22 abril 2009

UMA HISTÓRIA DE AUTOCARROS PERDIDOS... E DE PRIMEIROS-MINISTROS TEIMOSOS

Arthur Neville Chamberlain (1869-1940) é mais um caso daquelas pessoas que foram projectadas para a ribalta da História mas que, quando o foram, estavam desencontradas dela. São poucos os que ousam questionar o mérito que o levou a tornar-se o Primeiro-Ministro britânico entre 1937 e 1940. O seu problema é que, aquilo que noutros casos passou por virtude, a firmeza das suas convicções, na carreira de Chamberlain e naquelas circunstâncias históricas veio a revelar-se fatal para a sua credibilidade. Preso a uma imagem por si construída, acabou por vir a apostar em excesso na via negocial para a resolução das reivindicações alemãs – a política de appeasement (apaziguamento).
O paradoxo dessa reputação é que, por detrás das aparências pacifistas, Chamberlain presidiu ao governo que foi o responsável pela fase final do rearmamento que o Reino Unido vai poder apresentar em 1940. Essa era também a opinião (insuspeita) do líder da oposição trabalhista, Clement Attlee, em Fevereiro de 1939: Aborrece-me que Neville argumente tanto em favor do pacifismo enquanto o país se arma cada vez mais(*). Mas as frases mais famosas associadas a Chamberlain foram proferidas pelo próprio, a começar pelo discurso proferido no aeroporto à chegada de Munique em Setembro de 1938: Peace for our time (Paz para os nossos tempos, no vídeo abaixo) – Um profético disparate!
Contudo, percebe-se muito melhor a capacidade de Chamberlain se auto-iludir quanto à forma como as conversações com Hitler haviam sido conduzidas numa outra afirmação posterior, quando, em apreciação ao que se obtivera com elas, concluía como se havia perdido ali a oportunidade de fazer um excelente negócio: Mantenho a opinião que sempre tive que Hitler perdeu o autocarro (a oportunidade) em Setembro de 1938. Ele podia ter-nos dado então, à França e a nós, um terrível golpe, talvez mesmo mortal. É uma oportunidade que ele não voltará a ter.(**) É que isto já foi escrito em Dezembro de 1939, mais de três meses depois da Segunda Guerra Mundial ter começado… Este é o tipo de avaliação reveladora de uma teimosia obtusa que acaba por destroçar qualquer reputação de um político para a História... Pretender, à posteriori, que o tempo correra a favor dos Aliados enquanto a Alemanha destruía em seu proveito os equilíbrios que haviam sido erigidos na Europa Central, anexando no processo a Áustria, a Checoslováquia e a Polónia (mapa acima), mais do que um clamoroso erro de leitura estratégica, tem que se tratar de verdadeira desonestidade intelectual. Não admira que houvesse quem não perdoasse a Chamberlain e que, perante uma fotografia da Blitz londrina (abaixo), não resistisse à graçola de comentar: Ali está um autocarro que o Adolfo não perdeu… (***)
(*) Neville annoys me by mouthing the arguments of complete pacifism while piling up armaments.(**) I stick to the view I have always held that Hitler missed the bus in September 1938. He could have dealt France and ourselves a terrible, perhaps a mortal, blow then. The opportunity will not recur. (***) Com a tradução, perde-se o efeito de trocadilho, pois o mesmo verbo (to miss) pode ser empregue para perder o autocarro e falhar o autocarro como alvo, coisa que, visivelmente naquele caso, os bombardeiros alemães não fizeram…

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