode haver dúvidas que haja uma maioria de portugueses que queira Cavaco como presidente; mas não as há que existe uma esmagadora maioria deles que não quer que Soares para lá regresse.

Só numa situação limite duma segunda volta (onde nem sequer há a garantia de passar – poderá ser Alegre) existirá a hipótese de Soares bater Cavaco, não por Soares ser Soares, mas por Soares ser o outro que não o Cavaco. Para um ex-presidente, que deve ter provas dadas, parece-me pouco, confrangedoramente pouco. A mensagem está passada, os debates são flores e não me parece que alguém pretenda bater em Soares desta vez.

É compreensível que, para Medeiros Ferreira, o episódio Soares seja mais um zigue de uma carreira política que já teve vários deles e outros tantos zagues, embora suspeite que não venha a ter mais nada depois de Janeiro, ao estar a demonstrar um tal extremismo fundamentalista.

Como diria o Diácono Remédios: Não havia necessidade…

28 novembro 2005

A ARTE DE BEM CAVALGAR TODA A SELA por EL REI D. DUARTE

Entre os vários aspectos que eram trauteados e que me ficaram da História de Portugal conta-se a bibliografia de el-rei D. Duarte: O Leal Conselheiro, na sua faceta mais intelectual, ou A Arte de Bem Cavalgar Toda a Sela, na sua vertente mais desportiva.

Neste último caso, ainda hoje estou para descobrir as razões de um título tão longo e de qual será o seu significado; das vezes que lá andei (sobre a sela, por obrigação e que considero terem sido demais) fiquei com a certeza que a expressão toda a sela, literalmente, é mau sinal e prenúncio de queda do cavalo… Então porquê aquele requinte medieval?

Mas o que pretendo aqui é recuperar aquela estrutura bizarra do título para o parafrasear e aplicá-lo num desporto nacional, este sim muito mais popular que a equitação: A Arte de Bem Discutir, Fora da Argumentação. Descrevê-la como popular não impede que assuma características distintas conforme a classe.

Começando por baixo, há a tradicional discussão em que se trocam acusações recíprocas sem qualquer preocupação em as refutar, vulgarmente designada por peixeirada em homenagem à classe que tanto as popularizou, mesmo antes de Paulo Portas ou Narciso Miranda terem trazido as peixeiras para o prime time televisivo. É o estilo predominante quando as coisas aquecem nos programas de comentadores de futebol. Que saudades de Pedro Baptista...

À discussão do nível seguinte, que resulta de uma sofisticação do nível anterior, e que é protagonizada normalmente mais por quadros intermédios, pode-se designar por Ah…, mas tu também…, como se a falta de uma parte se considerasse anulada por uma outra falta da outra. Veja-se o caso corrente das faltas, como vereador, do actual Secretário de Estado da Educação, que parecem servir, só por si, para justificar todo o absentismo dos professores. Em discussões políticas, é o pão-nosso de cada dia.

A culminar, para os mais diferenciados, há a técnica da reinterpretação do que o oponente diz, aparentemente mais urbana, só que essa reinterpretação tem a vantagem de tornar o discurso do oponente mais facilmente rebatível. Reservado aos consagrados, mesmo assim conseguem-se identificar dentro do estilo duas escolas: a dos generalistas, como Marcelo Rebelo de Sousa ou António Vitorino, que se pronunciam sobre isto, aquilo ou o resto, e a dos especializados, que entortam o assunto até ele caber na área de que eles são reputados especialistas – não é possível falar da arrumação de automóveis com António Borges sem abordar a sua vertente económica, ou dos problemas constitucionais que se colocam à mesma actividade, se a conversa for com Vital Moreira.

Resta a pergunta: e D. Duarte, o Original, o Intelectual, não o Pio? Se fosse vivo, e admitindo que seria um consagrado, seria um reinterpretativo generalista ou especializado?

