31 janeiro 2006

A TESOURARIA DA PALESTINA

Foi com surpresa que se descobre, depois da vitória do Hamas nas eleições palestinianas, que o respectivo estado sobrevive sobretudo devido às contribuições dos países ocidentais e que estes se preparam para as usar como forma de condicionamento do comportamento político futuro dos vencedores do Hamas.

De acordo com o Financial Times de ontem as contribuições norte-americanas para o Estado Palestiniano desdobram-se em 58 milhões de euros de contribuições directas, 186 milhões através de ONGs e mais 72 milhões através das agências da ONU, perfazendo um total de 316 milhões em 2005.
Na mesma notícia, a União Europeia é classificada como a maior doadora, com um total rondando os 500 milhões de euros no mesmo ano. Não se distingue aqui por que canais as contribuições são efectuadas nem, muito mais importante, as nacionalidades dos doadores mais importantes (Alemanha? Reino Unido? França?) visto que cada doação representa um actor político distinto, que poderá ter uma agenda própria.

Embora no mesmo artigo não haja menção ao montante das contribuições de outros países árabes, embora noutras fontes (Quid 2004) essas subvenções se estimem em mais de 200 milhões de euros anuais, vindas da Arábia Saudita, Líbia, Emiratos Árabes, Argélia, Qatar ou Koweit.
Valerá a pena especular se, com a generosidade que o aumento do preço do petróleo tem tido nas suas tesourarias, estes últimos estarão dispostos a suprir as lacunas de uma eventual redução dos fundos ocidentais. Ou deixarão que a argumentação persuasiva dos países ocidentais produza a moderação necessária ao Hamas para o levar a sentar-se à mesa das negociações.

Aquele pedaço de terra já viu conversões tão ou mais espectaculares. Yasser Arafat também já havia sido um terrorista, assim como Menahem Begin antes dele. Por isso, será desejável e não será nenhuma novidade que o Hamas ganhe respeitabilidade porque representatividade já demonstrou que a tem.

HABEMUS PAPAM!!!

Depois de uma espera insuportável, que só foi causada pelas inconfidências de Constança Cunha e Sá, Vasco Correia Guedes, que adoptou o nome papal de Vasco Pulido Valente (VPV) finalmente postou! Postou é como quem diz, VPV só escreveu ou disse ou exprimiu-se de uma outra forma qualquer, porque foi a Constança – está-se mesmo a imaginar a Constança, mãos nervosas pela solenidade do momento – que teve de ter o trabalho de passar aquilo para o blogue, qual freira atenta às menores incomodidades papais. VPV, além de não querer fazer ideia de quanto é o salário mínimo, nem se incomoda com essas bagatelas de usernames ou passwords.

Mas o que é importante é que postou e postou – como seria de esperar – Urbi et Orbi* embora a Orbi seja mais pequena do que se pensa, um punhado de patetas da blogosfera portuguesa. Mas foi giro lê-lo, foi sobretudo diferente. Já estou afeiçoado a ler primeiro as tiras do Calvin & Hobbes como uma espécie de documentário antes da leitura atenta das suas prosas no Público. Aqui, conviria que a Constança escrevesse assim uns entreténs antes das peças mais substanciais de sua Santidade, o VPV – é só uma sugestão...

Esmagado pelo vigor da prosa e pelo fragor dos comentários, só tive tempo de notar um pequeno pormenor naquele texto sobre o seu semestre como deputado. Tendo havido tantos tempos de ociosidade e, por isso, poucos episódios significativos, é bizarro como VPV já se tenha esquecido do pormenor do requerimento que fez à mesa da Assembleia para ser tratado, não pelo seu nome civil, Correia Guedes, mas por Vasco Pulido Valente… Que a mesa deferiu. Não sendo um pormenor muito importante é um pormenor engraçado…

Os papas, todos sabemos, têm a faculdade de poderem mudar de nome, escolhendo-o. Este ficou VPV. Com todos os entusiasmos e as mordomias inerentes. O problema é que não sou católico e não concordo com o princípio da infalibilidade papal por causa da iluminação do espírito santo. E desprezo a atitude subserviente que por aí vejo frequentemente assumida na leitura de certas encíclicas. Ainda para mais quando vejo essa atitude em pessoas em que não encontro mais vestígios de modéstia em quaisquer outros aspectos da sua vida.

Regressando às encíclicas de S.S. VPV: por diversas razões, a começar muitas vezes pela sua acuidade, não as aprecio. Nem estas, nem as outras, nem os apreciadores entusiasmados de ambas.

* à cidade e ao mundo (loc. latina)

30 janeiro 2006

DALLAS

Dallas foi uma série dos finais dos anos 70, início dos 80, sem nada de relevante, a não ser as aparências. Encerrava-se um enredo de telenovela xaroposa (com protagonistas muito, muito, muito bons e um outro muito, muito, muito mau) numa aparência de superprodução e estava feita a receita de boa parte do sucesso.

O restante concentrava-se na promoção. Ainda me lembro da RTP estar a promover a série, anunciando os protagonistas em tom de conhecidos de velhas data – Barbara Bel Geddes, Jim Davis, Patrick Duffy, Linda Gray, Larry Hagman, Victoria Principal e Charlene Tilton – que, se o telespectador os desconhecesse, seria por sua própria ignorância e responsabilidade.

Porque é que eu me lembrei do lançamento pretensioso do Dallas? Porque já anda a ser anunciada a chegada eminente à blogosfera de… Vasco Pulido Valente. É verdade, depois de descansar do seu apoio a Mário Soares (apoio é como quem diz… deixou de dizer mal dele enquanto continuava a dizer mal dos outros), VPV continuará a esclarecer-nos, agora na intimidade da blogosfera, porque somos um povo rasca, numa sociedade rasca, que produz elites rascas e políticos ainda mais rascas, de onde se distinguem uns comentadores/historiadores que serão… talvez... mais ou menos.

(Um dia destes ainda farei uma dissertação sobre a correlação entre a dentição e os elogios de VPV. Como suspeito que quando faz um elogio lhe cai um dente, estará limitado a 32 elogios para a vida toda – esquecendo os 20 que, abusado, esgotou na infância – o que explicará a forma como é parco em os conceder.)

Mas, não nos adiantemos, o homem ainda está para vir, mau grado o frisson já gerado na blogosfera pela sua promitente companheira de blogue, Constança Cunha e Sá que, numa verdadeira campanha teaser, até já prometeu mais um outro reforço secreto. Estou em pulgas!... Há por aqui quem avente que eu possa estar a ser mau, mas estou apenas a aplicar uma política de tolerância Ø a quem tem, publica e visivelmente, uma política de tolerância Ø para com os outros...

O GRÃ-CRUZ

Deve ser uma das maiores ironias que os poderes políticos do mundo globalizado do início do século XXI se vejam a travar as mesmas batalhas que os seus antepassados do mundo globalizado do princípio do século XX.

O inimigo é o mesmo, o Capitalismo com C maiúsculo, o predomínio dos monopólios, a acumulação de riqueza em excesso numa minoria mínima. A separar os dois séculos, os ramos de actividade (do petróleo – Standard Oil – para a informática – Microsoft), a revolução russa e toneladas de literatura socialista e social-democrata pela redistribuição mais equitativa da riqueza, e possivelmente a personalidade dos protagonistas (de John D. Rockefeller para Bill Gates).

Não tem sido apenas a propaganda marxista a responsável pela caricaturização simplista dos capitalistas como esponjas insaciáveis de dinheiro; os apóstolos do liberalismo também a compartilham com os seus soglans de sonoridade evidente mas de expressividade duvidosa (o mais recente que ouvi é o da rentabilização dos activos, tão do agrado de António Carrapatoso).

Como acontece com muitos outros aspectos da economia, nem sempre o que é verdade na perspectiva micro assim se mantém na perspectiva macro. Suspeito que a partir de uma determinada quantia de riqueza pessoal, mais ou menos dinheiro não deve corresponder directamente à satisfação dos objectivos do seu proprietário.

Aliás, a lista dos mais ricos do Mundo, publicada anualmente na revista Forbes, seria um bocado distinta de uma lista hierarquizando a importância e o poder relativos dos mesmos. Por exemplo, Ted Turner, com a sua CNN, viria muito à frente do Sultão de Brunei, embora este último seja bastante mais rico.

O cabeça de lista (provavelmente das duas listas) Bill Gates, sendo porventura o homem mais bem sucedido desta ordem mundial tem demonstrado por várias vezes uma natural preocupação em preservá-la, mas compreendendo que ela precisa de ser reformada por se estar a tornar insustentável.

Nesse aspecto Bill Gates tem mostrado muito mais visão, quer do que os seus antecessores do século passado, quer do que contemporâneos que se podem julgar muito importantes mas que não passam de pigmeus (em mais do que um aspecto…) junto de si.

É o tipo de condecoração em que apetece felicitar todos os envolvidos, não apenas aquele que a recebe.

PACOTES

Aqui há uns bons anos, treze para ser preciso, dirigia o governo o senhor que foi agora eleito como Presidente da República, a economia portuguesa começou a dar sinais claros de desaceleração no seu ritmo de crescimento.

Para contrariar essa tendência, reforçando a confiança dos agentes económicos, como se recomenda nos manuais de economia, deu o referido governo em anunciar sonoramente a vinda dos fundos comunitários, que já haviam sido negociados de antemão, dando-lhes o título pomposo de pacotes.

Ele havia um pacote (de fundos comunitários, entenda-se) à segunda-feira, descansava-se à terça, outro à quarta com descanso à quinta e, como o cepticismo era generalizado, à sexta havia logo dois pacotes por causa do fim-de-semana. Arrisco-me mesmo a dizer que deve ter havido pacotes que foram reciclados para reanúncio na semana seguinte.

Embora tudo isto tivesse sido feito com a melhor das intenções, relembro aos mais esquecidos que não funcionou e a desaceleração do ritmo de crescimento da nossa economia continuou até ao ano em que o nosso futuro Presidente foi substituído naquelas funções pelo nosso Alto-Refugiado.

