22 fevereiro 2011

ALRAIGO, O PORTA-AVIÕES IMPROVÁVEL

O Alraigo (acima) era um cargueiro porta-contentores espanhol com 3.600 toneladas de deslocamento construído em 1977 num dos estaleiros da Cantábria. Numa época em que o transporte marítimo caminhava, por causa da redução de custos, para o gigantismo dos navios, unidades mais pequenas como o Alraigo sobreviviam operando em nichos de mercado, fosse ele o transporte (discreto) de armamento para países não recomendáveis (eram os casos, à época, da África do Sul e da Nicarágua) ou então realizando fretes de médio curso entre países ribeirinhos do Mediterrâneo ou entre a Espanha continental e o arquipélago das Canárias.
É precisamente a realizar um destes últimos fretes que vamos encontrar o Alraigo a 6 de Junho de 1983, ao largo da costa portuguesa, vindo do Norte de Espanha em direcção a Sul, tendo como destino Tenerife nas Canárias. Simultaneamente e nas mesmas águas (portuguesas), estava a realizar-se um Exercício da NATO, envolvendo forças navais de vários países membros da organização. Entre as unidades navais mais importantes a participar no Exercício contava-se o porta-aviões britânico HMS Illustrious. O poder aeronaval britânico tinha acabado de sair muito prestigiado após a sua vitória na Guerra das Malvinas, que se travara um ano antes.
E os caças Harrier de descolagem curta ou vertical (V/STOL) haviam-se tornado na imagem mediática (acima) desse prestígio. A nossa história começa quando uma dupla desses aparelhos descolou do Illustrious para uma patrulha do Exercício em busca do inimigo, a sério, com o rádio e o radar desligados. O elemento júnior da dupla era o Alferes Ian Watson de 25 anos que ainda não acabara o seu período de formação em Harrier. Chegados à zona de busca a dupla separou-se. Ao regressar ao local de reencontro Watson não encontrou nem líder nem navio. Segundo o seu depoimento posterior, nem rádio, radar ou sistemas de navegação funcionavam.
Com o combustível a diminuir e sabendo-se junto à costa portuguesa, região de tráfego marítimo significativo, Watson dirigiu-se para lá para, na eventualidade do combustível não chegar para atingir a costa portuguesa, se poder ejectar junto a um navio mercante que pudesse assinalar a sua localização. A 12 milhas da costa e com alguns minutos de voo ainda disponíveis encontrou o Alraigo mas o seu rádio continuava sem funcionar. Ao ver o navio coberto de contentores, dispostos naquilo que podia passar por uma plataforma precária, Watson decidiu arriscar e, depois de assinalar a sua presença ao navio, aterrou o Harrier em cima dos contentores!
Alguma aselhice se combinou com tanta perícia e o Harrier (avaliado em vários milhões) desabou em cima de uma carrinha de distribuição (avaliada nuns milhares) encomendada por uma florista de Tenerife, amachucando-a. Implacavelmente, que a popularidade da Royal Navy nunca foi muito alta em Espanha, o capitão e o armador do Alraigo recusaram-se a modificar a sua rota por causa daquele incidente. Se os britânicos os quisessem então que fossem buscar o piloto e o avião a Tenerife dali por quatro dias! E assim foi, tendo as autoridades britânicas sido ainda obrigadas a compensá-los em 570 mil libras por danos e incómodos…

Os britânicos só tiveram de esperar 4 meses para se desforrar: em Outubro desse mesmo ano, a pretexto de uma dívida de 2.500 dólares que ficara por pagar em terra, o barco ficou apresado uma semana em Londres… Quanto a Ian Watson, continuou a sua carreira militar onde acumulou mais 2.000 horas de voo em Harrier antes de ser promovido para o F/A-18 Hornet, onde realizou outras 900 horas adicionais antes de passar à reserva em 1996. O relatório do incidente, tornado público em 2007, atribui a responsabilidade do mesmo à inexperiência de Watson, a quem o nomeou para aquela missão e a deficiências no equipamento.

1 comentário:

  1. Temos que aceitar que foi um acto de desespero apontar a um cargueiro, equipado com um mastro-grua daquele tamanho, mesmo no meio da "pista"!!!

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