27 novembro 2005

A PRIMEIRA VEZ QUE CÁ VIM, DEPOIS DA ÚLTIMA VEZ QUE CÁ ESTIVE

Existe um argumento poderoso entre aqueles que defendem a extinção da monarquia, quando aludem aos eventuais problemas de debilidade mental ou de senilidade de um monarca, para preconizarem a sua abolição.

Só que, na verdade, as monarquias nem têm o exclusivo desse problema, basta até lembrarmo-nos, entre nós e para aqueles que são mais velhinhos, da veneranda figura do Chefe de Estado até 1974, Almirante Américo Tomás – ou Thomaz, como era chique naquela altura.

Apesar de todos dizerem ter sido um sujeito simpático (com quem até tenho um jogo de fotografias a receber um prémio), acabou por ficar para a história como um dos símbolos maiores da decrepitude de um regime, que se mostrou incapaz de se renovar.

Há algo que nos faz recordar Américo Tomás na maneira de estar do presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Nunes da Cruz. Já numa intervenção televisiva anterior, no programa Prós e Contras, o Juiz Conselheiro, figura máxima de todo o poder judicial português, tinha dado de si uma imagem não muito feliz. Recentemente, no VII Congresso dos Juízes, a prestação não foi melhor.

Só que o problema excede os problemas de imagem ou de telegenia. Esses foram os problemas de figuras públicas como Ramalho Eanes ou Cavaco Silva, que se empenhou em corrigi-los até se ter aborrecido e desatado a comer o bolo-rei à frente das câmaras. Em qualquer dos casos, e outros (Mota Pinto, por exemplo), nunca esteve em causa o que estava por detrás da falta de à-vontade diante de câmaras e microfones.

No Congresso dos Juízes, parecia que estávamos a ver uma figura vinda directamente do passado ou que, alternativamente, tinha estado a viver em algum lugar reservado, um mosteiro talvez… Parecia um Patriarca duma Igreja Ortodoxa do Leste, ou um daqueles monarcas europeus dos filmes do princípio do século XX – com a vantagem desses filmes serem mudos.

Com a assessoria a ser protagonizada pelo dirigente da Associação Sindical dos Juízes (*), Baptista Coelho, que emprega, com requinte vocabular, uma argumentação lógica que não desdenharia a um dirigente do sector metalúrgico da década de 1940, no período das justas lutas dos trabalhadores (**), parece-me evidente que o Ministro da Justiça pouco precisa de argumentar.

Se o poder judicial se sente bem, assim representado, então serão os próprios intervenientes que se enforcam, perante a opinião pública, e com uma corda que eles próprios teceram.

(*) Um Sindicato de Juízes tem tanto sentido como, por simetria, a Ordem dos Tratadores de Lixo.
(**) PCP dixit.

25 novembro 2005

OH LA LA ou UM POST CHIC (2ª Parte)

Para além da gastronomia, os franceses têm expressões muito típicas e muito cómicas, de que o Oh La La que encima este post é um excelente exemplo. É preciso dizê-lo à francesa, ou seja, rolando os olhos e fazendo um gesto vago com a mão. O Chic, que aportuguesámos para chique, é outro exemplo de tudo aquilo que é genuinamente francês. Como os conceitos de panache ou de finesse ou de todos aqueles galicismos que tenho vindo a espalhar por este texto.

O que é desagradável é a constatação que os franceses estão convencidos de que tudo o que é típico, cómico, interessante, se encontra exclusivamente por detrás das fronteiras do seu hexágono; e depois, que o seu hexágono é a mesma coisa que a Europa.

Estou desconfiado que a origem da confusão tem para aí uns 200 anos, da última vez que a França foi arranjar um Chefe de Estado nascido fora do hexágono, um sujeito baixinho que dava pelo nome de Napoleão Bonaparte. Esse esteve, de facto, em vias de conquistar a Europa, e de ter transformado o Império Francês no continente, até ter feito uma visita a Moscovo que correu mal, muito mal, muito pior até, do que as excursões da Intourist à União Soviética no período da Guerra-Fria, onde as disenterias fizeram vacilar muitas convicções comunistas profundas. O que interessa para a história é que a Europa em peso (a outra, não a dos franceses) se reuniu e derrotou a França.

