02 março 2009

PEQUENO POSTE SOBRE PROBLEMAS FISIOLÓGICOS QUANDO SE VIAJA DE AVIÃO

Há coisa de uns dois anos, numa daquelas notícias discretas de rodapé dos jornais, contou-se a história de um avião comercial que, num voo doméstico dentro dos Estados Unidos, fora forçado a fazer uma aterragem de emergência, porque os passageiros começaram a queixar-se de um cheiro a queimado que a tripulação não conseguia identificar a origem. Já no solo e feita uma inspecção, descobriu-se que uma passageira estivera a queimar fósforos para, e aqui começa a parte cómica da história e o uso de variadíssimos eufemismos para a contar, neutralizar o cheiro de alguns gases naturais que estivera a emitir durante a viagem, provocados por umas cólicas intestinais de que fora acometida…
Parte do efeito cómico perde-se quando se sabe que esta confissão foi obtida durante um interrogatório feito por agentes do FBI... O avião retomou viagem, embora sem a senhora em questão, o que só demonstra bom senso. Devido às vicissitudes, devia ter-se criado um mau ambiente à sua volta, e estou-me agora a referir à componente sociológica e não fisiológica da questão. Aliás, nem quero imaginar as consequências para a integridade física da senhora se ela, enervada, se tivesse tornado a descuidar durante o resto da viagem… Mas o maior paradoxo desta história é que ela foi criada por causa de um equívoco – a crença que os fósforos queimariam o mau cheiro da bufa*.


Há o conhecimento popular, como se pode observar no vídeo acima, que as bufas se incendeiam. Mas, como se pode ler nas explicações da Wikipédia, aquilo que arde quando expelido são gases como o metano (CH4) ou o hidrogénio (H2), ambos gases inodoros, enquanto que o que lhes confere o mau cheiro característico são compostos não inflamáveis contendo enxofre, como é o caso do famoso gás sulfídrico (H2S), o gás das bombinhas de mau cheiro. A impressão que o processo de queima resulta é falsa e causada pelo forte odor dos fósforos queimados e não por causa de alguma transformação química que eles tivessem provocado nos componentes malcheirosos das emissões…
Estavam filosoficamente os passageiros de avião postos perante estes dilemas se, quando incomodados, valia a pena irem ao WC, que fica normalmente longe, lá para as traseiras do avião, como que contribuindo para a propulsão mais rápida do aparelho onde viajam, e eis que a Ryanair (acima), uma das maiores companhias de aviação low-cost, anuncia a eventualidade de poder passar a cobrar idas à casa de banho dos passageiros. Esta medida, se implementada, parece ser a negação daqueles serviços que, entre nós, sempre considerámos como intrinsecamente gratuitos num estabelecimento comercial de que sejamos clientes: beber um copo de água e o uso das instalações sanitárias…

Quando questionado sobre a eventualidade de alguém viajar sem ter dinheiro no bolso, o executivo da Ryanair respondeu desdenhosamente que não acreditava que alguém não viajasse com, pelo menos, uma libra no bolso. Só que esta rusticidade de tratamento também pode atrair a rusticidade da clientela e nós sabemos, pelos exemplares que vemos no Algarve, quanto ela pode ser rústica... Entre nós, não foi assim há tanto tempo que, naquelas Festas de Verão da aldeia (acima), no Alentejo profundo por exemplo, o presidente da comissão organizadora tinha que vir apelar previamente para que não houvesse mijanceiras às portas… A Ryanair parece estar a pedir que elas recomecem…

* Vou usar a nomenclatura oficiosa portuguesa, que distingue o traque (que é sonoro) da bufa (que é silenciosa, mas costuma ser quimicamente muito mais agressiva). O termo erudito flato e o popular peido não fazem essa distinção e ela é importantíssima do ponto de vista social: o autor do traque é imediatamente identificado pelos presentes, o da bufa não… Os esforços da senhora para abafar o cheiro só fazem sentido se ela estivesse a largar bufas…

6 comentários:

  1. Quem vai ao ar avia-se em terra se, por exemplo, não embarcar na Suécia, onde faz sempre falta uma moeda de cinco coroas ou então uma garrafa de plástico na mochila, porque, por lá e muito bem, as àrvores são para os canídeos que não têm trocado.

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  2. Ora aqui está um post com substrato.
    Nada de políticos (que também podiam ir queimando uns fósforos de tão mal que já cheiram), nem de batalhas complicadas ou de divisões geoestratégicas mais ou menos intrincadas. Não senhor. Necessidades fisiológicas. Mais propriamente inevitabilidades fisiológicas que, quer queiramos quer não, tocam a todos.

    Gostei especialmente das tuas explicações em relação à terminologia utilizada.

    Sempre a fervilhar essa imaginação...

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  3. Li este post no dia em que o colocou. Pela hora de almoço, se bem me recordo. Acontece que, ainda nesse dia, apanhei o avião por volta das 10 da noite, para o Funchal! Tudo bem! Ia entretida com as minhas leituras, nada de especial. Nada? Pois deixe chegar a hora de começarem a servir aquelas sanduíches acabadas de tirar de um frigorífico qualquer mais o queque meio ressequido seguido do inevitável chá ou café e, desperta para o facto de ir no avião lembrei-me do post. Comecei a rir-me. Tentei evitar o riso (parecia despropositado naturalmente). Quanto mais reprimia a vontade de rir mais me apetecia rir. E as lágrimas já me corriam cara abaixo e já tossia e ... olhe não lhe perdoo este post tão bem escrito como engraçado logo no dia em que eu tive de fazer uma viagem de avião...
    :)))

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  4. E a caixinha de fósforos, Maria do Sol? Chegou a levá-la? Ou comprou uma na Madeira, para a vinda?

    :)

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  5. Voltei para mais uma confissão ... rsrsrs
    Sabe que eu imaginei que, a existir, a sua resposta/comentário ia ser tal como foi?

    :))

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