18 dezembro 2016

...SOBRE AS TEORIAS DA GESTÃO

Tradução do artigo da revista The Economist de 17 de Dezembro de 2016
No próximo ano assinalar-se-á o 500º aniversário de um acontecimento que, mais do que qualquer outro, terá dado origem ao mundo moderno: quando Martinho Lutero elaborou as suas 95 teses e com elas questionou a Igreja Católica sobre os seus erros teológicos e os seus pecados institucionais. O revisionismo de alguns historiadores quis complicar inevitavelmente a história dos acontecimentos (até mesmo o pormenor de saber se ele havia realmente pregado as sua teses à porta da igreja de Todos-os-Santos de Wittenberg), mas o essencial do que aconteceu é claríssimo. A Igreja estava madura para se transformar. Afundara-se em corrupção e divorciara-se do que estava a acontecer em paralelo na sociedade de então. E, ao desencadear tal processo de mudança, Lutero trouxe à Fé Cristã, e até ao próprio Catolicismo Romano, um novo ciclo de vida.
 
As semelhanças entre o Cristianismo medieval e o mundo das teorias de Gestão podem não parecer óbvias, mas procurem-se que se hão-de achar. Os teóricos da Gestão santificam o capitalismo à semelhança que os clérigos de outrora santificavam o feudalismo. As Business Schools são as modernas catedrais do capitalismo. Os consultores são os seus frades evangelizadores. Assim como o clero medieval se exprimia em Latim para dar às suas palavras uma aparência de autoridade, os teóricos da Gestão da actualidade usam um linguajar repleto de bullshitismo sem significado. A venda medieval de indulgências pelo clero, através das quais os crentes podiam adquirir efectivamente o perdão dos seus pecados, é reproduzido na actualidade pelos teóricos da Gestão que impingem modas de duração efémera que se propõem resolver todos os problemas de gestão com que se confrontam as empresas. Ultimamente, evidenciou-se mais uma semelhança: é que os gurus perderam contacto com o mundo sobre o qual procuram explicar. As teorias de Gestão parecem prontas para a sua Reforma.

As teorias de Gestão estruturam-se à volta de quatro ideias básicas, que são repetidas ad nauseam em qualquer livro a respeito que se leia ou em qualquer conferência a que se assista, mas que não têm quase nenhuma correspondência com a realidade. A primeira ideia é que a competição é maior que nunca. Folheie-se títulos populares como The End of Competitive Advantage (Rita Gunther McGrath) ou The Attacker’s Advantage (Ram Charam) e fica-se com a impressão de um mundo hiper-competitivo em que os gigantes instalados estão permanentemente a ser desafiados e derrubados por forças hostis.
 
Uma vista de olhos pelos números (ou mesmo uma análise ao cada vez mais oligopolístico mercado das companhias de aviação norte-americanas) deverá ser suficiente para mostrar quanto isso não passa de ficção. A estratégia empresarial prevalecente é a da consolidação, nunca a da competição. Nos Estados Unidos, os anos que se têm sucedido a 2008 têm assistido a uma emergência como nunca antes de fusões e aquisições, com uma média de 30.000 negócios desses por ano a valerem 3% do PIB. A consolidação tem sido particularmente prevalecente na América, como se pode ler no relatório de 2016 do Council of Economic Advisers, onde se demonstra como as empresas engajadas nesse processo de consolidação têm registado lucros sem precedentes. As tecnológicas situam-se em lugar cimeiro na lista das actividades em processo de concentração. Na década de 1990 Silicon Valley era um território de startups. Agora é um feudo de um punhado de colossos.
 
Uma segunda (e também relacionada) dessas ideias moribundas é que vivemos numa era de empreendedorismo. Há muito que gurus como Peter Drucker e Tom Peters vêm pregando as virtudes de se ser empreendedor. E houve governos que tentaram encorajar isso como uma contrapartida do declínio previsível das grandes corporações. Os factos mostram-nos uma outra história. Na América, o ritmo da criação de novos negócios tem vindo a declinar desde os finais da década de 1970. Em alguns destes últimos anos, houve mais empresas que desapareceram do que aquelas que foram criadas. Na Europa, as que crescem exponencialmente são muito raras e muitas das startups permanecem pequenas, em parte porque os sistemas fiscais as começam a punir quando elas assumem mais do que uma certa dimensão, mas também porque os empreendedores privilegiam os equilíbrios das suas vidas pessoais em detrimento do crescimento do negócio. Um número substancial de pessoas que acreditaram no culto do empreendedorismo acabaram por fracassar e estão remetidos a uma existência marginal com poucas seguranças quando à sua velhice.

A terceira ideia dominante dos teóricos é que os ritmos da economia têm vindo a acelerar-se. Há alguma verdade nisso. As firmas da internet podem agora fidelizar centenas de milhões de clientes num punhado de anos. Mas o fenómeno, quando observado num certo enquadramento, pode perder uma boa parte do significado aparente: bem mais de metade das famílias americanas passaram a ter automóvel apenas duas décadas depois de Henry Ford ter instalado a primeira cadeia de montagem na sua fábrica, em 1913. E, em muitos outros aspectos, a economia tem vindo até a desacelerar-se. As empresas perdem frequentemente meses e mesmo anos a validar as suas decisões pelos seus vários departamentos (jurídico, auditoria, compliance, privacidade, etc.) ou a lidar com as (sempre em expansão) burocracias governamentais (como a do ambiente). A internet tira com uma mão aquilo que dá com a outra. Agora que se tornou tão mais fácil adquirir informação e contactar o exterior (os fornecedores e os clientes), as organizações tornam-se paradoxalmente mais hesitantes na acção.

A quarta noção errada é que a globalização é, simultaneamente, inevitável e irreversível – o produto de forças tecnológicas que meras decisões humanas não conseguem reverter. É o que tem sido repetido num encadeado de bestsellers – caso notável de Thomas Friedman com o seu The World is Flat de 2005 – e amplificado pela própria publicidade corporativa como a campanha do HSBC The World’s Local Bank. Mas basta olhar para a História para se perceber o disparate que tudo isso constitui. No período de 1880-1914 o mundo estava de muitas formas tão globalizado quanto hoje; e mesmo assim veio a tornar-se vítima da guerra e da autarcia. Actualmente, a globalização está a dar cada vez mais sinais de se poder reverter. Donald Trump preconiza um nacionalismo musculado e ameaça a China com tarifas aduaneiras. O Reino Unido votou pelo abandono da União Europeia. As multinacionais mais precavidas estão a preparar-se para um futuro crescentemente dominado pelos nacionalismos.

A reversão contra a globalização indicia uma nítida fraqueza subjacente às teorias de Gestão: a sua ingenuidade Política. Estas modernas ortodoxias da Gestão foram criadas desde 1980 até 2008, quando o liberalismo esteve em ascensão e os políticos moderados do centrão estiveram dispostos a aderir a regras globais. Contudo, o mundo actual é muito diferente. O crescimento da produtividade no Ocidente é deprimente, as empresas fundem-se a um ritmo impressionante, o empreendedorismo perdeu a sua dinâmica, o populismo está em alta, e as velhas regras dos negócios estão a ser desmontadas. Os teóricos da Gestão precisam de examinar a sua doutrina com a mesma iconoclastia atenta com que Lutero examinou a sua no século XVI. Senão arriscam-se a ser denunciados como tantos outros vendedores de banha da cobra.

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