A verdade é que, mesmo assim, os franceses ficaram a idolatrar o corso pequenito, que é tão adorado em França como foi detestado no resto da Europa (será que daqui a 100 anos os alemães também vão erigir um panteão ao Adolfo?). E ficaram com todos os comportamentos de fidalgo arruinado, a quem a vida já correu melhor, ciumento das atenções que o mundo dá às outras potências emergentes, quais arrivistas ou parvenus, de meia e cueca rota mas sempre de queixo erguido.

E é essa forma tão francesa de fazer de conta que os torna cómicos, malgré eux. Mostram um desprezo não disfarçado pelo caos organizado que caracteriza os seus parentes latinos do Sul, sem o distanciamento para verem esse mesmo caos nas regras de trânsito que tem gerido a forma como se processa a circulação na praça de L´Étoile, mesmo no centro de Paris.

Criaram o seu Império Colonial, que foi sempre uma sombra do Império Britânico, resistiram à descolonização e foram militarmente derrotados, passaram a Guerra-Fria a fazerem-se passar por relevantes, muitas vezes às costas dos alemães, enquanto o francês foi desalojado de idioma de comunicação internacional perante a aparente incompreensão dos franceses das razões para que isso tivesse acontecido.

E, pourtant, estou curioso em saber qual seria a percentagem de franceses que responderia, numa sondagem, que consideravam que a França era a maior ou a segunda maior potência do Mundo.

É que a França parece mesmo um galo de trino ardente mas fracos esporões.

24 novembro 2005

QUANDO UMA NOTÍCIA IMPORTANTE VEM NA PÁGINA 47

A notícia em questão vem na página 47 do Público de hoje e tem por título Imprensa britânica ameaçada de procedimento judicial por divulgar conversa entre Bush e Blair.

Recapitulando. Há um par de dias, o Daily Mirror, um jornal inglês conhecido pelas suas posições contra a Guerra do Iraque, noticiou que, no decorrer de uma conversa telefónica entre Tony Blair e George W. Bush, aquele tinha dissuadido o Presidente americano de ordenar o bombardeamento da Al-Jazzeera, a televisão sedeada no Qatar.

No dia seguinte, com os desmentidos de Washington e as tentativas londrinas de aliviar o assunto insinuando que Bush estaria a brincar, o Mirror voltava à carga especificando a data da conversa, deixando antever que teria documentação em seu poder que sustentaria a sua versão, enquanto o Guardian e o Times começavam a demonstrar interesse no assunto.

E ao terceiro dia parece comprovar-se o aforismo que nada é verdadeiro até ter sido devidamente silenciado pela via judicial.

Se a Presidência norte-americana fosse um filme, poder-se-ia dizer que Bush era um erro de casting. Mas assim, reeleito pelos seus concidadãos, que é que se pode fazer?…

DESTA VEZ DISCORDO DO GURU

O guru é José Pacheco Pereira. E não se julgue que o emprego da palavra guru tem algo de depreciativo. Muito pelo contrário, é com respeito que uso o termo, considero que só se é guru por mérito, não o é quem o quer.

O seu texto de hoje no Público, é fortemente condenatório do discurso de Freitas do Amaral a propósito da situação embrulhada que se vive no seio da União Europeia para a aprovação do orçamento comunitário. Por coincidência, um tema que ainda ontem abordei num poste chamado Um desafio a Aécio.

Titulado A ofensiva portuguesa contra o Reino Unido – um bom título, mas parece pôr as relações luso-britânicas numa antecâmara parecida com aquelas que vigoram actualmente entre os Estados Unidos e a Venezuela – e salvaguardando a dificuldade de sintetizar um texto denso e bem estruturado, como costumam ser os de José Pacheco Pereira, é possível desdobrá-lo num primeiro terço, onde se comenta o que foi dito, o estilo em que foi dito, a legitimidade de quem o disse e as suas consequências, a que se segue todo o resto, onde se esmiúça porque é que foi dito.

