20 dezembro 2005

DEMOCRACIA A SÉRIO

A fábrica da Auto Europa de Palmela tem sido responsável por uma nova abordagem às relações laborais em Portugal. Há dois anos, sob um governo de direita, os trabalhadores e os seus representantes aprovaram e subscreveram um acordo com as entidades patronais, ao arrepio de várias sugestões, umas mais visíveis, outras mais encobertas, que incentivavam ao fomento das justas lutas dos trabalhadores.

Passaram dois anos, o ambiente parece ser radicalmente diverso, o governo é de esquerda e há pouco espaço para lutas laborais, quando parece ter acontecido algo de precisamente oposto: os trabalhadores rejeitaram numa votação por maioria os acordos firmados pelos seus representantes, desautorizando-os e lançando uma onda de preocupação na comunicação social que me parece descabida. Em ambos os casos parece que os trabalhadores da Auto Europa decidiram ao contrário do que se estava à espera deles.

Que somos uma sociedade onde o respeitinho é muito bonito já sabíamos. Ainda ontem, o presidente do Vitória de Setúbal, ali mesmo ao lado de Palmela, deu uma conferência de imprensa onde nem se vislumbrou em qualquer momento que ele estaria a falar em representação dos milhares de associados do clube a que preside. Só que presidir a uma instituição não se pode confundir com possuí-la.

Que uma rejeição das decisões dos seus dirigentes por parte dos trabalhadores que representam provoque uma tal surpresa entre comentadores só pode acontecer por ser tão raro. E é significativo que tais episódios sejam raros em Portugal, a ponto de constituírem uma surpresa. Como também se tornam ridiculamente condescendentes as preocupações que se manifestam a propósito das consequências das decisões que foram tomadas por aqueles que serão precisamente os mais afectados por elas.

É a verdadeira democracia a funcionar. Que, às vezes, é imprevisível: retira a autoridade aos dirigentes regularmente mandatados e às cadeias de comando. Que um figurão como Chumbita Nunes, presidente do Vitória de Setúbal, deve detestar. Mas que, no fundo, no fundo, também não deve enternecer Carvalho da Silva ou João Proença.

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