Toda esta história tornou-me a ocorrer quando, recentemente, comecei a ser bombardeado, também em dias alternados, com as perspectivas de um influxo quase maremótico de capitais a investir em Portugal, só que no futuro, muito lá para o futuro.

Eu bem desconfio que esse bombardeio também é feito com a melhor das intenções, pela reanimação da confiança dos agentes económicos, mas a seriedade obrigaria a que as notícias, boas e más, fossem dadas com simetria: se noticiassem as fábricas que fecham versus as fábricas que abrem ou, alternativamente, as intenções de investimento em Portugal com as intenções de deslocalização para outros países.

Assim como está, alguém que perde o emprego hoje, arrisca-se a recuperá-lo em 2009. Dito assim, não sei se será assim tão animador… Enfim, sempre será melhor que os pacotes...

28 janeiro 2006

VALHA-ME DEUS

Com o título original de Goodness Gracious Me, esta série britânica de 1998, ainda em exibição na Britcom da RTP 2, para além de estar também disponível em DVD, é um dos bons produtos da globalização.

A descontracção com que, ao longo da série, os protagonistas (de ascendência indiana) retratam os preconceitos raciais dos europeus em relação aos indianos, vice-versa, e dos indianos entre si são um excelente contraponto à compulsiva seriedade compungida com que esses assuntos das relações interraciais são tratados (basta lembrarmo-nos, só para exemplo, de Louçã e das suas considerações de tom evangélico no quadro do SOS Racismo).

Os preconceitos, próprios e alheios, são muitas vezes intrinsecamente ridículos. E as situações geradas para os corrigir, porque não são genuínas, também o são. Veja-se como as crianças maltratam com alcunhas os seus colegas que usam óculos, que são gordos ou ruivos. E depois os que são negros passam a ser os meninos de cor e não têm alcunhas porque… parece mal – o que acaba por ser uma outra forma de discriminação.

A série Valha-me Deus torna-se salutar e descomprometidamente divertida porque é multilateralmente racista, troçando simultaneamente do racismo. E, no quadro de uma melhor compreensão de outras culturas, atrever-me-ia a sugeri-la ao senhor Javier Solana, responsável pela política externa da União Europeia, que, em declarações de hoje, lhe resvalou o pé para o chinelo do preconceito, ao tentar minorar a legitimidade da vitória do Hamas nas eleições palestinianas.

Não é pelas eleições se terem desenrolado entre gente menos recomendável, e ter ganho uma organização menos recomendável que as eleições deixam de poder ser consideradas livres e democráticas. Imagine-se lá, Sr. Solana, às vezes ganha quem não estamos à espera…

27 janeiro 2006

EUROMINAS

Ainda não percebi cabalmente o que é que António Vitorino tem a ver com o caso Eurominas. Embora já esteja quase completamente convencido de que deve haver um caso Eurominas qualquer. E que, por muito que se esforce, o PS não consegue desgrudar uma lista de destacados militantes seus, entre os quais Vitorino, desse caso Eurominas.

A última tentativa de o fazer foi feita à bruta, como quando se arrancam os adesivos da pele e os pelos vão atrás: deu o inquérito parlamentar que está a decorrer como pronto para conclusões. Que se adivinham, quando se sabe que o PS detém a maioria na comissão. É um gesto prepotente, a lembrar aquele forte travo de laranjada da época áurea do cavaquismo de que o PS tanto se queixava…

É sabido que as oposições, aqui e em qualquer parte do mundo, adoram que estas comissões de investigação cozinhem o governo em lume brando. Mas, neste caso e continuando a metáfora, o cozinhado nem chegou a aquecer apesar de dar indícios de excelentes temperos. O que é indício condenatório de quem desligou o lume assim à pressa.

E, se no PS ainda ninguém se apercebeu entre os sussurros de bastidores, Vitorino e o restante comité Eurominas ou Pina Moura serão excelentes flancos expostos do partido a futuras iniciativas presidenciais de moralização. Que, nessa eventualidade, deverão contar com um apoio alargado da opinião pública…

MAS PORQUE É QUE PERGUNTARAM?

Esta é uma foto que se pretende emblemática do 25 de Abril. Só que na altura da sua divulgação ou, pelo menos, quando me apercebi dela, já os ânimos andavam demasiado exaltados para que se prestasse atenção à encenada inocência do seu conteúdo.

As eleições para a Assembleia Constituinte de 25 de Abril de 1975, as primeiras realizadas em Portugal em liberdade, deram como resultado evidente que o famoso Processo Revolucionário Em Curso (PREC), onde abundavam as vanguardas – dos operários, dos camponeses, dos trabalhadores, dos intelectuais, dos soldados e marinheiros – estava carenciado das retaguardas que o legitimasse.

São as chatices de dar a voz ao povo: umas vezes sai cara, mas outras sai a coroa de que não se está à espera. Isto vem a propósito das recentes eleições legislativas na Palestina e dos problemas decorrentes da clara vitória do Hamas nessas eleições.

Aqueles resultados eleitorais têm a virtude de pôr em evidência o que efectivamente pensam as populações daquela região (a opinião dos israelitas já se vai sabendo de há muito) independentemente das conveniências dos actores exteriores como os Estados Unidos ou a União Europeia.

Ontem foi curioso ver Bush mortificado pela vitória do Hamas (também há quem tenha ficado mortificado pela vitória de Bush e se resigne…) parecendo atacado de uma amnésia súbita sobre o seu destino manifesto de paladino da democracia entre os povos árabes.

Além da vantagem de conferir o poder da Autoridade Palestiniana a uma visão maioritária entre a opinião pública palestiniana existe a outra de retirar ao Hamas a aura mítica, ao pô-lo no centro da arena política com os poderes de decisão na mão.

Apontando alguns exemplos mais absurdos que podem eles fazer? Dar aos extremistas israelitas o prazer de invadir Israel de kalashnikov em punho? Ou fazer explodir uma nova “rodada” de mártires? Para quê?

Sob imensos aspectos, os problemas de toda aquela região, têm sido tratados varrendo alguns detalhes para debaixo do tapete (como a corrupção existente nos dois lados) em benefício de acordos coroados por cerimónias pomposas e mediáticas cuja execução posterior é sempre problemática.

Uma coisa é certa. A composição da Assembleia legislativa agora eleita é capaz de reflectir muito mais genuinamente o mal-estar dos palestinianos do que os abraços e beijos de uma qualquer cerimónia nos Estados Unidos.

A verdade é, às vezes, um bom ingrediente para o começo da solução de um problema. Foi chato e demorou tempo mas não funcionou connosco?

26 janeiro 2006

EM DEFESA DAS MINORIAS

Esta deve ser uma das expressões mais PC´s (politicamente correctas) da actualidade. Que me arrisco a estragar de seguida quando esclareço que a minoria a que me refiro é a das inglesas obesas que gostam e sabem fazer de comer.

A série de programas Two Fat Ladies, que entre nós passou apenas na TV Cabo, decorre numa imensidão de cozinhas por todo o Reino Unido, onde um par de senhoras, gordas, demonstra na prática que o gene da arte de bem cozinhar também existe, embora (muito) recessivo, na genética da cultura britânica.

O sucesso do programa vive muito da personalidade das suas duas protagonistas, especialmente da exuberância de Jennifer (a outra, mais discreta, chama-se Clarissa), a gorda morena que conduz a mota com side-car (é assim que elas se deslocam), com uns óculos de massa onde predominam umas lentes enormes que lhe ampliam os olhos até uma dimensão inusitada.

Quando Jennifer, que cozinha de unhas pintadas e anéis, num desdém manifesto pela assepsia de enfermagem das escolas tradicionais de cozinha, se vira para a câmara e se qualifica algum produto como sendo crispy (crocante) carrega de tal forma no r (crrrrispy), que quase faz o espectador ficar a saborear também a sua textura. Desta ou duma outra maneira, no fim do programa ficamos com uma sensação vaga de ter provado alguns dos cozinhados, sem saber bem como.

Sendo uma série de sucesso mundial que vai ao arrepio de um estereótipo (os ingleses não sabem cozinhar!), lembrei-me dela quando ouvi comentários críticos sobre a organização rígida, a pré-programação, o rigor dos horários de toda a campanha de Cavaco. Critique-se o homem à vontade mas não a (boa) qualidade da máquina que o rodeia.

Ou quer dizer que a tradicional rebaldaria portuguesa é virtude? Até pode servir para desculpar as desventuras da agora famosa maratona em canadianas de Sócrates* mas a desorganização e a falta de pontualidade não me parecem constar dos atributos do génio lusitano

* Segundo a versão oficial, foi por causa disso que começou a falar em simultâneo com Alegre.

25 janeiro 2006

CHAPEAU, MR. BARROSÔ!

A leitura de diferentes jornais franceses de vários quadrantes, permitem concluir que o Presidente da Comissão Europeia, Zé Barrozo, teve ontem um desempenho excelente num debate com os deputados franceses na sua Assembleia Nacional.

A minha satisfação é do mesmo estilo da que sinto por uma magnífica exibição do Cristiano Ronaldo num jogo do Manchester United, ampliada, evidentemente, pela seriedade do assunto tratado. Zé Barrozo é um emigrante português muito mais qualificado do que, por exemplo, o Pauleta, embora se arrisque a aparecer menos vezes nos noticiários do que o Figo aparecia, na sua época áurea.

Mas todos estes entretantos não me fazem esquecer, nem quero que as pessoas se esqueçam, da esparrela em que ele meteu o país, depois das promessas que fez e depois de quem ele deixou a substituí-lo.

Barroso, como os futebolistas, é um emigrante temporário, e gostaria que a nossa sociedade portuguesa lhe assegurasse uma recepção de fanfarra e banda idêntica (mesmo que seja no aeroporto da Ota) à que está certamente guardada para o nosso Alto-Refugiado das Nações Unidas.

