03 dezembro 2016

A VERDADEIRA OPINIÃO POPULAR (2) - «Pertence a alguma Comissão de Moradores?»

Dois anos e meio depois do inquérito anterior, foi em Lisboa que o jornalista do Diário de Lisboa foi para a rua perguntar às pessoas se «pertenciam a alguma Comissão de Moradores?» Muita coisa mudara nesses dois anos e meio, nomeadamente em consequência do 25 de Abril de 1974. Mudara a atitude do entrevistador e também mudara o que havia a esperar dos entrevistados. Estava-se em pleno Verão Quente (trata-se da edição de 28 de Agosto de 1975). E o próprio texto introdutório ao inquérito deixará transparecer esse ambiente engajado de PREC:

Forma de organização popular destinada a resolver, a nível de bairro ou de rua, alguns problemas fundamentais dos habitantes, as «comissões de moradores» terão um papel insubstituível a desempenhar na fase de transição para o socialismo. O processo já está em marcha e contam-se à centenas as comissões já existentes. E o leitor? Pertence a alguma comissão de moradores? Já existe alguma na zona onde mora? O breve rastreio a que procedemos mostra-nos que ainda há quem desconheça esta forma de organização popular...

Manuel José da Silva, vendedor de jornais, 31 anos:
Não faço parte. Lá no meu bairro há uma comissão de moradores, da Rua de São Paulo. Penso que seja perfeita por causa de uma coisa: Hoje há muita falta de moradias e nestes bairros ainda se conseguem encontrar algumas. Fora de Lisboa saem caríssimas, porque ainda temos de pagar transportes e outras coisas mais.
Participou na eleição da comissão de moradores?
No dia em que chamaram, que remédio, porque eu necessito também de uma morada, porque eu estou num quarto, a pagar 900 escudos.
João Cidade Rebelo, ajudante de motorista, 31 anos:
Eu, por acaso, não pertenço. Estão a organizar uma comissão de moradores lá no bairro onde eu moro, em Xabregas. Vejo utilidade nisso, porque há muitos assuntos a tratar, como por exemplo, comissões de obras. Pertenço a um grupo desportivo. Estamos neste momento a arranjar uma sede, e já fomos subsidiados pela comissão administrativa da junta. Vamos fazer uma sedezinha, para ajudar as crianças, com um ginasiozinho lá dentro. A comissão de moradores deve ter plenos poderes para organizar tudo o que seja preciso nos bairros e nos fogos.
Vítor Manuel Rodrigues, vendedor, 36 anos:
Moro em Odivelas, mas não pertenço à comissão de moradores. Há lá comissão, só é pena, quando foi das eleições... Houve lá um plenário, com 60 e tal indivíduos... quer dizer, há pouca assistência. Numa população de 100 mil habitantes, é pena que a comissão não faça os possíveis para levar mais gente. O plenário que eu vi com mais assistência devia ter aí à volta de 150 habitantes. Quanto a mim. Acho que isso não é nada, nem se pode de maneira nenhuma eleger uma comissão de moradores assim. O mal é as tais cúpulas de partidos...
Acho que essas comissões são necessárias, e até digo mais: deviam ser constituídas só por moradores e não por proprietários de andares e prédios. Por exemplo, em Odivelas há indivíduos que são proprietários, e isso a nós não nos interessa.
(...), empregado da construção civil, 38 anos:
Moro na Damaia. Se há comissão de moradores, não conheço. Olhe, saio de manhã e venho à noite, pró meu trabalho, ganhar o meu, prós meus filhos.
Mas já ouviu falar numa comissão de moradores...
Não senhor.
Mas um grupo de pessoas que lá no bairro queira resolver os problemas principais...
Ninguém me tratou mal, também não tratei mal a ninguém. Saio de manhã e entro à noite...
 
Ou os jornalistas do Diário de Lisboa tiveram muito azar ou não se esforçaram o suficiente até encontrar alguém que pertencente a uma das centenas de comissões de moradores ou então era o engajamento do povo trabalhador na revolução que deixava mais a desejar do que aquilo que a propaganda deixava entender: nenhum dos entrevistados fazia parte de uma comissão de moradores, o mais próximo do empenho social era o cidadão que estava mais interessado no seu clubezinho, com a sedezinha e o ginasiozinho... Isso não era razão para que os baladeiros - abaixo é Luís Cìlia - cantassem aquilo que era mais sonho deles que realidade...

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