02 dezembro 2013

O «LUNOKHOD» CHINÊS

Detesto ver notícias superficialmente mal tratadas. E aquelas que anunciam as proezas do programa espacial chinês costumam-no ser. As agências de notícias costumam triturar as peças de propaganda originais e os jornais depois publicam-nas retocando aqui e ali os tópicos principais da notícia, na melhor das hipóteses complementando-os com o resultado de uma consulta apressada à Wikipedia. Típica nesse desleixo, a notícia do Jornal de Notícias dedicada ao envio de uma primeira sonda chinesa para a Lua (acima) anuncia, por exemplo, que a China estava quatro décadas atrasada em relação aos Estados Unidos e à Rússia quando lançou o seu primeiro homem para o espaço em 2003, mas que está a recuperar rapidamente o seu atraso (não está, como se explicará mais adiante) ou que, depois desse primeiro, a China já colocou em órbita mais de uma dezena de astronautas – por acaso, foram precisamente 10 e apenas 10
O que faltou explicar é que a sonda móvel (acima) que a China se propõe colocar ainda este mês na superfície lunar é uma repetição do programa Lunokhod soviético, cujo primeiro veículo chegou à Lua em Novembro de 1970 ou seja, é uma repetição de um feito de há 43 anos (abaixo). Os progressos da miniaturização tornarão a diferença menos significativa quanto ao desempenho científico mas importa mesmo assim acrescentar que o veículo chinês pesa 120 kg enquanto o soviético pesava 756 kg (6x). Mas o mais importante de tudo será relembrar que o programa Lunokhod havia sido, já ele, um sucedâneo dos soviéticos para minorar o impacto da derrota sofrida na corrida (dos voos tripulados) para a Lua, vencida pelos Estados Unidos com o voo da Apollo XI em Julho de 1969. Por isso, o feito da sonda Cheng’e-3 bem pode ser um tremendo orgulho para a China mas dificilmente será um avanço tecnológico para o resto da humanidade…
Já se percebeu que a China procura desenvolver deliberadamente as suas capacidades astronáuticas de uma forma autónoma, afastada da cooperação internacional que tem juntado as outras agências espaciais (russa, norte-americana, europeia, japonesa e canadiana) em vários projectos comuns, de que o exemplo mais visível é a ISS – a estação espacial internacional (abaixo). No espaço, a China assume às claras a sua condição de challenger da ordem espacial dominante e por isso não se associa com ninguém. Será por isso, que é importante que se noticie com objectividade (removendo o folclore da propaganda) qual é o verdadeiro valor científico das suas realizações nesse campo. Onde, como aqui se explicou, mantêm as cerca de quatro décadas de atraso do passado. E, como se demonstra, há sempre ocasião para trabalhar uma boa notícia, não sei é se haverá interesse em jornalistas que o façam ou em jornalistas que o saibam fazer...

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