Para Pacheco Pereira, Freitas do Amaral é um europeísta extremista mas consequente. Ou seja, visto da sua perspectiva, Freitas está do outro lado da barricada. Globalmente, simplificado o assunto a barricadas, a minha será a mesma barricada de Pacheco Pereira, só que não posso acusar Freitas de estar a pensar mal quando considera que o Reino Unido é um entrave à concepção que os franco-alemães querem dar à União, muito embora não concorde com essa concepção. Muito menos concordo que ele esteja a assumir as penas de defender a posição francesa quando censura a passividade britânica em todo o processo de aprovação do orçamento – ou será que, em simetria, Pacheco Pereira não ficaria incomodado se o acusassem de ser um enfeudado aos britânicos por ter criticado Giscard d´Estaing, como aliás já o fez?

Objectivamente, as criticas à forma como o Reino Unido está a exercer a presidência por parte de Freitas do Amaral fazem todo o sentido, da mesma forma que as críticas de Pacheco Pereira à forma como foi elaborado o projecto de Tratado constitucional da União também o fizeram. É bem verdade que o segundo não é Ministro dos Negócios Estrangeiros como o é o primeiro, e aí é capaz de residir uma substancial parte da razão que possa dar a Pacheco Pereira, muito embora seja de opinião que o bom comportamento na União não se tenha vindo a revelar substancialmente remunerador – Portugal não parece ter sido destacadamente mais favorecido do que a Grécia, por exemplo.

Paradoxalmente, creio até que há maior proximidade de interesses entre Reino Unido e França, do que entre Portugal e qualquer deles – ambos preferem preservar o status quo a devolver o cheque ou a modificar a PAC. O resto, num artigo onde se faz aquilo que costuma ser de bom tom dizer que não se faz (processos de intenções) parece mais destinado à disputa política interna.

Ontem esqueci-me de referir, mas importa relembrar que Portugal dispõe de um prestigiado Presidente da Comissão que, no meio de isto tudo, não toca na chincha.

23 novembro 2005

OH LA LA ou UM POST CHIC (1ª parte)

Há quem considere os franceses gourmands; se o são, então não são honestos; sendo honestos, então não são gourmands. Há um teste simples que se pode fazer à frente de um açucareiro: quem tem açúcar de cana não adoça com qualquer outra coisa, a não ser se estiver a fazer alguma dieta. Ora o que se vê mais por França são aqueles cubinhos daquele produto que se extrai da beterraba. Nos sítios mais selectos até aparece ao café em competição com o açúcar amarelo e com o açúcar refinado. Pode ser raffiné; mas não é gourmand.
Para esclarecimento, só na época napoleónica é que se começou a dar grande divulgação àquela coisa de beterraba. O bloqueio continental imposto por Napoleão teve o efeito colateral de estancar o comércio de açúcar vindo das colónias, dominado pelos britânicos. Como sucedâneo ao açúcar, procurou-se apurar as estirpes de beterraba que contivessem maior teor açucarado para, por refinação, produzir algo de semelhante. E o resultado moderno são aqueles cubinhos que nos dão logo o gosto de estarmos no estrangeiro quando tomamos o café com leite da manhã.

Regressando à dúvida inicial, se os franceses são apreciadores mas desonestos ou, sendo honestos, a maioria faz-se mas é passar por apreciadora, quero dizer que qualquer das duas hipóteses é defensável.

No primeiro caso, aquele que questiona a sua honestidade, confesso que tenho uma certa dificuldade em validar uma classificação em que um arrondissement de Paris pode ter mais restaurantes classificados com três estrelas no guia Michelin dos que aqueles que assim são classificados em toda a Península Ibérica. Que diabo, o savoir faire não se esgota todo dentro do hexágono.

Mas, por outro lado, qualquer francês médio, quando confrontado com uma prova cega de um Serra genuíno ou de um Barca Velha, o melhor que lhe podemos arrancar é um “c´est pas mal” que, bidimensional, pode servir para apoiar o comentário de quem está a seguir, seja ele positivo ou negativo. Ou seja, suponho ser o melhor compromisso possível entre a honestidade de reconhecer que não se percebe nada do assunto e a pressão social que o impede de fazer esse reconhecimento.

