11 setembro 2015

VATICÍNIOS

Diário de Lisboa, edição de 15 de Fevereiro de 1975. Tecnicamente, ainda não arrancara o PREC (previsto para daí a menos de um mês: 11 de Março), mas a intelectualidade nacional (mais do que o povo em nome do qual se exprimia) parecia já impregnada do espírito da coisa como se todos (os intelectuais legítimos e os que pretendiam passar por o serem) inspirasse o fumo de um enorme charro colectivo. Numa das suas páginas interiores, o jornalista Alexandre Pais procurava repegar numa instituição do passado reaccionário – o festival da canção – e reescrevê-la e antevê-la de acordo com esse novo espírito dos novos tempos revolucionários:
Hoje, às 21 horas, e imediatamente a seguir ao desfile final das canções concorrentes, terá lugar, no Teatro Maria Matos, a votação que indicará a composição representante da RTP ao “Eurofestival” de 22 de Março.

Pelo contacto já tido com as dez canções, teremos de considerar «A Boca do Lobo» de Sérgio Godinho e «Alerta» de José Mário Branco, com as grandes favoritas para a presença em Estocolmo. A primeira, e pese embora a qualidade vocal de Carlos Cavalheiro, teria outra força se interpretada pelo próprio Sérgio Godinho. A segunda, seria sem dúvida aquela que melhor transmitiria à Europa o espírito revolucionário de uma classe trabalhadora em luta aberta contra a exploração capitalista.

Por outro lado, e presente aqui e além uma parcela de nacional-cançonetismo («Leitão de Lata», um poema com alguma força, tem uma música que faz lembrar o conjunto de António Mafra quando lembra que “sopas de vinho não embebedam”) parece-nos justo realçar as canções defendidas por Paco Bandeira e Paulo (de) Carvalho. Teremos, desta forma, cinco canções “possíveis” para uma escolha rodeada de algum acerto. Mas, neste momento, consideramos fundamental uma “intervenção política a nível internacional”. «Alerta»? Pois claro.

Como mencionou cinco canções de um total de dez concorrentes, as probabilidades do jornalista acertar eram idênticas às de atirar uma moeda ao ar. Mas saiu-lhe coroa. Como já descrevi aqui no blogue, foi um festival verdadeiramente revolucionário, incluindo o próprio desfecho, porque a vencedora não foi nenhuma das duas canções favoritas de Alexandre Pais, nem sequer qualquer das outras três menções honrosas por si citadas, mas sim «Madrugada» cantada por Duarte Mendes. Diga-se em defesa do esforçado jornalista que se tratavam de tempos em que o empenhamento era mais valorizado do que o discernimento, perturbando-o, em que o primeiro-ministro Vasco Gonçalves antevia umas eleições vencidas pelo MDP/CDE, seguido do PCP, prometendo aos socialistas e (pessoalmente) a Mário Soares um honroso terceiro lugar. Mas não eram tempos de subtilezas sofisticadas como as de hoje: se o fossem, o Diário de Lisboa também teria publicado complacente e preventivamente uma sondagem comprovando as expectativas de Vasco Gonçalves...

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