18 julho 2009

A VOZ ESTEREOFÓNICA DA UNIÃO SOVIÉTICA NA ONU

Por vezes parece que o Mundo actual nem se apercebe o quanto deve à existência de uma organização que transmita uma aparência de enquadramento à ordem internacional, como acontece com a Organização das Nações Unidas (ONU). A ONU foi constituída em 1945, uma ideia apadrinhada e promovida sobretudo pelos norte-americanos, na sequência do fim da Segunda Guerra Mundial. Mas a sua constituição foi dominada por um intenso esforço negocial entre as partes que haviam saído vencedoras do conflito.
Um dos casos mais engraçados terá sido o da constituição inicial da Assembleia-Geral das Nações Unidas que se reuniu pela primeira vez em Janeiro de 1946 com a presença de 51 estados-membros em Londres, não em Nova Iorque como actualmente acontece. A lista desses membros iniciais(1) contem algumas surpresas de estados que não eram soberanos, como são os casos da Índia, então ainda formalmente tutelada pelos britânicos, ou da Bielorrússia e da Ucrânia, que faziam parte da União Soviética.
Cada uma das três potências vencedoras de 1945 (Estados Unidos, União Soviética, Reino Unido) procurou assegurar o maior número de vozes que lhe fossem afectas no novo organismo. Os britânicos recorrendo ao Commonwealth e aos seus Domínios – África do Sul, Austrália, Canadá, Nova Zelândia e daí a presença precoce de uma Índia ainda não autónoma. Quanto aos norte-americanos, esses recorreram a todos os países da América Latina, região onde exerciam então uma quase total hegemonia.
Para contrariar essa esmagadora maioria de votos adversos na Assembleia-Geral, os soviéticos lembraram-se de invocar o facto de serem uma União de 15 Repúblicas, pedindo por isso o mesmo número de lugares de estado-membro. As negociações prosseguiram, muito difíceis, tendo os Estados Unidos chegado mesmo a invocar durante as mesmas e para ameaça, que, se esse fosse o critério a adoptar, então também eles eram uma União de Estados, e que assim lhes caberiam 48 lugares(2)
O negócio acabou por ser fechado com a concessão de 2 votos suplementares para os soviéticos através da adesão da Bielorrússia (acima) e da Ucrânia (abaixo). A presença daquelas duas repúblicas eslavas da URSS durante os 46 anos seguintes (1945-91), onde se limitavam a servir de caixa de ressonância da política externa de Moscovo (creio não haver registo de uma única votação dissidente com as da União…), fica como recordação de mais um daqueles equilíbrios absurdos da Guerra-Fria
(1) África do Sul, Arábia Saudita, Argentina, Austrália, Bélgica, Bielorrússia, Bolívia, Brasil, Canadá, Checoslováquia, Chile, China, Colômbia, Costa Rica, Cuba, Dinamarca, Egipto, Equador, Estados Unidos, Etiópia, Filipinas, França, Grécia, Guatemala, Haiti, Holanda, Honduras, Índia, Irão, Iraque, Jugoslávia, Líbano, Libéria, Luxemburgo, México, Nova Zelândia, Nicarágua, Noruega, Panamá, Paraguai, Peru, Polónia, Reino Unido, República Dominicana, Salvador, Síria, Turquia, Ucrânia, União Soviética, Uruguai e Venezuela.
(2) Em 1945, os Estados Unidos eram constituídos apenas por 48 Estados. O Alaska e o Havai só alcançaram esse estatuto em 1959.

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