Ainda se lembram dele? Era o que devia ter vindo às presidenciais mas afinal não veio… Voltando a Barrozo, tanto melhor se vai fazendo boa figura lá por fora. Agora se me der uma hipótese eleitoral de lhe dizer o que acho dele, digo…

THE DEER HUNTER


Ás vezes, nada nos parece tão difícil como verbalizar aquilo que nos parece óbvio perante alguém que ainda continua a argumentar, sem percebermos qual a proporção de burrice, qual a de má-fé.

O filme O Caçador (The Deer Hunter – 1978) tem uma cena onde se pode assistir a uma das melhores respostas a uma situação dessas. O personagem de Robert de Niro, introvertido mas exasperado, agarra num cartucho e diz para um dos seus amigos:
- Stanley, see this? This is this. This ain't something else. This is this... (Stanley, estás a ver isto? Isto é o que é. Não é outra coisa. É o que é...)

A simplicidade das coisas serem apenas aquilo que são, são uma virtude diante da profusão de textos explicativos e justificativos dos resultados eleitorais das eleições presidenciais de Domingo passado. Era de esperar que as houvesse dos analistas profissionais, a surpresa vem das análises daqueles que foram actores destacados e apoiantes engajados em todo o processo eleitoral.

Para extrair da análise dos resultados, há um grande vencedor, há os que ganharam alguma coisa, que normalmente se têm pautado pela discrição pós-eleitoral, e os outros, que têm produzido prosa vária e extensa, cujo teor do disparate tem variado numa razão directa com a extensão da prosa (Francisco Louçã, Joana Amaral Dias, Vital Moreira, Medeiros Ferreira, etc...). Ressalva feita à discrição de Mário Soares que mostra, mais uma vez, porque é que ele é que é o rei na sua corte.

Cavaco venceu uma eleição de onde, pelas características da eleição, só pode haver um vencedor. O vencedor foi ele. - Stanleys: this is this

24 janeiro 2006

VIVER NO CAMPO

Viver no Campo (Green Acres, no original) foi uma série cómica que passou na nossa televisão no início da década de 70. A história constava de um casal de nova iorquinos, um advogado bem sucedido e a sua mulher, que se mudava da grande cidade para uma aldeia remota, de nome Hooterville, onde quase todos os habitantes eram, por assim dizer, …peculiares.

Oliver Douglas, o advogado que se mudara, permanece ao longo da série como a referência do senso comum, enquanto o desempenho da esposa, Lisa Douglas, a cargo de Eva Gabor (uma dumb blonde* de catálogo), deixa-nos sempre na dúvida se o que vemos é o resultado do trabalho de representação ou se Eva Gabor aparece tal qual como é, porque nem tem elaboração para mais.

Há muitos para quem a eleição recente de Cavaco Silva é precisamente o inverso do enredo de Viver no Campo: um labrego que se muda para o Palácio de Belém. Há outros para quem um dos maiores motivos de preocupação é a sua esposa que, não tendo sido eleita, nem é, visivelmente, uma dumb blonde, tem um imenso potencial por onde pode contribuir para o enredo do Palácio de Belém nos próximos anos.

* Loura estúpida.

D. JOÃO V, O MAGNÂNIMO

No tempo em que se aprendia História de Portugal trauteando-a, havia um apêndice bizarro, a seguir ao nome e ordinal do rei, designado por cognome. Se, naquela altura, embora os decorasse, não compreendia a utilidade da maioria deles, hoje, continuo com a mesma opinião, reforçada com a convicção que há mesmo alguns cognomes que são um verdadeiro disparate.

D. João V era o magnânimo, embora fosse um exercício de contorcionismo verbal da parte do professor explicar onde se poderia ver na prática política do seu reinado a tal magnanimidade do soberano. Parece-me não ter sido nem um grande rei nem um sujeito simpático – tem é um cognome grandiloquente.

Parece que estamos em vias de ter um segundo magnânimo, na pessoa do Eng. José Sócrates, a fazer fé na notícia que, do PS, mandaram publicar na primeira página do Público*: Sócrates Impede Retaliação Contra Alegre.

Parece que Sócrates, o outro Magnânimo, deu ordens internas para que não haja retaliação contra Alegre. Parece que, obviamente, Alegre estaria sujeito a uma vendetta terrível por parte dos militantes socialistas depois de ter demonstrado eleitoralmente que ele tinha razão e o secretário-geral e os seus baronetes não.

Geralmente, no mundo racional, a superioridade moral pertence a quem tem razão e essa superioridade é acrescida quando isso é demonstrado na prática – Manuel Alegre, em dissidência, obteve um resultado bastante melhor do que o da candidatura oficial. A fazer fé na verdade daquela notícia, parece que o Partido Socialista não faz parte do mundo racional; ali, pelos vistos, impera a lógica da fidelidade canina e a disputa é por quem dá mostras da maior – e aí, Vitalino Canas tem sido a estrela em ascensão. Não há figura tristre a que ele não se preste no interesse do partido. Tenho até algumas ideias de mais alguns sacrifícios que ele poderá fazer pelo partido, não lhos posso é dizer assim num blogue...

Já ontem disse que desconfio que entre as hostes de Manuel Alegre ninguém sabe lá muito bem o que é essa coisa da cidadania – possivelmente é apenas o ar de um balão cheio de ruído e de retórica. Mas, como Sócrates terá obrigação de saber depois de Santana Lopes, estas situações avaliam-se comparativamente. E quando o partido dele abre a boca e diz coisas deste calibre, vem lá de dentro um mau hálito…

* Ou pensam que são só as televisões que interrompem os outros para passar a dar o primeiro-ministro a falar?

23 janeiro 2006

A FAMÍLIA EUROPEIA

Uma pequena viagem pela imprensa europeia de hoje dia 23 de Janeiro para analisar a recepção e os comentários feitos por essa Europa fora ao resultado das eleições presidenciais portuguesas de ontem é capaz de se revelar uma actividade interessante.

Assim em notícias de abertura (nem é preciso ser os maiores cabeçalhos), não as encontrei no El Mundo de Madrid, nem no La Vanguardia de Barcelona, nem no Le Monde parisiense, nem no Guardian londrino, nem no La Stampa de Itália. Coincidência entre os jornais europeus que regularmente consulto? Insignificância portuguesa?

Que raio! Eu bem sei que nós por cá não vibrámos entusiasmadamente com a recente disputa presidencial finlandesa e não me posso melindrar que as edições de Helsínquia nem mencionem o nome de Cavaco Silva. Agora entre vizinhos próximos a quem até damos tratamento de família (como os nuestros hermanos)? Nem uma cartinha, nem um postal?!

Se isto é família e se, por acaso, houver algum funeral próximo (como parece que está para acontecer em Espanha, mais o seu estatuto de autonomia da Catalunha…) aviso já que eu não vou…

AMADEUS

Amadeus é um filme de Milos Forman, de 1984, a propósito da vida de Mozart e que arrasou a concorrência desse ano. Houve algo de justiça poética na atribuição do Óscar para melhor actor desse ano a F. Murray Abraham, que desempenhara no filme o papel de Salieri, batendo inclusive, nessa competição, Tom Hulce, que contracenara consigo fazendo de Mozart.

Quanto mais o tempo passa mais se reforça a intensidade posta pelo desempenho do actor na personagem de Salieri, um mau da fita que afinal não seria tão mau quanto isso. Reconhece-se que o Salieri da história possuía a qualidade e o mérito de poder avaliar e compreender todo o talento genial para a composição de Wolfgang Amadeus Mozart, ao mesmo tempo que a sociedade contemporânea se mostrava cheia de pretensões mas vazia de conhecimentos.

Atinge-se mesmo o limite de uma cena em que Salieri dá mostras da honestidade intelectual de não se deixar embevecer pelos elogios do imperador aos méritos das suas composições – o mesmo imperador que detinha os cordões da bolsa de que dependeria o bem estar de Salieri e de Mozart.

Será talvez impressão minha mas, tendo eu chegado à blogosfera há pouco tempo e tendo, na minha infância e por razões que agora não vêm ao caso, mudado de escola por três vezes, sinto na atmosfera da blogosfera algo parecido com a sensação longínqua dos recreios de escola nova para onde me tinha mudado.

Como acontecia naquela época, tendo eu tido o privilégio de apreciar todo o cenário de fora, parece haver aqui, no mundo dos blogs, uns grupos constituídos de antemão, muito satisfeitos e muito cúmplices entre si, numa reciprocidade de scratch my back, i´ll scratch yours*. Subitamente, há blogs que despontam para a notoriedade e para a "excelência", apadrinhados por um círculo mais íntimo sem que eu consiga perceber razões objectivas para tanto alarde – para exemplo, veja-se a recente chegada à Júlio César do veni, vidi, vici** de Constança Cunha e Sá.

Não sei se sempre assim foi mas, sem pretender ser um émulo de Salieri, começo a formar a opinião que estamos a formar nesta blogosfera um retrato parecido ao do meu recreio infantil de outrora. É que, na minha humilde opinião, há blogues que considero muito bons e há blogs despropositadamente badalados. A maioria dos blogues que eu considero muito bons nem são dos mais badalados e, de entre os mais badalados, poucos são os que considero muito bons.

Matematicamente, a intersecção daqueles dois conjuntos daria um cardinal inferior ao dos dedos de uma mão…Não sei se a blogosfera seria como é se não se soubesse quem escreve aonde. Mas também sempre foi verdade que os testes cegos*** aos produtos deram sempre resultados surpreendentes…

* Coça-me as costas que eu coço-te as tuas (exp. inglesa)
** Cheguei, vi e venci (loc. latina)
*** Testes onde se desconhece a marca comercial do produto testado.

QUANTO MAIS LHE BATES…

O acontecimento menos ordinário (no sentido de normal) e mais ordinário (no sentido de vil) da noite eleitoral de ontem foi a sobreposição da conferência de Sócrates à de Manuel Alegre. E trata-se de um mundo demasiado cínico para se acreditar em coincidências ou na sinceridade dos pedidos de desculpa.