E há que reconhecer que, independentemente donde estiver a verdade, a coisa funciona: a água-pé francesa tem um nome requintado – Beaujolais nouveau – e os japoneses parecem adorá-la.

(continua)

UM DESAFIO A AÉCIO

O que me parece que está em jogo, na disputa entre britânicos e franceses no seio da União, a propósito da aprovação do orçamento comum, tem consequências assimétricas para os dois grandes pólos da disputa. Assim, enquanto o montante da redução no cheque que os ingleses estejam dispostos a aceitar terá sobretudo consequências financeiras para o Reino Unido, a redução dos apoios da PAC que venha a ser aceite pelo lado francês terá, na França, consequências económicas e, por arrastamento, sociais.

Sem o embrulho de algodão da PAC, o sector primário da economia francesa arrisca-se a reduzir-se à expressão mínima, num país onde a excelência da sua produção alimentar é quase emblemática da sua identidade nacional – ao contrário dos anglo-saxónicos, que conseguiram reduzir o sofisticadíssimo acto de comer a uma contagem das calorias, hidratos de carbono e proteínas ingeridos por dia.

Será possível acreditar que, depois dos carros incendiados, haja algum político francês que seja capaz ou esteja disposto a enfrentar novas crises com os produtores de foie gras, de Beaujolais ou de Brie?

Os britânicos prevêem que não e, para se desculparem, de uma forma antecipada e surpreendente para a pátria da expressão fair play, arranjaram uma desculpa legalista, à francesa, para justificarem a sua inflexibilidade negocial que aborreceu sobremaneira o nosso ministro Freitas do Amaral.

É bom que ele se mostre aborrecido. Estas discussões no seio da União tem todo o ar de fim de festa, onde já todos se mostram saturados, e onde já não há distribuição de doces pelos meninos bem comportados – a Alemanha, entretanto, dá todo o aspecto de ir fechar o saco dos caramelos.

É bom que ele relembre junto dos nossos parceiros, de uma forma civilizada e diplomática bem entendido, que o nosso europeísmo varia na proporção directa do montante das ajudas comunitárias. Pode não ser muito correcto, muito menos idealista, mas o ambiente não anda propício ao faz de conta.

Ou como diria alguém, de uma forma mais rudimentar mas não menos acertada: que eles nos …………. ainda vai que não vai, agora que não conste para aí que a gente gosta.

22 novembro 2005

UM BIGODE PARA O TÓZÉ

Há descrições que, sendo mais importantes do que o personagem que é descrito, têm de o preceder para uma melhor compreensão do texto, como acontecia, por exemplo, com um texto do antigo livro da 3ª classe: De olhar vivo, focinho agudo, orelhas espetadas e cauda comprida, a raposa ladina… Também Nicolau Tolentino tinha um poema famoso: Chaves na mão, melena desgrenhada, batendo o pé no chão, a Mãe ordena…

Deve ser por causa da relevância que, às vezes, algumas pessoas atribuem à sua aparência em contraste com o resto da sua pessoa, que fica a parecer que elas se põem mesmo a jeito para serem apresentadas pela importância do que está à vista, tal qual a Mãe que procurava o famoso colchão fofo e de penas do tal poema de Tolentino.

De voz pausada, bem colocada, olhar triste e sobrancelhas em circunflexo, António José Seguro apresenta-se como uma das esperanças do PS. Há uma geração e meia, alguém que reunisse os seus predicados tinha assegurada uma excelente carreira na rádio, quiçá com incursões na televisão e no cinema – lembremo-nos de José Nuno Martins.

É sinal dos nossos novos tempos que já se tenha falado dele, a sério, para disputar a liderança do Partido. Ao menos, o bigode do José Nuno, quando o usava, era franco e farfalhudo, de forma a inspirar confiança...