23 setembro 2009

PORQUE SIM!

Quando eu tinha para aí uns quatro anos tive uma fase em que andei embevecido com a expressão Porque sim! porque, estava eu convencido, não só dava para que eu conseguisse explicar tudo a toda a gente como, ainda por cima, a explicação era de uma tal qualidade que parecia que eu ficava sempre com toda a razão. O meu pai acabou cerce com tal fase, respondendo rispidamente a mais um Porque sim! dos meus com um Porque sim! dos dele: – Porque sim! – disse-me – não é explicação nenhuma!...
Como a têm sempre aos quatro anos, o meu pai tinha razão no fundo, ainda que menos na forma. O que ele ali me tinha acabado de ensinar, e que eu só muito depois vim a aprender, é que não se pode empregar a expressão Porque sim! a seco, embora a ideia que ela transmite pudesse ser empregue, desde que fosse devidamente refraseada. Mas, talvez por causa destes traumas de infância, não o costumo fazer e, mais que isso, sou muito sensível à sua utilização mesmo que camuflada, causa próxima, aliás, da inserção deste poste.
E essa causa começa na obra póstuma de um escritor chileno chamado Roberto Bolaño (acima) que se intitula 2666 (mais acima) e à volta da qual parece soprar uma espécie de vento de magistralidade, cuja sustentação, nos sítios da internet por onde procurei, me parece bastante difusa... De um quase anónimo entre nós há um punhado de semanas atrás, transitamos agora para a fase da contagem decrescente do lançamento de uma obra prima, o acontecimento literário da década – cá está! – porque sim!
Claro que, para que o Porque sim! funcione em pleno, tem que haver uns comparsas que também Achem que sim!, para que os papalvos que, naturalmente, não acham nada a respeito de uma obra de um escritor que era praticamente desconhecido, se sintam em falta por serem ignorantes… Parecendo que não, a conjugação de todas estas manobras e ainda mais uns pormenores como a criação de um blogue dedicado especificamente ao lançamento, pertencem ao âmbito do marketing puro, o que me faz lembrar outras minhas encarnações…
A lembrarem-me ocasiões e locais (acima) onde também havia coisas parecidas com margaritas, «acepipes mexicanos», shots de chili com carne e música, altura para se afirmar arrojadamente – Porque sim! – que o Peugeot 406 iria ser um sucesso comercial garantido e um carro destinado a marcar automobilisticamente a próxima década… Neste nosso caso também, o que Francisco José Viegas pretende é vender mais uns livritos, mas há um tal pedantismo e snobeira associados à manobra, que a nossa tolerância desaparece… e o autor, às vezes, não merece.

Adenda de dia 26 de Setembro: …e o prémio do Porque Sim! mais requintadamente ridículo parece-me ir para um pretenso manifesto contra a bovinidade. É que há tomar em conta que a condição de boi de manada não se perde apenas pela sugestão de que o pasto onde se come a erva possa ser muito exclusivo...

3 comentários:

  1. Não é que seja propriamente um desconhecido. E é um autor do qual tenho boas referências embora não seja de leitura muito simples. Li apenas um livro dele que achei muito bem escrito. http://www.donagataempontodecruz.com/2008/12/os-detectives-selvagens-roberto-bolao.html
    Contudo, estou um pouco como tu. Gosto pouco destes fenómenos súbitos de popularidade, bem como destas técnicas absurdas de markting. E sabes que mais? Também porque sim...

    ResponderEliminar
  2. Eu sei que não será o teu caso, porque uma mulher do Norte como tu nunca se inibe de escrever o que pensa, mas olha que o emprego da expressão que-não-é-de-leitura-simples funciona por vezes como código de grande-pessegada-eu-é-que-não-tenho-coragem-de-o-afirmar-por-causa-da-reputação-do-escritor...

    Por exemplo, era esse o meu veredicto oficial a respeito do Paralelo 42 de John dos Passos…
    Hoje, já me tornei um pouco mais desbocado e já confesso que o livro é intragável...

    Pela tua recensão conclui-se que será precisa muita concentração e, para uma obra que tem 1100 páginas na sua edição em castelhano, isso quer dizer MUITA concentração na OBRA PRIMA...

    ResponderEliminar
  3. Bibam as mulhéres do nuorte...
    :))))

    ResponderEliminar