07 setembro 2009

CONTRADIÇÕES

O Mundo está cheio de contradições e paradoxos. Mais do que isso, estou convencido que as contradições fazem até parte da ordem natural das coisas. São os homens que, quando lhes convém, se encarregam de as fazer desaparecer, simplificando o que é naturalmente complexo. Como decerto saberá quem costume seguir este blogue, eu adoro escrever sobre as contradições e os paradoxos que vou encontrando. E uma das minhas contradições favoritas da História moderna será o percurso durante a Segunda Guerra Mundial de Georg Konrad Morgen (1909-1982), que foi um Juiz com a patente de Obersturmbannführer(*) nas SS e que, além disso, era o encarregado dentro daquela organização pelas investigações sobre as queixas quanto às condutas dos comandantes dos campos de extermínio.
Nessas funções, Konrad Morgen revelou-se um daqueles funcionários alemães perfeitos, zelosos e metódicos, um magistrado cioso da legalidade, mesmo quando tendo de trabalhar no universo surrealista dos responsáveis pelos campos encarregados da execução da Solução Final. E, de forma surpreendente, conseguiu alguns resultados concretos, como as execuções de dois comandantes do campo de Majdanek, Karl Koch (1897-1945) e Hermann Florstedt (1895-1945). Outros responsáveis foram condenados a outras penas menos extremas: ou a períodos de prisão ou à transferência para unidades disciplinares combatentes das Waffen SS(**). Outros ainda, como Alexander Piorkowski (1904-1948), comandante de Dachau, vieram a ser acusados demasiado tarde para serem condenados pelos tribunais nazis.
Konrad Morgen (de que encontrei apenas a fotografia mais acima, quando foi entrevistado em 1972 para a série televisiva World at War (aos 12:30), de que já aqui falei) tornou-se assim uma espécie de um Joker fora do baralho daquilo que julgaríamos saber sobre as verdades da Segunda Guerra Mundial. Analisando a actividade de Morgen, descobrimos que durante a Guerra as SS chegaram a condenar alguns dos seus membros superiores(***) por embriaguez, por conduta libertina, por corrupção, por enriquecimento ilegal e, calcule-se, até por maus tratos e mesmo pelo homicídio (!!!) de prisioneiros. Mas, pergunto-me, se não será também a coexistência de toda aquela desumanidade com uma ordem jurídica em aparente funcionamento, (descomunal contradição) um dos maiores paradoxos de toda o Holocausto?...
(*) Equivalente à de Tenente-Coronel.
(**) Ramo militar das SS.
(***) Os comandantes dos campos de concentração possuíam normalmente a patente SS de Standartenführer (Coronel) e historicamente, são raríssimos os casos de condenação (e muito menos de execução...) de oficiais dessa patente (ou superior...), a não ser por razões de alta traição.

2 comentários:

  1. Há quem utilize em Filosofia o exemplo da circunferência para mostrar o que é um paradoxo, visto que sendo ela uma figura geométrica com um número infinito de lados, é ao mesmo tempo a figura que não tem lado algum. Eu fico caladinho, mas cá por dentro penso que a circunferência tem um único lado (como o sectarismo, por exemplo).

    Mais uma vez deveria ficar envergonhadamente calado, talvez, mas dá-me para perguntar ao António Teixeira se vê alguma incompatibilidade entre uma ordem “em aparente funcionamento” e a desumanidade do holocausto, ou se há aí uma ironia que eu não entendo. Já compreenderia que quisesse relevar a incompatibilidade entre justiça (moral) e Justiça (jurídica). Ou será que eu fazia melhor em ficar calado mais uma vez?

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  2. Para lhe responder à pergunta essencial, posso dizer-lhe que, apenas de forma abstracta é que não verei alguma incompatibilidade entre uma ordem “em aparente funcionamento” e a desumanidade do holocausto. No aspecto da funcionalidade do aparelho jurídico serei tanto herdeiro de Aécio quanto de Marx e, neste aspecto específico, suponho até que o dissidente e fraccionista em relação ao marxismo teórico não serei eu mas o camarada Estaline, mais a sua “Yezhovshchina”. Claro que a teoria é uma “treta” e depois há a prática e as “toneladas de literatura” a evitar condenar as práticas judiciais da URSS de Estaline…

    Mas o que aqui quis pôr em causa é um aspecto completamente diferente. Observando a propaganda, e aí o António Marques Pinto não se engana a considerar que existe um sentido irónico por detrás daquilo que escrevi, costuma ser omitido que tenha havido comandantes de campos de concentração que haviam sido condenados e executados legalmente pelo crime de homicídio de prisioneiros. Ou seja, e tomando em conta a historiografia oficial, se os nazis são todos maus, confundirá as pessoas saber que houve maus que executaram outros maus por eles serem ainda piores que maus… Por isso, é um facto que é melhor ser omitido…

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