18 novembro 2009

A(S) GUERRA(S) DO FUTEBOL (A DE 1969)

Antes de se saber qual será o resultado do jogo de hoje entre Portugal e a Bósnia, e as consequências imprevisíveis para a paz e segurança na Europa que os quatro jogos de apuramento que hoje se disputam poderão provocar (Bósnia – Portugal, França – Irlanda, Eslovénia – Rússia e Ucrânia – Grécia), para não falar já do que poderá acontecer à África do Norte na sequência do Argélia – Egipto a disputar em Cartum, no Sudão, lembrei-me de evocar um acontecimento de há 40 anos atrás, que ficou conhecido como a Guerra do Futebol ou a Guerra das 100 Horas, uma guerra travada entre as Honduras e El Salvador, um conflito militar a sério que teve por pretexto próximo, precisamente como aqui, uma eliminatória de apuramento para um Campeonato Mundial de Futebol – no caso o de 1970, que se iria disputar no México.
A história aparente do conflito começa a 8 de Junho de 1969 quando, em partida disputada em Tegucigalpa, capital das Honduras, a selecção local ganhou à de El Salvador por 1-0. Na véspera, os hondurenhos haviam montado um comité à volta do hotel onde a comitiva salvadorenha se havia alojado, que passou a noite a fazer barulho impedindo os visitantes de descansarem. Uma semana depois, os salvadorenhos, feitos agora anfitriões retribuíram, com mais alguns requintes de maldade, incendiando, por exemplo, 150 carros de hondurenhos que haviam vindo ver o jogo a Salvador. Nesta segunda mão El Salvador veio a ganhar por 3-0 e foi preciso um jogo desempate, que se disputou em campo neutro a 27 de Junho na cidade do México onde a selecção de El Salvador veio a ganhar após prolongamento por 3-2.
Mas, no dia anterior ao jogo, que contou com a assistência de 5.000 polícias mexicanos, já o governo salvadorenho havia rompido as relações diplomáticas com o seu homólogo hondurenho e, de gesto ameaçador em gesto ameaçador de parte a parte, em 14 de Julho os dois países estavam envolvidos numa Guerra que tinha por causa mais profunda o contraste social entre os dois países vizinhos da América Central, onde em El Salvador havia gente de mais para terra de menos (uma densidade média de 154 habitantes por km²) ao invés da situação nas Honduras (com 18 habitantes por km²), onde sobrava terra e havia uma comunidade imigrante salvadorenha crescente. Quanto ao conflito propriamente dito, El Salvador, com um exército mais poderoso, assumiu a ofensiva e invadiu as Honduras, mas as operações acabaram por durar apenas 4 dias.
Para além dos três milhares de mortos, na sua grande maioria civis e hondurenhos, a 2 de Agosto de 1969, através dos ofícios dos intermediários da OEA (Organização dos Estados Americanos), o exército salvadorenho regressara às suas posições originais na fronteira, enquanto o governo hondurenho se preparava para expulsar as centenas de milhares de imigrantes ilegais salvadorenhos do seu território, acicatando as tensões sociais que estariam por detrás da Guerra Civil salvadorenha que se desencadearia dali por dez anos. Mas, esclarecendo o que normalmente mais interessa aos verdadeiros adeptos do desporto, depois destes jogos de apuramento, El Salvador veio a participar no Campeonato Mundial de 1970, perdendo os três jogos que disputou sem marcar sequer um golo: 0-3 contra a Bélgica, 0-4 contra o México e 0-2 contra a União Soviética…

1 comentário:

  1. Caro António

    Fiz uma reflexão semelhante à tua quando vi os acontecimentos na Argélia e no Egipto, por ocasião do jogo de futebol entre as selecções dos dois países. Agora ao ler o teu artigo, lembrei-me da batalha campal entre Portugal e Angola ocorrida também num jogo de futebol, realizado em Portugal, onde se bem me lembro o jogo acabou por ser interrompido, devido à expulsão de 5 jogadores angolanos, que deviam pensar que estavam a combater as tropas portuguesas na guerra colonial ... Espero que no Mundial na África do Sul, as equipas encarem os jogos apenas como um desporto muito competitivo, e não como um espetáculo de gladiadores. Já agora relembro a inaceitável cabeçada do Zidane ao Materazzi. Um abraço

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