28 setembro 2015

FICÇÃO CREDÍVEL - OS CÃES DA GUERRA

Frederick Forsyth escreveu este romance acima em 1974. À hora da despedida de Portugal de África havia quem se dispusesse a mostrar literariamente as fragilidades das novas nações independentes do continente e escrevesse histórias de uma ficção credível a respeito do que nelas poderia vir a acontecer. A acção de Cães da Guerra decorre principalmente num hipotético país africano chamado Zangaro, que só se torna difícil de identificar por combinar características identificativas de mais do que uma das então novas nações africanas. Um país com reservas minerais riquíssimas que os próprios naturais desconheciam. Governado por um ditador tresloucado. E a história centrava-se num comandante e num comando de meia dúzia de mercenários de origem europeia encarregados de realizar um golpe de estado em Zangaro. Conseguem-no. E o final de Cães da Guerra tem uma conotação moral, um escrever direito por linhas tortas, apesar de todo o reaccionarismo realista que o domina.
Houve quem tivesse passado os vinte anos que se seguiram a tentar concretizar na prática o que constava do script de Cães da Guerra (há um filme de 1980 que teve pouco sucesso), em busca de um romantismo de uma liberdade de acção dos mercenários (e também dos interesses privados...) em relação aos intervenientes institucionais - as potências - que nunca pôde existir de facto. O mais famoso desses líricos terá sido um francês chamado Robert, dito Bob, Denard (1929-2007) que, com o tempo, se veio a especializar em golpes de estado nas Comoros (mapa acima). Há vinte anos precisamente – o aniversário da data é o pretexto para esta evocação e para este poste – lá reaparecia Bob Denard, acompanhado de 33 mercenários desembarcando de uns botes de borracha zodiac com motor fora de bordo como descrevera Forsyth, para realizar mais um – o quarto! – golpe de estado naquele país insular de 800 000 habitantes, golpe que ele desta vez baptizara de Operação Kaskari.
Mas os tempos haviam mudado muito desde o princípio daquela década, a URSS desaparecera e Denard parecia ter envelhecido (66 anos, o que já é muito para um condottiere) sem se dar conta disso, tornando-se num franco-atirador que causava embaraços em vez de ser uma ajuda para as soluções. Cerca de 600 soldados franceses puseram fim à aventura. Nem um tiro foi disparado. Denard foi apanhado à mão e, sobretudo, exibido para que a comunicação social o fotografasse e filmasse (acima). Foi depois transportado para França para ser julgado. Sem emenda, cinco anos depois, o velhote estava outra vez metido em sarilhos em Itália por ter andado a tentar recrutar entre os meios da extrema-direita italiana. Mas, se de há vinte anos para cá continua a haver golpes de estado em África, passou a dar mau aspecto subcontratar a sua feitura, privilegia-se o artesanato local.

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