Alegre e a sua equipa bem agradeceriam que a malta de Sócrates lhes proporcionasse uma cena daquele mesmo género todas as semanas ou quinzenas daqui para diante. Nem lhes seria preciso explicar à população o que é isso da cidadania. Alegre, caçador que é, bem se poderia passear com a espingarda ao ombro e o milhão e cem mil votos à cintura para capitalizar (ainda) mais simpatia.

Conviria, para seu bem, que o séquito de Sócrates e talvez mesmo o próprio desçam do pedestal e comecem a compreender que eles próprios não são nenhuma grande espingarda: venceram as eleições de Fevereiro de 2005 contra alguém que é tonto, e que continua a demonstrar que é desesperadamente tonto…

Ora os desafios que têm pela frente não parecem vir a ser protagonizados por tontos…

22 janeiro 2006

OH SÔR SOARES… DESAPAREÇA!!!

Os resultados eleitorais destas presidenciais já permitem dar uma leitura, entre várias, que se poderá sintetizar numa paráfrase duma intervenção muito conhecida de Mário Soares durante uma das suas famosas presidências abertas.

Ao dirigir-se a um dos guardas que se estavam a esforçar por lhe servir de batedores desimpedindo o caminho (o que contrariava os objectivos de Soares, que pretendia demonstrar ao país e a Cavaco que estava tudo engarrafado), o furioso Presidente saltou do seu lugar no autocarro e invectivou o desgraçado do polícia: Oh sôr guarda… desapareça!!!.

Parece que desta vez foi o conjunto do eleitorado português, com uma atitude menos furiosa e, se calhar, menos emocional do que a que havia sido a de Soares naquele episódio, que resolveu dizer a Soares para desaparecer: Oh sôr Soares… desapareça!!! O que me parece um pedido injusto.

Injusto porque tanto Soares como o guarda estavam convencidos da bondade das suas actuações. Mas, dizem as más-línguas, que de boas intenções estará o inferno cheio. Mas é sobretudo injusto porque as carreiras, tanto de um como doutro, não se esgotam nem devem ser apreciadas apenas por estes episódios mais infelizes.



Mário Soares faz parte da iconografia do regime saído do 25 de Abril e será sempre um elemento, com todas as suas virtudes e defeitos, indissociável desse regime. Quando encabeçou a resistência civil ao PREC durante o verão quente de 1975 ou quando, como primeiro-ministro, reorientou todas as prioridades da politica externa portuguesa para a adesão à CEE, para apenas citar duas das suas responsabilidades mais emblemáticas.

É possível considerar que, no seguimento das acções anteriores e de outras, se firmou entre Soares e a sociedade portuguesa uma espécie de contrato de indulgência, concedida por esta última, que permitiu ao, caridosamente designado por, bochechas os passeios às costas do elefante mais o seu turbante laranja, os passeios em tartaruga ou as retemperadoras visitas de estado às ilhas Seychelles em pleno Dezembro.

Terá sido uma espécie de prorrogação desse contrato que Soares pediu em Agosto de 2005 e cuja resposta, de há muito adivinhada, se vê hoje escarrapachada. Mesmo Soares não a pode ignorar e, se tiver a ousadia de a desvalorizar, lançando suspeitas sobre a lisura deste acto eleitoral, estará apenas a agredir-se retroactivamente por toda a sua carreira política feita de vitórias e derrotas em actos eleitorais idênticos aos de hoje.

Mantendo a minha simpatia pela pessoa (se Soares não fosse Soares onde se perderia tempo com um post sobre um terceiro colocado numas eleições presidenciais?) não quero deixar de formular os meus mais empenhados votos pelo desmoronar da corte mais monárquica que rodeia o político português que mais vezes tenho visto reclamar-se do republicanismo.

Os cortesãos de Soares, que se dizem amigos dele mas onde nunca se notaram discordâncias sobre a condução das coisas no que diz respeito a esta aventura do MP3, onde, para mais, se notaram intervenções que ainda acirraram mais o mau estar e a antipatia gerada em relação ao candidato, quero deixar só uma mensagem para eles: que deixem o homem em paz e que mudem de manjedoura!

21 janeiro 2006

DESEMPATANDO PELO GOAL AVERAGE

Estando num país que não se orgulha do seu rigor científico – vide as polémicas recentes, associadas às fichas técnicas das sondagens publicadas pelos órgãos de comunicação social, num assunto onde, ainda por cima, existe uma parametrização obrigatória por lei – é maravilhoso vê-lo explanado nas páginas desportivas de um jornal e apercebermo-nos que não há nenhum que se atreva a publicar a tabela da classificação de qualquer campeonato de futebol (ou doutro desporto qualquer) sem que dele conste tudo o que de relevante lhe diz respeito, como os acompanhamentos do bacalhau cozido.

Pensando no assunto pela rama, suporia eu que os dados importantes se resumiriam a classificação ordinal (1º,2º,3º,etc.), o nome do clube e os pontos de cada clube (dado o campeonato ser uma competição por pontos). Em rigor, como os clubes jogam agora em dias desfasados, a inserção do número de jogos disputados poderia ainda dizer quem já jogou, quem está por jogar e ainda pode subir na classificação. Nada de mais enganador, esse pensamento.

Uma tabela classificativa à portuguesa, como o cozido do mesmo nome, leva tudo. O número ordinal, o nome do clube, o número de jogos disputados, número de vitórias, número de empates – vantagem ligeira aqui do basquetebol que não os tem – e número de derrotas, golos marcados, golos sofridos (ou pontos se for caso disso) e, finalmente, só então, a pontuação.

Vantagem desta pletora informativa? Para já, dá muito mais aspecto – veja-se a imagem acima, no cabeçalho deste poste. Dá a mesma imagem de rigor e seriedade que qualquer requerimento deste país deve ter; tem a mesma irrelevância funcional, porque normalmente, o primeiro critério de desempate para dois clubes em igualdade pontual é o resultado dos confrontos directos entre os dois, informação que não consta nem mesmo de uma tabela tão completa como esta. Só em caso de ainda se manter a igualdade se recorrerá ao número de golos marcados e sofridos, considerando a sua diferença ou, num outro sistema que até se diz em estrangeiro, apurando o seu goal average

Surpreendentemente as tabelas que os estrangeiros usam no estrangeiro são simplicíssimas e iguaizinhas às que descrevi no princípio deste post

20 janeiro 2006

A IMPORTÂNCIA DE SE SER IMPORTANTE POR RAZÕES A QUE SE DEVERIA TER DADO MAIS IMPORTÂNCIA NA DEVIDA ALTURA

Aqui há uns meses jantei com alguém que se considerava importante mas de quem eu desconhecia a importância. Reconhecendo posteriormente o equívoco, nem lhe atribuí qualquer importância, ou seja, sendo um equívoco de importâncias não era um importante equívoco.

Mas agora que eu lhe descobri importância, não no equívoco, mas na pessoa, não se trata da mesma importância de que se ufanava o meu conviva de há uns meses e suspeito mesmo que ele até bem dispensaria ter-se tornado importante pelas causas que lhe conferem esta nova importância acrescida.

Para mais quando me convenço que, e ele tem dado mostras de, ainda não ter compreendido as razões mais importantes que poderão estar por detrás desse seu novo estatuto indesejado de importância.

ÁLVARO CUNHAL: Uma Biografia Política – 3

Comentários Soltos

Sem ter a pretensão de estar a fazer uma recensão, mas esperando que se reconheça a honestidade da opinião expressa, tanto mais por ser contra toda a correcção política do momento, confesso que o término da minha leitura do 3º volume da biografia política de Álvaro Cunhal, escrita por Pacheco Pereira, foi feito em esforço.

De salientar que esse esforço foi muito suavizado porque o autor escolheu terminar o livro com o episódio, sempre aliciante, da evasão dos presos de Peniche. Mesmo assim, o cerne do livro, abrangendo a década de 1950-60, acabou por se me tornar penoso, também pela obrigatoriedade, imposta ao autor, de contornar de algum modo a figura de Álvaro Cunhal, que esteve preso durante todo esse período.

Gostaria, contudo, de ser bem claro, não estou a pôr em causa os méritos científicos do livro – nem tenho pretensões a ter as habilitações para o fazer – mas a evidenciar, de antemão, a minha perplexidade perante a popularidade e o sucesso editorial que o livro tem representado.

Quero ressalvar que, se assim é, tanto melhor para José Pacheco Pereira, mas parece-me evidente que o esmiuçar das minudências da actividade da oposição portuguesa ao longo de toda a década não me parece constar entre as curiosidades mais prementes da sociedade portuguesa contemporânea. Como não devem ser, num exemplo alternativo, a apresentação dos resultados eleitorais de todas as eleições da monarquia constitucional da segunda metade do século XIX – e, mais uma vez, não está em causa a extrema importância científica de um estudo desse tipo. Mas suspeito que, neste exemplo, nem mil exemplares se venderiam.

O livro é todo um universo de nomes e pormenores duma parte do Portugal daquela época que eu adivinho pequena e restrita, muito restrita. E a visão desse país e desses clãs quase se torna claustrofóbica. Por exemplo, não me lembro de ver o nome daquele que foi o Presidente da República durante a maior parte da época considerada (Craveiro Lopes, 1951-58) citado por três vezes que fosse ao longo de todo o livro. E é um nome que, naquela época e em termos de notoriedade, apenas rivalizaria com o de Humberto Delgado, de entre todo o elenco da oposição.

Para dar uma ideia de escala seria interessante justapor aos números de circulação do Avante, o doutras publicações contemporâneas daquela época (Diário de Notícias, O Século, etc.), para se ter uma ideia da proporção entre o que é retratado e as massas populares que, pela sua inércia ou omissão, poderiam ser consideradas apoiantes objectivas de Salazar. Mas também é verdade que Pacheco Pereira nunca se propôs dar uma configuração popular à história que narra.

