Poucos serão os portugueses que saberão que a palavra comprador (ou compradore, plural compradores) também faz parte da língua inglesa. A migração da palavra de uma língua para a outra teve lugar na China. Quando os portugueses lá chegaram no Século XVI depararam-se com a complexa burocracia alfandegária chinesa da China dos Ming. Convictos da sua superioridade cultural, desejosos de negociar mas sem capacidade militar para imporem a sua vontade, os portugueses tiveram de contornar o problema delegando essas tarefas – que implicavam saber falar cantonês, saber ler e escrever mandarim, além de contactos com comerciantes do interior – em locais que fossem da sua confiança... o que implicava que também falassem português. Eram os compradores.
O sistema assim montando, eliminando os contactos directos entre as pessoas de condição dos dois lados, convinha às duas partes. Não fora um embaixador português que cometera a gaffe monumental de dizer que o Imperador da China era um primo do seu Rei(*)?... Quando os ingleses chegaram à China no Século XVII tiveram que aderir ao sistema que já fora montado (**). A palavra comprador entrou na língua inglesa e, com o tempo, começou a ganhar um conteúdo mais preciso, à medida que os ingleses iam ganhando ascendente no comércio entre a China e a Europa. Cada vez havia mais compradores de origem eurasiática, filhos de ligações entre europeus e asiáticas. A palavra adquiriu um significado tanto profissional (como sinónimo de despachante) quanto sociológico.
Com a expansão e auge do Império Britânico no Século XIX e primeira metade do Século XX, apesar dos compradores terem finalmente deixado de ser necessários depois da vitória britânica nas duas Guerras do Ópio (1839-1842 e 1856-1860), a palavra veio a ganhar uma aplicação muito mais vasta, servindo não apenas para designar uma das classes sociais mais importantes de Hong-Kong, como também para designar a classe de negociantes fortemente influenciada pelos costumes ocidentais que existia em inúmeras cidades comerciais do Império: em Singapura, em Bombaim ou em Áden. No ocaso do Império, por altura das lutas associadas às descolonizações, a burguesia comprador era sempre considerada suspeitamente pró-britânica por todos os nacionalistas…
(*) - Segundo a etiqueta europeia, era um gesto de cortesia evocar um tal parentesco (mesmo se não existisse). Segundo a etiqueta chinesa, era um insulto grave, pois o monarca chinês era o mais poderoso do Mundo, suserano de qualquer outro monarca.
Com a expansão e auge do Império Britânico no Século XIX e primeira metade do Século XX, apesar dos compradores terem finalmente deixado de ser necessários depois da vitória britânica nas duas Guerras do Ópio (1839-1842 e 1856-1860), a palavra veio a ganhar uma aplicação muito mais vasta, servindo não apenas para designar uma das classes sociais mais importantes de Hong-Kong, como também para designar a classe de negociantes fortemente influenciada pelos costumes ocidentais que existia em inúmeras cidades comerciais do Império: em Singapura, em Bombaim ou em Áden. No ocaso do Império, por altura das lutas associadas às descolonizações, a burguesia comprador era sempre considerada suspeitamente pró-britânica por todos os nacionalistas…
(*) - Segundo a etiqueta europeia, era um gesto de cortesia evocar um tal parentesco (mesmo se não existisse). Segundo a etiqueta chinesa, era um insulto grave, pois o monarca chinês era o mais poderoso do Mundo, suserano de qualquer outro monarca.
(**) - Nesse caso, os compradores que operavam por conta dos comerciantes de outras nacionalidades (ingleses, holandeses, espanhóis) obviamente comunicavam-se com elas nos seus respectivos idiomas.
NOTA: A fotografia é de Stanley Ho, descendente do comprador Robert Ho Tung, cuja campa - com caracteres tanto latinos como chineses - vemos na fotografia inicial.
Gostei muito deste post. Ora aqui está uma daquelas informações curiosas que ninguém sabe e que tu vais buscar não sei onde. E que, não se revestindo de uma importância fabulosa, tem, por outro lado o interesse da curiosidade.
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