12 abril 2009

BILHAR ÀS TRÊS TABELAS

O José Pacheco Pereira queria (…) ser comunista e procurou-me com esse objectivo. Para poder entrar tinha feito uma enorme preparação teórica e já tinha lido uma série de obras dos clássicos do marxismo-leninismo. (…) Achei aquilo muito estranho e disse-o ao controleiro (…), que concordou comigo: ou ele era um génio para ler tanto e preparar-se daquela forma, ou era suspeito. O José Pacheco Pereira, já com uma enorme capacidade de leitura e preocupação intelectual, falava com à vontade de O Capital de Marx ou do Materialismo e Empiriocriticismo de Lenine. Nós achámos melhor pô-lo de quarentena, para termos a certeza de que tão estranho comportamento não seria o de um provocador. Nunca chegou a entrar para o PCP (…) Impaciente, criou o seu próprio partido marxista-leninista.

Zita Seabra, Foi Assim, p. 27

Há poucas pessoas que conheçam as regras do bilhar, que normalmente confundem com o snooker que se joga nas mesas que têm buracos. Nas mesas de bilhar (abaixo) não há buracos, existem sempre três bolas na mesa, e a modalidade mais difícil é a das três tabelas, onde a bola, antes de bater na bola vermelha, tem de bater previamente três vezes nas tabelas da mesa. Ora o trecho acima, pertencente ao seu livro Foi Assim, revela-se uma magnifica jogada de bilhar de Zita Seabra, fazendo a sua bola ir três vezes à tabela, antes de bater na bola vermelha e continuar, como nada tivesse acontecido, a sua narrativa dos primórdios dos seus tempos como militante comunista no Porto.
A primeira tabela da bola, acontece quando ela elogia as preocupações e as capacidades intelectuais de José Pacheco Pereira, mas acaba por descrevê-lo como um perfeito Nerd. A segunda tabela, é destinada ao PCP, quando demonstra que uma sólida formação teórica era a menor das preocupações e das características que o Partido naquela época procurava que os seus militantes possuíssem. A terceira tabela, regressa a José Pacheco Pereira, e acontece quando deixa a sugestão, no fim do trecho e de uma forma que não me parece muito subtil, como aquela rejeição o pode ter afectado em todo o seu percurso posterior, tanto político, como académico.

Agora, apenas por curiosidade, quanto aos exemplos dos livros que eram então dominados com à vontade por José Pacheco Pereira e que Zita Seabra nomeia, a verdade é que, se O Capital era uma obra indiscutível, o Materialismo e Empiriocriticismo nunca figurou entre aquela literatura canónica que um verdadeiro marxista-leninista tivesse obrigatoriamente que possuir. Uma pesquisa ao 2º Tomo dos Seis volumes (!) das Obras Escolhidas de Lenine da Editorial Avante (textos de 1908 a 1916) não inclui essa famosa obra de 360 páginas de 1909, de carregado conteúdo filosófico. Desconfio que Zita Seabra a escolheu para acentuar o carácter Nerd de José Pacheco Pereira…
Embora já o tivesse tratado num outro poste, este regresso a este tema é assim como uma espécie de prenda pascal a dois antigos coleccionadores de Literatura Sagrada de há muito, mas mesmo muito tempo. Olhem, do tempo em que Jerónimo de Sousa tinha a afinação de máquinas por profissão e sabia, de facto, afiná-las…

1 comentário:

  1. É verdade. Em que o Jerónimo de Sousa fazia bem o que sempre soube fazer e também daquele em que havia a preocupação não só de, com muita dificuldade e secretismo ser possuidor da dita literatura sagrada, (em publicações estrangeiras, obviamente)como também de procurar lê-las. Devo-te dizer que, por vezes, com alguma (muita) dificuldade.
    Gostei, como sempre, aliás, da tua interessante analogia com o bilhar às três tabelas.

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