Tive ocasião de assistir a uma apresentação do livro feita pelo seu autor. Uma das formas como justifica a escolha do tema (Álvaro Cunhal e o PCP), e desmontar as perguntas constantes sobre essa escolha, é feita contrastando com as opções de alguns contemporâneos seus, que preferiram optar pelo Estado Novo como tema e a quem não se perguntam as razões para a sua (deles) escolha. O que é bem verdade.

Mas também é verdade que essas outras obras não têm nem uma fracção do sucesso editorial que a biografia política de Álvaro Cunhal representa. Talvez a pergunta não seja para ser colocada a José Pacheco Pereira e se ponha doutra forma: porquê este sucesso social deste tema “Álvaro Cunhal e o PCP”? Ou será só "Álvaro Cunhal", sem PCP?

Também é bem verdade que a reacção corporativa vinda da área do PCP (numa época de todas as reacções corporativas) é, pelo menos, indiciadora que a abordagem de Pacheco Pereira se torna incómoda e concorrente num tema que sempre esteve a bom recato com os guardiães da mitologia do partido. Mas, por si, não é convincente que o gosto por uma polémica dessas seja a causa maior deste sucesso de vendas.

Em suma, falando do livro, não o apreciei por aí além mas confesso que me intriga o mistério do seu sucesso editorial como já aconteceu, de resto, noutros casos e noutras ocasiões, como, por exemplo, com “O Erro de Descartes” de António Damásio. Sei, por experiência própria, que há uma significativa distorção entre os livros que se compram e os livros que se lêem…

Mas, contrariamente ao caso de Damásio, onde me desinteressei por qualquer outro livro do mesmo autor, consigo antever que, provavelmente, irei comprar o volume seguinte da Biografia, se José Pacheco Pereira o escrever. Razões? As mesmas que me levaram a ver consecutivamente muitos filmes de Woody Allen à espera daquele que me iria mesmo encher as medidas. Até hoje...

19 janeiro 2006

O DIA EM QUE AS BRs PASSARAM À CLANDESTINIDADE…

Na vaga de surgimento de partidos que ocorreu depois do 25 de Abril, alguns houve que se destacavam pela originalidade, como foi o caso do PRP-BR. Era original por causa da sigla, composta, que se traduzia pelo acrónimo de Partido Revolucionário do Proletariado – Brigadas Revolucionárias. Mais nenhum partido tinha uma sigla com aquele tracinho; havia imensos com M-Ls entre parêntesis, havia mesmo o vetusto MDP/CDE, mas aquele tracinho na sigla principal era mesmo um exclusivo PRP-BR.

Depois havia o símbolo, onde uma enxada e uma chave-inglesa, com o significado dos operários e camponeses do costume, eram encimadas por um punho erguido fechado, segurando uma pseudo metralhadora estilizada que não se percebia bem como dispararia visto que não se via nenhum gatilho. Mas era uma ostentação do poder armado muito original, mesmo no Portugal de 1974.

Finalmente, outra originalidade era a liderança, conjunta, de Isabel do Carmo e Carlos Antunes, numa época em que a alternativa ao dirigente único tradicional eram os colectivos revolucionários. A atenção dada aos dois líderes era de tal forma excessiva que um cidadão comum nem conhecia mais nenhum membro do partido, o que levou ao aparecimento posterior de uma anedota, maldosa: ele era o PRP e ela a BR. Talvez não andasse muito longe da verdade.

Sabe-se hoje que muita da sua capacidade de influência vinha do facto de, durante o PREC, gravitarem na corte existente à volta de Otelo Saraiva de Carvalho. Mas o seu slogan a propósito das eleições constituintes (abaixo) continua poderoso: Não às eleições burguesas! Sim ao Poder popular! Contudo, faltava-lhe a imaginação, por exemplo, do Boicote activo à farsa eleitoral! usado pelo MRPP, também afastado daquelas eleições.
Posso precisar que terá sido no caminho progressivamente mais acelerado que levou ao climax do PREC ocorrido a 25 de Novembro de 1975, que, num belo dia qualquer (a 23 de Outubro), o PRP anuncia, com o maior estadão possível (com os militantes mascarados de capuzes), e põe os órgãos de comunicação a difundi-lo, que as BR se tinham separado do PRP e passado à clandestinidade, com o objectivo de treinar e armar os trabalhadores

Deve ter sido uma das melhores cenas gagas do PREC, só possível porque se estava no PREC... Qual é a racionalidade de uma organização formada umas dúzias de militantes anunciar estrondosamente que uma parte deles pretende tornar-se clandestino, condição essa que requer a maior discricionariedade? Faziam-no porque, naquelas circunstâncias caóticas, ninguém (nenhum serviço de informações, entenda-se) estaria com pachorra para ir atrás dos clandestinos?

Este último episódio associou-se-me às desventuras que antecipo que alguns comentadores profissionais terão de defrontar por estes dias até ao rescaldo das eleições presidenciais.

Sendo Portugal um país onde todos esses comentadores têm simpatias políticas, mas onde não se quer romper a tradição de se endossar e de se comprometer com algum candidato (excepção feita ao exemplo de Francisco José Viegas, de saudar), é possível, senão provável, que uma grande maioria dos apoiantes inconfessados de Soares (António José Teixeira, Mário Bettencourt Resendes, Luis Osório,...) irão, nos próximos dias, fazer como as BR e passar por uns dias à clandestinidade…

17 janeiro 2006

JACQUES TATI

Sempre tive a impressão que as comédias de Jacques Tati eram mais apreciadas socialmente do que o eram de facto. Parecia que o humor nesses filmes padecia do mesmo problema da competência na capacidade de ver o vestido mágico do famoso conto de Andersen. Também aqui, parecia haver um atributo de inteligência a quem dissesse que os apreciava e quem tivesse posição contrária perdia-o.

Agora que os filmes de Tati passaram para DVD, acho que consegui finalmente perceber uma das razões para esse acanhamento e essa falta de popularidade: a banda sonora. As bandas sonoras dos seus filmes são isso mesmo e só isso: bandas sonoras. Embora jogando frequentemente com a comicidade auditiva das situações retratadas, o que lá está é o que existe no real, sem aditivos.

E a nossa dependência dos efeitos sonoros que nos ensinem a sentir aquilo que é suposto sentirmos a cada momento de cada filme, nomeadamente as famosas gargalhadas enlatadas dos telefilmes que nos induzem a acompanhar o preciso momento do riso, podem deixar-nos, quando eles não existem como nos filmes de Tati, na situação desconfortável da liberdade de rir ou de não rir das piadas que vão aparecendo no ecrã.

Como as rodinhas das bicicletas das crianças que estão a aprender a andar, é uma sociedade cada vez mais tutelada, com cidadãos cada vez mais dependentes de tutela, aquela que parece andarmos a construir.

Se nos ajudam a seleccionar os momentos cómicos de uma série televisiva, como nos podemos surpreender que não nos considerem suficientemente habilitados para julgarmos por nós mesmos um debate político televisivo?

Se alguma tendência antevejo, é para um parcelamento cada vez maior dos ditos debates, para mais compromissos publicitários, comentários intercalares dos comentadores do costume e, sei lá, talvez mesmo repetições em câmara lenta…

VIVÁ MADONNA! VIVÓÓ!!!!!

Se os blogues da blogosfera fossem os canais da TV Cabo tenho que dar razão a Medeiros Ferreira nos Bichos-Carpinteiros: está tudo a dar política. Mas uma fracção apreciável dos canais da TV Cabo também andam a repetir ad nauseam o clip da Madonna.

Para desenjoar vou desenterrar outra história, velha, também do tempo da outra senhora, quando os Presidentes da República faziam publicitadíssimas viagens ao ultramar como forma de manifestação da soberania portuguesa sobre as colónias.

Às comissões de honra encarregues do acolhimento a sua excelência (os brancos) há que juntar os muitos populares (os negros) ao longo do trajecto que vinham de longínquas paragens manifestar-lhe o seu apreço.

Na prática, um soba, um régulo, um mais velho, ficava encarregue de soltar os vivas da praxe sob a supervisão artística discreta do administrador de posto. Acontece que dessa vez o mais velho era mesmo muito velho e lá se confundiu sobre o nome de presidente que era preciso gritar.

- Vivá Carmona! E a malta em uníssono: Vivóó!!!!!
E aproximava-se a comitiva com sua excelência, o Almirante Américo Thomaz… E o velho de novo:
- Vivá Carmona! Vivóó!!!!!

E o administrador de posto, a ver a sua carreira a andar para trás e a ser transferido para um rincão ainda mais perdido, aproxima-se do velho e murmura-lhe em surdina, de um jacto, irritadíssimo:
- Viva Tomás, seu filho da puta…
- Vivá Tomás, seu filho dá puta! Vivóó!!!!!
- Vivá Tomás, seu filho dá puta! Vivóó!!!!!*


Os tempos mudaram e, no mercado discográfico, os administradores de posto de outrora chamam-se agora produtores. E a medida do seu sucesso deve ser medida, não pelo entusiasmo dos vivóós, mas pelo número de vezes que se consegue passar uma música na rádio ou um clip na televisão.

Regressando ao início deste texto, ainda não tinha prestado a devida atenção ao verdadeiro massacre em que todo o processo se transforma depois da multiplicidade de canais da TV Cabo. Então até atinge um climax quanto ele é protagonizado por uma artista a quem eu atribuo tão pouco talento como Madonna, ainda para mais a cantar onde se notam adaptações de músicas dos Abba, velhas de 30 anos.

Tanta repetição do mesmo clip torna-o chato, muito chato, imensamente chato. É como se fossem Testemunhas de Jeová a bater-nos incessantemente à porta, mas como os canais são muitos e transmitem todos o mesmo, também houvesse ainda outras mais, às janelas, asinhas borboleantes, para nos falarem todas do reino de Deus…
* Esta parte mais colonialmente nostálgica era para dedicar a uma angolana branca que eu espero que não arme uma maca por causa disso...

