O dia informativo de 27 de Dezembro de 2013 foi dominado pelas consequências de uma actividade que é pouco habitual no jornalismo português: a verificação de factos, conhecida nos países de língua inglesa por fact checking. De facto, os protagonistas da comunicação social doméstica não estarão habituados a ser confrontados com avaliações do rigor daquilo que dizem, como ontem aconteceu com o primeiro-ministro, a propósito do seu discurso de Natal (acima). Por isso, dizem o que dizem, com a segurança da impunidade, e consegue-se até separar entre os que usam e os que abusam – estou a lembrar-me de Paulo Portas – desses arredondamentos da verdade. Ontem, nem se perceberá muito bem as causas da iniciativa, mas muito bem já que os dados do seu discurso sobre a evolução do emprego em 2013 eram falsos, saiu uma inopinada fava a Pedro Passos Coelho.
Trata-se de uma actividade pouco praticada porque inglória. Tomemos o exemplo da notícia acima, também de ontem, que nos informa das vicissitudes de um voo da TAP vindo de São Tomé. Destaca-se da história o pormenor bizarro da nossa companhia não poder utilizar os seus aviões no aeroporto são-tomense por causa do seu peso, tendo de os fretar. Todas as notícias reproduzem essa mesma explicação de uma forma viral. Mas será essa a verdadeira razão para que isso aconteça? Consultadas as fontes percebe-se que os aviões de longo curso necessários para fazer a ligação directa entre Lisboa e São Tomé da frota da TAP são os A-330 e A-340. Ora o avião fretado à White Airways foi um A-310, um aparelho também de longo curso mas substancialmente mais antiquado que os outros tipos e também mais leve, com um peso em vazio rondando as 80 toneladas em vez das 120 a 130 toneladas dos outros dois. Daí, a explicação para que a TAP opere em São Tomé com aviões fretados será, pelo menos, convincente.
A verificação de factos, além de exigir trabalho e método, tem esta faceta desencorajante: a maioria das vezes não se encontra nada e o resultado da actividade nem sequer tem visibilidade. Suspeito que nenhum jornalista terá ido verificar, como aqui se fez, a consistência da informação sobre os voos da TAP. Mas há ocasiões em que essa verificação que normalmente nunca se faz, mais do que útil, teria sido indispensável. Recorde-se o episódio, de que agora se comemora o primeiro aniversário, de Artur Baptista da Silva, o espectacular quadro superior da ONU que iluminou, qual estrela cadente, a quadra natalícia de 2012, com as suas lúcidas análises sobre o reescalonamento da dívida portuguesa. E recorde-se sobretudo a assunção de responsabilidades por parte de Nicolau Santos (acima), gesto de que não dei conta que o primeiro-ministro (ou alguém por ele) ontem ou hoje tivesse feito a propósito da notícia inicial. É por causa desses gestos e da ausência deles que, mesmo quando fazem merda, há pessoas a quem eu continuarei a endereçar a mesma simpatia; e outras não.
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