18 março 2009

UMA HISTÓRIA SAUDOSISTA SOBRE A ABERTURA DE LATAS DE CONSERVA E AS IMPLICAÇÕES DISSO PARA A ANÁLISE POLÍTICA

Esta é uma história saudosista, quase reaccionária, sobre as técnicas de abertura das latas de conserva. Há quem me leia que se lembra como as tradicionais latas de conserva se apresentavam normalmente acompanhadas da respectiva chave para as abrir. Não havia falsas promessas. Nada de garantias que a abertura seria fácil. Na verdade, na maioria das vezes tínhamos que batalhar com todas as nossas forças para que a folha-de-flandres se enrolasse numa extensão razoável que possibilitasse o acesso às sardinhas. Só profissionais conseguiam performances tão asseadas como a da fotografia acima…

Os tempos estão muito mudados… Os produtores anunciam agora que pretendem facilitar a vida aos consumidores e anunciam que as latas têm uma Abertura Fácil… E quem é que não acreditou nisso e ficou já com uma daquelas argolas solta no dedo, perguntando-se o que fará a seguir para abrir o raio da lata? E é aí que ficamos decepcionados e a querer mandar aqueles gajos todos à merda, não por não nos facilitarem o acesso ao conteúdo de uma mísera lata de conservas, que foi coisa a que nunca tínhamos estado habituados, mas por nos terem prometido uma abertura fácil, coisa que não conseguem cumprir…
Suponho que se passa uma coisa semelhante com os políticos. Há os normais, de rotina, o equivalente aos de abertura de chave de antigamente, com muito paleio, promessas, mas não para se levarem seriamente a sério. E depois há os outros que querem passar por serem moralmente diferentes (superiores) dos demais… Tinha sido o caso dos membros do PRD eanista e é o caso mais recente dos do Bloco de Esquerda e, sobretudo, do seu líder Francisco Louçã que, talvez não por culpa dele, costuma assumir aquele seu estilo discursivo em que se tem dificuldade em separar o místico do político…

Ora, quanto à moral de Francisco Louçã, a sua argola da abertura fácil ficou-me na mão logo em 1991, ainda ele dirigia o Partido Socialista Revolucionário (trotskista), por ocasião das eleições legislativas desse ano. Deu-se o caso dos habitantes de uma localidade de Sintra (Dona Maria), cerca de 1.200 eleitores (*), terem boicotado o acto eleitoral por causa de promessas não cumpridas de autarcas em eleições anteriores. Deu-se também o caso de Francisco Louçã ter sido o primeiro candidato a ficar fora do Parlamento e que isso podia ser alterado se aqueles constestatários votassem maciçamente nele.
A oportunidade colocar-se-ia por ocasião da repetição obrigatória do acto eleitoral na freguesia, uma semana depois. Os habitantes haviam explicado as suas razões, que se mantinham. Mandava a prudência e o bom senso – para ser eleito, ele precisaria de mais de 1/6 daqueles votos… ­– já para não falar do respeito pelas atitudes contestatárias alheias, que Francisco Louçã se limitasse a respeitar a decisão do boicote. Mas não. No momento decisivo e perante o que estava em jogo, a moralidade foi mandada às urtigas, pondo-se a prometer tudo o que não estava em condições de satisfazer. A bem da Moralidade, o boicote manteve-se…

Por muito cuidada que seja a publicidade, aquela coisa da abertura fácil é uma treta e aqueloutra da esquerda plural que faz toda a diferença é outra…

(*) – Com os meus agradecimentos a um leitor/colega particularmente atento e de boa memória.

2 comentários:

  1. Posso estar enganado, e para o caso é irrelevante, mas julgo que o número de eleitores de Dona Maria eram mil e duzentos, e não apenas duzentos, tanto que permitiu a eleição de mais 3 deputados - dois PSD e um PS.

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  2. Se me diz isso, João Pedro, é muito bem capaz de ter razão.

    Será que a memória me pregou uma partida e os 200 seriam os votos necessários para que Louçã fosse eleito? - o que era outro disparate irrealizável, o de esperar que 1/6 de todo o eleitorado votasse no PSR!

    Por precaução vou rectificar o poste com base neste outro cenário que me parece bem mais plausível...

    ...e obrigado!

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