16 janeiro 2006

SVEN GORAN ERIKSSON

Nos idos tempos do Dr. Salazar, por altura do golpe palaciano falhado de Botelho Moniz (1961), circulava uma quadra maldosa, que associava esse evento a outro, ocorrido por essa mesma altura: uma (a primeira) condecoração a Amália Rodrigues.
Rezava então assim a dita quadra:

Neste país de disputas,
Onde há disputas a mais,
Condecoram-se as putas,
E fodem – se os generais!

Esta evocação serve apenas para realçar que nem a, mais tarde, hiper idolatrada Amália Rodrigues se livrou da má-língua caseira tradicional portuguesa e para reforçar ainda mais o enorme mérito de alguém como Sven Goran Eriksson, que atravessou o mundo sempre em briga do futebol português e dele saiu com uma enorme aura de respeito geral. Da parte dos benfiquistas mas, com a distância do tempo, também dos adeptos dos outros clubes.

Só não posso ser taxativo na unanimidade porque não sei o que poderão pensar de Eriksson algumas pessoas aparentemente equilibradas como, por exemplo, Miguel Sousa Tavares. Sempre que associamos futebol, FC Porto e Miguel Sousa Tavares pode acontecer tudo e é preferível fazer como no totobola: pôr tripla.

Em Inglaterra, depois de ter começado a treinar a selecção é que Eriksson parece ter ganho um outro tipo de amigos. Entre os tablóides britânicos já lhe tentaram arranjar um caso de um envolvimento seu com uma secretária da federação inglesa de futebol e, mais recentemente, forjaram-lhe uma armadilha, com um convite para ele fosse ao Médio Oriente, falar com um falso emir num iate que pretenderia investir no futebol inglês e gravando-lhe toda a conversa.

É o tipo de artigo de jornal que deve ter custado uma pipa de massa (viagens de avião, estadias de hotel, aluguer do iate, etc.) e penso estar muito para além do questionável do ponto de vista deontológico. Mas de todo o episódio, seja qual for o desfecho, penso ser possível extrair duas conclusões.

A primeira é a que, tendo tudo isto decorrido na civilizadíssima Inglaterra, tem de haver mais contenção nas críticas que se fazem à nossa imprensa. Se o News of the World é o progresso, então eu sou retrógrado. Suspeito que o 24 Horas ainda não tentou levar Souto Moura às meninas para o fotografar de calças na mão...

A segunda, na eventual hipótese de todas aquelas manobras contra Eriksson terem algum fundo de xenofobia por ele ser sueco, são um reforço no incentivo às atitudes de José Mourinho. No fim ele há-de ser cilindrado pelo mesmo tipo de malta como a que preparou a armadilha a Eriksson. Até lá, assiste-lhe todo o direito de os humilhar...
Ganda Mourinho!

14 janeiro 2006

O ECLIPSE LUNAR

Havia uma história antiga, dos princípios do século passado, onde um capitão emitia uma ordem para uma formatura extraordinária na parada, durante a noite, para que as suas tropas presenciassem um eclipse lunar, acompanhado por uma explicação científica do oficial sobre o fenómeno. Em caso de tempo nublado, a ordem ficava sem efeito.

Transmitida pelo capitão ao sargento, deste aos furriéis, depois aos cabos e posteriormente aos soldados, ficou entre estes a impressão que o nosso capitão se preparava para fazer um eclis às tropas, se as nuvens deixassem.

Filha da época e denunciadora de uma sobranceria pelas classes baixas do mais politicamente incorrecto pelos padrões actuais, a história não anda assim tão distante do que os órgãos de informação da actualidade fazem às vezes, quando simplificam ao absurdo a informação que produzem.

Noutro dia, o Ministro das Finanças alertou, num programa televisivo, para o colapso futuro do sistema da segurança social (que inclui as diversas pensões e também todo o tipo de subsídios – desemprego, casamento, nascimento, funeral, abono de família) se ele não fosse reorganizado. No dia seguinte, lendo vários órgãos de comunicação social, aquelas afirmações estavam empacotadas numa ameaça do fim de todas as pensões de reforma para daqui a dez anos…

Há coisas que têm mesmo de ser tratadas com sobriedade e com rigor. Dando um exemplo e regressando à astronomia, não adianta organizar um referendo a perguntar se “concorda que a Terra gire à volta do Sol?”. Os votos discordantes são estupidamente supérfluos…

Ceterum censeo*, quando é que se sabem as contas públicas? – diria Catão.

* por outro lado.

TÁXIS*

Os Táxi foram um conjunto que apareceu com a erupção do rock português do início dos anos 80, com a consistência da pedra-pomes: sólida de aparência e muito levezinha lá por dentro. Tiveram vários hits no primeiro álbum chamado Taxi, outros flops, no álbum seguinte, Cairo, e, no ano seguinte, eram sobretudo glups, porque já ninguém estava interessado no que editavam.

Táxi também já se tornou um insulto rodoviário corrente que nós, os condutores amadores, dedicamos a uma das corporações mais castiças de Portugal. É tão castiça que, se houvesse que mudar as cores da bandeira nacional eu proporia passar do verde-rubro actual para o verde-preto do táxi tradicional. Há quem diga que é dentro desses táxis, com os profissionais mais tradicionais que se travam as conversas mais interessantes que existem neste país - qual Ana Sousa Dias, qual carapuça! Quando, antes e durante o Europeu de 2004, via passar táxis desses com a bandeira nacional da praxe até as achava redundantes.

Por falar em Euro 2004, lembro-me de umas acções da fiscalização económica, feitas em antecipação mas de surpresa, em preparação ao acolhimento da onda de turistas que nos viria visitar. Houve duas acções, incidindo aleatoriamente sobre 5 profissionais cada, portanto 10 no total, onde se descobriram 7 situações com irregularidades. Sabiamente, dado o mau aspecto que a coisa levava, interromperam-se as acções, submetendo-as ao tema “os estrangeiros que vierem que se desenrasquem”. É de louvar que a Associação profissional da classe (ANTRAL) tenha esclarecido que os casos encontrados representariam apenas uma minoria dos associados. Estariam possivelmente a referir-se aos 30% que estavam regulares, porque ainda não estavam bem impregnados do espírito de classe.

Deve ser possivelmente também por causa de todo este prestígio granjeado pela classe dos taxistas que a palavra táxi tem sido associada ao Dr. Isaltino Morais que, não sendo taxista, tem um sobrinho que o é. É verdade que tem havido um certo cepticismo sobre a prosperidade que a profissão pode proporcionar em países distantes como a Suíça. Mas também se demonstrou que o sobrinho tem muita amizade e confiança no tio.

Controvérsias à parte, o que importa é que, tendo Isaltino Morais argumentado que se candidatava ao Concelho de Oeiras porque nada havia de juridicamente concreto contra ele, justifica-se que agora tome uma atitude (demitir-se, talvez...), visto agora haver e já ter sido constituído arguido. Suspeito é que as probabilidades de que isso aconteça sejam iguais às de que um taxista, depois de ter feito alguma asneira no meio do trânsito, baixe o vidro e nos peça desculpa…

* Com os meus agradecimentos ao Pedro Cabral pela sugestão.

13 janeiro 2006

FERNANDO PESSOA MULTIFUNÇÕES

Aqui há uma boa dúzia de anos, senão talvez mais, o Independente fez uma entrevista das clássicas a uma socialite, Kukas, de seu nome de guerra, onde a excelsa senhora se safou de todas as perguntas que tivessem um cheirinho assim a mais exigente atirando Fernando Pessoa para a frente. O livro favorito? A Mensagem de Fernando Pessoa. O escritor? Fernando Pessoa. O poeta? Obviamente Fernando Pessoa…

Em suma, para aquela senhora, Fernando Pessoa estaria para o espírito assim como a faca eléctrica/ descaroçador da TV Shop das 4 da manhã está para as frutas. Trata de todas…

Este aspecto multifacetado da mesma resposta ocorre-me quando visito os blogues ultraliberais de alguns colegas de blogosfera, onde o mercado, o tal de famoso mercado, deixa de ser a solução para uma maioria dos problemas económicos para ser a solução mágica para tudo, mas mesmo tudo.

É que eu até posso aceitar que se diga que a água benta de Lurdes tem propriedades milagrosas para todos os achaques ou que o tempo cura todos os desgostos de amor, só que quem isso diz não tem quaisquer pretensões ideológicas, nem está a pretender ser levado a sério…

12 janeiro 2006

BICHO "TRAPAÇEIRO"

É no minímo curioso, e talvez contraditório, a forma como o colega José Medeiros Ferreira do blogue dos Bichos Carpinteiros deu agora em escrever postes que terminam frequentemente com perguntas.
É que isto acontece depois dele e dos seus colegas terem decidido extinguir a caixa de comentários do seu blog. Sendo assim estará a fazer as perguntas a quem, aos leitores? E que fará, quem lhe quiser responder?
Ou Medeiros Ferreira nem estará interessado nas respostas e tratar-se-á apenas de um mero exercício de estilo? Uma encenação de debate em que possa demonstrar toda a sua categoria?
Ou, mais maldosamente ainda, será que Medeiros Ferreira considerará pouco os leitores do seu blogue, completando assim a sua imagem de cortesão, subserviente para com os que considera estar por cima, prepotente para os que estarão em baixo?
De qualquer forma (também nisto) dá muito mau aspecto...

VITÓRIA, VITÓRIA!


Continua surpreendente a capacidade de Jorge Coelho negar as evidências a propósito da forma como a campanha presidencial tem decorrido. Ainda bem que o Pinóquio é personagem de ficção, senão há muito que algum companheiro da Quadraturadocírculo já se teria aleijado com a proeminência do seu nariz. Tem é que se lhe arranjar uma farda assim como esta aqui ao lado, com bóina e tudo, para ele a vestir nas celebrações do próximo dia 22.

11 janeiro 2006

¡¡AL SUELO!!

