02 dezembro 2016

ESCREVEM LEVE, LEVEMENTE...

Os livros deste género parecem ter sido todos escritos com uma contundência equivalente àquela como a neve veio perturbar o que parecem ser os pensamentos ensimesmados de Augusto Gil. Este de João Gobern tem 228 páginas e não se aventura em raciocínios complicados - é um daqueles livros que, verdadeiramente, se pode ler num punhado de horas. Refere-se a dezenas de figuras da televisão sem que diga mal de algum deles - o que pode ser considerado uma proeza nos dias que correm. E finalmente pretende ter feito a narrativa do que foram quase 35 anos de emissões da RTP (1957-1991) socorrendo-se só da memória - já que no fim não apresenta nem bibliografia nem índice remissivo (o que me faz lembrar aqueles best-sellers de Paula Bobone...).

Contudo, tendo-o lido levemente, assim como imagino que tenha sido escrito, não pude deixar de me questionar sobre o rigor de uma ou outra passagem do livro. Ainda recentemente, quiçá com outra exigência por o autor ser um académico e por ser brasileiro, vi uma biografia sobre Marcelo Caetano ser destroçada pela falta de rigor. Ora, até para não mudar de assunto, falemos então da entrada que João Gobern dedica no seu livro ao antigo presidente do Conselho (p.206): «A 19 de Fevereiro de 1969, estreavam-se as Conversas em Família,...» Ora acontece que, como se comprova em Salazar, Caetano e a Televisão Portuguesa de Francisco Rui Cádima a primeira Conversa em Família na RTP teve lugar a 8 de Janeiro de 1969; e antes da data mencionada por Gobern já havia tido lugar uma segunda conversa, em 10 de Fevereiro (pp. 212 e ss.). E para que a asneira seja completa, a 19 de Fevereiro não houve conversa alguma...

Confesso que o que mais me intriga não é João Gobern ter falhado as datas certas; é saber onde é que ele foi desencantar aquela data errada. Podia ao menos ter consultado os jornais da época: a edição do Diário de Lisboa de 8 de Janeiro de 1969 anunciava a ida de Marcelo Caetano à televisão nessa noite (às 22H00) logo em primeira página! Felizmente para ele o livro é parco em factos verificáveis. Associo João Gobern aos meandros das corporação dos comentadores futebolísticos, que, reconheça-se, é um dos grandes empregadores da comunicação social, mas onde o grau de exigência gera esta cultura de negligência medíocre - aliás, costumam ser as excepções com mais qualidade a ser as mais marginalizadas. Se em campo (jogadores) e a pisar a relva (treinadores), Portugal até é campeão europeu da modalidade e pode orgulhar-se disso, à volta do campo o problema dos que por lá pululam (entre dirigentes e jornalistas/comentadores) é tanto de quantidade (que ele há muitos) quanto de qualidade (são muitos e normalmente muito maus).

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