Vale a pena seguir o que se está a passar em Espanha, a propósito das atitudes e das consequentes sanções impostas a um general, Mena de seu nome, como consequência das declarações deste último a respeito da promulgação de um novo estatuto para a Catalunha.

A Espanha compartilha com Portugal e mais alguns países mediterrânicos (pense-se nomeadamente na Grécia e na Turquia) a característica de serem sociedades que têm fortes precedentes históricos da intervenções militares na política.

Se no caso dos dois países mais orientais, sobretudo por causa da sua rivalidade mútua, existem motivos evidentes para fundamentarem, perante a sociedade, o financiamento generoso do orçamento da defesa e o prestígio da instituição militar, no caso dos dois países peninsulares a evolução tem sido bem diferente, com o abaixamento progressivo dos problemas relacionados com a segurança e defesa nas prioridades nacionais.

De qualquer forma, ambos os países possuem um passado pesado no que concerne à intervenção de militares na actividade política. Atitudes e acções que, noutros países e circunstâncias, seriam de rejeitar, por impensáveis, são aqui passíveis de serem levadas muito a sério.

O problema para a classe dos militares, sobretudo as suas chefias, como em Portugal se tem visto repetidamente, é que o poder político já sabe como lidar com eles nessas circunstâncias: em linguagem de poker, o líder político paga para ver e a ameaça do chefe militar acaba sempre por se revelar um bluff. Neste caso, a melhor forma do Ministro da Defesa espanhol lidar com a situação é a de fechar o general em casa, ignorar o carnaval das declarações das associações dos militares na reserva e na reforma e dizer que no pasa nada.

Tenho dificuldade em imaginar chefes militares responsáveis que se arrisquem a ficar com o ónus de desencadear golpes de estados ou manobras militares que possam conduzir a guerras civis, dentro do quadro actual da União Europeia, por causas que nunca porão em causa, expressa e directamente, a existência dos estados que servem.

Por isso, por muito que me engane e por mais folclore que ainda haja, não antecipo nenhum outro tenente-coronel que entre subitamente por uma Câmara de Deputados para os mandar deitarem-se…

CUBITUS & Cia.

Um dos grandes problemas da teoria económica refere-se à forma de repartição dos custos dos bens e serviços públicos. Será que quem os paga é quem deles beneficia? Não sendo, há alguma preocupação social de redistribuição da riqueza no ciclo pagador-beneficiário? Enfim, perguntas e respostas sem fim para a resolução do problema, por exemplo, da minha quota-parte do pagamento da iluminação da minha rua ou da manutenção do jardim da esquina.

Mas há outros serviços públicos, proporcionados, muitas vezes involuntariamente, pela vizinhança, e que contribuem para a alegria de quem por ali mora. Podem ser as pernas bonitas de uma das vizinhas, um velhote baixinho com um andar patusco que mora ali ao lado, os lulus ridículos da velhota dali da frente ou os monólogos eloquentes e exuberantes do senhor que mora mais adiante.

Aqui pelas redondezas há um senhor que tem um enorme São Bernardo com o qual sai frequentemente a passear. De chapéu de feltro, grande, gordo, entroncado, a cara enfeitada por um bigode pujante a culminar suíças generosas, a cara do senhor parece-se um bom bocado com a do cão e o ar digno e plácido com que ambos se passeiam conjuntamente pode dar espaço a especulações.

Ainda hoje estou para descobrir quem é que é dono de quem ou se, alternativamente, os dois funcionam num regime cooperativo. O serviço público à comunidade é prestado pela bonomia e satisfação transmitida pela parelha a quem passa, que não pode deixar de se sorrir com a semelhança, quer fisionómica, quer de atitude, entre ambos. Enfim, é apenas um pequeno momento de felicidade a escapar às definições de qualquer teoria económica rebuscada.

09 janeiro 2006

CATCH ME IF YOU CAN

Este é o título de um dos mais recentes filmes de Steven Spielberg e poderia servir para titular e ilustrar a posição de Joaquim Pina Moura a propósito dos comentários que se sucedem a respeito da sua acumulação de funções como deputado e à frente da Iberdrola.

O filme conta a história de um vigarista particularmente habilidoso (Leonard diCaprio) que passa a maior parte do filme a idealizar e a realizar esquemas enquanto procura iludir o FBI até vir a ser finalmente apanhado. À americana, passa a ser bonzinho e a ajudar a polícia…

Ora, na opinião de Pina Moura, segundo ele próprio diz, numa reportagem ao Público de hoje, a ética da Republica é a ética da lei. Ou seja, como os conceitos de ética podem ser de uma plasticidade surpreendente – lembremo-nos da do protagonista do filme de Spielberg – parece estamos diante uma forma mais inteligente e mais sofisticada do tradicional a consciência não me acusa de nada.

Já sabemos que as consciências portuguesas são de muito boa qualidade, muito amigas do dono ou da dona, não o (a) costumam acusar de nada. Vejam-se os casos de Isaltino Morais, Valentim Loureiro ou Fátima Felgueiras – algumas são de tal qualidade que até se exportam temporariamente para o estrangeiro.

Mas Pina Moura está numa posição bem melhor do que a do Bando dos Quatro das Autárquicas. Aquilo de que o acusam, pulhice ou não, não contraria a lei e daí o desafio que eu tornei implícito às suas palavras: apanhem-me se puderem…

A resposta compete à classe política, aos seus colegas do parlamento, aos seus camaradas do partido – a propósito, quem o convidou para deputado?

É que se aplaudem veementemente relatórios céleres onde os responsáveis parecem ser responsabilizados pelas suas acções, como aconteceu recentemente com o episódio da bebé em Viseu. Mas esse aplauso não resiste a (mais) um episódio de casa de ferreiro, espeto de pau

07 janeiro 2006

O EX-MINISTRO QUE DEVE TER PERDIDO ALGUMAS AULAS NA FACULDADE

É a este senhor da fotografia, Carlos Tavares, que costumo rogar regularmente umas pragas, cada vez que vou abastecer o carro. A ele devo o facto de os mostradores da bomba se mexerem da forma que o fazem.

Quando Carlos Tavares foi ministro da economia do governo daquele senhor que esteve em Portugal em trânsito para o estrangeiro, foi o responsável pela implementação de uma medida que anunciou pomposamente: a liberalização do preço dos combustíveis.

Anunciada dessa maneira, devíamos ter ficado todos contentes, até parecia que a medida era favorável aos consumidores, com as distribuidoras e as gasolineiras a baixarem os preços para atraírem a clientela. Mas isso seria o que aconteceria num mercado em concorrência perfeita – a essa aula Carlos Tavares deve ter ido.

Só que o mercado da distribuição dos combustíveis tem uma meia dúzia de operadores, onde, por isso, se aplicam as regras de formação de preços de um oligopólio – no dia em que essa aula foi dada, Carlos Tavares deve ter feito gazeta. Em síntese, o que isso quer dizer é que, havendo poucos produtores, torna-se fácil explicita ou tacitamente chegar a um preço que os beneficie a todos em detrimento dos consumidores.

A prová-lo, poder-se-á verificar o histórico da evolução dos preços dos combustíveis quando em comparação com os da matéria-prima de origem (petróleo) desde a famosa liberalização. Sucinta e sinteticamente: quando o preço do barril de petróleo sobe, o do combustível sobe, quando o preço do barril de petróleo desce, o do combustível… não sobe. Por isso, caro leitor, já sabe a quem agradecer: o mercado dos combustíveis está muito mais livre e a sua carteira está muito mais leve.

Recentemente, parece que Carlos Tavares foi escolhido por Teixeira dos Santos para lhe suceder à frente do órgão de fiscalização da Bolsa de Valores. Considerando as preocupações sociais que Carlos Tavares deu mostras na sua anterior passagem pelo executivo, não me surpreenderia nada que amanhã houvesse lugar a uma liberalização da distribuição de dividendos:

Os grandes accionistas recebê-los-iam, os pequenos… não.

05 janeiro 2006

FRANCISCO LOUÇÃ

Creio existir uma peça, Os deuses têm sede, passada durante o período do terror da revolução francesa, onde um personagem referindo-se profeticamente a Robespierre diz que ele, sendo virtuoso, ao chegar ao poder tornar-se-á terrível. É uma expressão recorrente que nos surge sempre que observamos Francisco Louçã – há quem prefira a comparação com Savonarola, uma analogia diferente, mas com um retrato psicológico muito semelhante. Louçã nunca deve rir. Este sorriso nesta fotografia tem tudo de photomaton. Nem deve achar piada às piadas. Pode ser que as considere uma perda de rigor, se calhar é mesmo como Cavaco, nem sequer tem cócegas. Só faz rir involuntariamente, quando produz afirmações bem para além das fronteiras da seriedade, como aconteceu recentemente, ao afirmar que a disputa à esquerda da primeira volta das presidenciais se fazia entre ele e Soares. Por isso, o resto do poste será sério. Como já alguém disse, Louçã pode ser o mais novo dos candidatos presidenciais em disputa, mas não é certamente o mais inexperiente. Quando se estreou nas andanças políticas, um dos maiores dilemas de Cavaco era a língua inglesa e Jerónimo ainda devia saber afinar máquinas. É reconhecível que, sem lhe querer retirar mérito, Louçã sempre foi razoavelmente bem quisto entre a comunicação social. Sabia-se que tinha sido um aluno brilhante, que havia ganho um Prémio nacional em 1973. Curioso é que, sendo um prémio anual, a comunicação social nunca se tenha lembra de dar destaque idêntico a outros vencedores*. São pormenores como esses, num pequeno partido de extrema-esquerda radical, que se tornam fundamentais para a sua sobrevivência política; lembre-se a diferença, para a UDP, entre Acácio Barreiros (que tinha piada e uma boa imprensa) e o seu sucessor, Mário Tomé (que não tinha nem uma nem outra). A ascensão do partido trotskista de Louçã deu-se ao longo da década de 80. Era de bom tom entre os partidos verdadeiramente revolucionários concorrer às eleições burguesas com listas onde os candidatos se alinhavam alfabeticamente, numa manifestação de algum desprezo pelo processo. Mas no partido de Louçã essa regra era quebrada excepcionalmente para lhe dar o lugar de cabeça de lista, reatando-se depois a sacrossanta ordem alfabética. Na remota hipótese de alguém ser eleito, seria Louçã. Esteve quase para acontecer em 1991. Louçã foi o primeiro candidato a ficar de fora, à beira da eleição, mas como houve um boicote eleitoral numa freguesia, poderia haver a hipótese de, com uma votação maciça no seu partido nessa freguesia, desalojar um dos candidatos do PSD. E foi ver Louçã, um dos mais revolucionários, a dissuadir a população da freguesia de repetir um gesto verdadeiramente revolucionário – um boicote eleitoral – e a pedinchar, qual mísero político burguês, uns votos para um assento parlamentar. O povo deu a Louçã a verdadeira resposta revolucionáriamarimbou-se para ele – mas, no campo dos princípios que tanto evocava e repetia, o episódio foi particularmente esclarecedor. Só passados oito anos, com uma bem montada agregação da extrema-esquerda à volta de um novo nome (Bloco de Esquerda) e um novo símbolo (um verdadeiro restyling), é que Louçã se tornou finalmente deputado. É agora uma teoria tentadora ver nesta fase da ascensão final de Francisco Louçã uma coreografia de uma grande disputa entre si e Paulo Portas, como duas faces da mesma moeda. São coreografias testadas, que o povo e, por arrasto, a comunicação social adoram: foi Simone de Oliveira e Madalena Iglésias, Joaquim Agostinho e Fernando Mendes, Mário Soares e Álvaro Cunhal, Carlos Lopes e Fernando Mamede… Só Louçã poderia ter calado Portas (porque o calou…) na famosa discussão sobre o direito à vida, porque Portas nunca teria a certeza onde terminaria a acutilância de Louçã numa escalada argumentativa entre os dois. Como Portas também não tem qualquer pejo em esmigalhar com o senso comum a argumentação politicamente-correcta-irrealista de Louçã. Inteligentes, ambiciosos e implacáveis, o script de Louçã na comunicação social tem sofrido pela ausência do seu compére, momentaneamente retirado. Mas se tivesse de fazer apostas para a política portuguesa da próxima década, há que contar com aqueles dois. É que eles são dos que nem precisam dizer que vão andar por aí… 

* Por exemplo, quantos saberão que a Ministra da Ciência do Governo de Santana Lopes (Graça Carvalho) foi a vencedora do mesmo Prémio no ano anterior (1972)?

04 janeiro 2006

UM ANJO NA PASTA DAS FINANÇAS

Há coisa de dois meses (a 11 de Novembro, para ser preciso), referi aqui as minhas dúvidas sobre as intenções da proposta em que o BCP se propunha vender o seu fundo de pensões ao Estado por 4 mil milhões de euros, passando os seus trabalhadores para o regime geral da segurança social.

Aquelas dúvidas surgiram, não por algum estudo técnico que tenha efectuado, antes pela intuição de, desconhecendo o enredo da peça, conhecer a personalidade do artista. Pelos vistos, o Tribunal de Contas veio agora publicitar que fez as contas por mim, ao avaliar economicamente o impacto de operações semelhantes feitas pelos governos de Durão Barroso e de Santana Lopes.

Sempre esteve latente na nossa sociedade que havia uma espécie de necessidade que o ministro das finanças de qualquer governo se contasse entre os mais técnicos e menos políticos do elenco. Era como que uma chancela de confiança – não nos contaria as aldrabices costumeiras de político. Essas expectativas talvez ainda sejam uma herança perversa do tempo de Salazar…

O que este estudo do Tribunal de Contas nos vem demonstrar é que já não há desses anjos: as decisões de Manuela Ferreira Leite e de Bagão Félix foram de índole política pura e dura e tomadas numa óptica de curtíssimo prazo, para desenrascar. Acessoriamente, parecem ter realizado um péssimo negócio para o Estado, cujos interesses na altura os dois representavam…

Só é estranho ter de se demorar dois anos para se atingirem estas conclusões. É que cada vez se estranha mais as notícias que se comentam e, sobretudo, quando se comentam. E, em rigor, as medidas até podem ser defensáveis. Será que a saída destas notícias, a propósito dos seus antecessores e nesta altura, servirá para amenizar as outras notícias (talvez não muito favoráveis...), sobre a execução orçamental de 2005, já da responsabilidade do actual ministro, Teixeira dos Santos?

É que os tais anjos parecem ter já ido todos pró Céu…

03 janeiro 2006

AINDA A EDELWEISS


Entre as imagens que mundialmente caracterizam Viena e a Áustria, contam-se os tradicionais concertos de 1 de Janeiro, os Concertos de Ano Novo. Para muitos, entre os quais me conto, tornaram-se uma rotina da quadra, tão previsível como os restos da ceia de Natal que teimosamente persistem na mesa sem voluntários para os comer.

Os Concertos em si são uma evocação nostálgica, da época em que Viena era a sede de um poder Imperial importante na Europa e talvez seja o paralelo com a nossa nostalgia da idade em que o Natal verdadeiramente nos entusiasmava uma das razões do seu sucesso.

Afinal, a quadra Natalícia parece despertar-nos emoções diferentes. Não foi Eduardo Prado Coelho, num acesso nostálgico singularmente chineleiro, que nos confessou, recentemente, que não perdia um Natal dos Hospitais?

Tudo isto vem a propósito da transmissão que a RTP fez este ano do dito Concerto de Ano Novo. Programou-o para começar a umas aprazíveis 1H30 da madrugada; quando desisti, às 2H30, a orquestra começava os primeiros compassos do Danúbio Azul

Eu até posso perceber que seja difícil encontrar uma grelha de programação que a todos satisfaça. Agora, considero insultuoso que a RTP transfira para as 1H30 da manhã qualquer programa que eu queira ver, com o intuito de me consolar. Eu não me consolo.

Aquelas horas são as típicas de um espectador que até com a demonstração um prático e útil descascador de caroços de mangas se contenta – o instrumento faz muitas outras coisas mais mas isso agora não interessa… Ou então qualquer coisa bem soporífera para a dor de dentes ou a insónia – será com esse propósito terapêutico que passará o Concerto de Ano Novo?

Se não, então considero um insulto. Que bem gostaria de poder retribuir. Seria àquela mesma hora, e em minha casa, que eu gostaria de pagar o meu ínfimo contributo para o tradicional défice de exploração da RTP, suportado por todos nós. Ah, e faria questão de que fosse o presidente da RTP, Almerindo Marques, a ir recebê-lo.

Chato, mas justo.

02 janeiro 2006

EDELWEISS, EDELWEISS*

O cartaz aqui representado é o original que acompanhava as exibições de Música no Coração, quando ele passava no Cinema Tivoli, anos a fio (lembro-me de publicitarem que se estava na 77ª semana de exibição – cerca de ano e meio), com a audiência, de uma média etária superior ao habitual, a ver e a rever o filme, cantando as suas canções (aliás, o cartaz a isso mesmo incentivava).

Por detrás da história da Maria e da família Von Trapp estava uma outra, a que a Áustria contava para si e para o mundo sobre a forma como se relacionara com a anexação e com a sua inserção no Reich alemão. A verdade era, como costuma ser, muito mais complexa do que a edelweiss (a flor que simboliza a Áustria) a ser espezinhada pelas botas nazis.

A descoberta do desempenho de Kurt Waldheim, Presidente da República e antigo Secretário-Geral da ONU, enquanto jovem oficial das forças encarregues da repressão aos guerrilheiros jugoslavos durante a 2º Guerra Mundial, apenas representava um exemplo de uma descomunal visibilidade de imensos exemplos de uma sociedade que não conseguia ter a consciência tranquila.

A mesma Viena, a mesma sociedade vienense que albergava Simon Wiesenthal e a sua organização de caçadores de antigos nazis, fora a mesma que deixara passar, sem alarde, o extermínio da sua comunidade judaica, de que Wiesenthal fizera parte.

A Áustria moderna já não é essa Áustria, obrigatoriamente neutral por causa da Guerra-Fria. É muito mais descomplexada, em assuntos que apenas se sussurram na Alemanha, como a extrema-direita de Haider. Talvez por isso, talvez também por ter uma irmã mais velha com muita força (Alemanha), tem-se permitido virar-se a alguns dos grandes da União (França), o que estes devem pensar ser um mau exemplo para países de média dimensão, como o nosso.

Alguém, maldosamente, classificou os austríacos como alemães-que-têm-paciência-para-lidar-com-eslavos. Que é que eles nos reservarão durante o semestre da sua presidência?

* O título é trauteável… Uma homenagem à minha cunhada que positivamente adora este filme.

DA DENTADURA DE MEU AVÔ

Tenho que reconhecer que tem faltado densidade intelectual e profundidade poética àquilo que por aqui tenho postado; nada de profundo, como as evocações de Jorge Luís Borges, o poeta argentino, aos seus antepassados portugueses: «Nada ou bem pouco sei dos meus maiores/Portugueses, os Borges: vaga gente/ Cumprindo em minha carne, obscuramente, /Seus hábitos, rigores e temores/»

Penitenciando-me, lembrei-me de recuperar uns versos de meu pai, escritos a troçar da intenção, nunca concretizada, de seu sogro passar a usar uma dentadura em substituição da dentição que tinha… desaparecido. Aprecio-os sobretudo pelo ritmo e pelas rimas:

Tudo esquece, tudo passa,
Mas recordo uma promessa,
De meu sogro, ao vir da missa:
Dentadura, linda, grossa,
Vou pô-la logo que não tussa!

Eu bem sei não ter já graça,
Mas passou-me pela cabeça,
Cometer a injustiça,
De sorrir e fazer troça,
De tão célebre dentuça!