Sem ter a pretensão de estar a fazer uma recensão, mas esperando que se reconheça a honestidade da opinião expressa, tanto mais por ser contra toda a correcção política do momento, confesso que o término da minha leitura do 3º volume da biografia política de Álvaro Cunhal, escrita por Pacheco Pereira, foi feito em esforço.
De salientar que esse esforço foi muito suavizado porque o autor escolheu terminar o livro com o episódio, sempre aliciante, da evasão dos presos de Peniche. Mesmo assim, o cerne do livro, abrangendo a década de 1950-60, acabou por se me tornar penoso, também pela obrigatoriedade, imposta ao autor, de contornar de algum modo a figura de Álvaro Cunhal, que esteve preso durante todo esse período.
Gostaria, contudo, de ser bem claro, não estou a pôr em causa os méritos científicos do livro – nem tenho pretensões a ter as habilitações para o fazer – mas a evidenciar, de antemão, a minha perplexidade perante a popularidade e o sucesso editorial que o livro tem representado.
Quero ressalvar que, se assim é, tanto melhor para José Pacheco Pereira, mas parece-me evidente que o esmiuçar das minudências da actividade da oposição portuguesa ao longo de toda a década não me parece constar entre as curiosidades mais prementes da sociedade portuguesa contemporânea. Como não devem ser, num exemplo alternativo, a apresentação dos resultados eleitorais de todas as eleições da monarquia constitucional da segunda metade do século XIX – e, mais uma vez, não está em causa a extrema importância científica de um estudo desse tipo. Mas suspeito que, neste exemplo, nem mil exemplares se venderiam.
O livro é todo um universo de nomes e pormenores duma parte do Portugal daquela época que eu adivinho pequena e restrita, muito restrita. E a visão desse país e desses clãs quase se torna claustrofóbica. Por exemplo, não me lembro de ver o nome daquele que foi o Presidente da República durante a maior parte da época considerada (Craveiro Lopes, 1951-58) citado por três vezes que fosse ao longo de todo o livro. E é um nome que, naquela época e em termos de notoriedade, apenas rivalizaria com o de Humberto Delgado, de entre todo o elenco da oposição.
Para dar uma ideia de escala seria interessante justapor aos números de circulação do Avante, o doutras publicações contemporâneas daquela época (Diário de Notícias, O Século, etc.), para se ter uma ideia da proporção entre o que é retratado e as massas populares que, pela sua inércia ou omissão, poderiam ser consideradas apoiantes objectivas de Salazar. Mas também é verdade que Pacheco Pereira nunca se propôs dar uma configuração popular à história que narra.
Tive ocasião de assistir a uma apresentação do livro feita pelo seu autor. Uma das formas como justifica a escolha do tema (Álvaro Cunhal e o PCP), e desmontar as perguntas constantes sobre essa escolha, é feita contrastando com as opções de alguns contemporâneos seus, que preferiram optar pelo Estado Novo como tema e a quem não se perguntam as razões para a sua (deles) escolha. O que é bem verdade.
Mas também é verdade que essas outras obras não têm nem uma fracção do sucesso editorial que a biografia política de Álvaro Cunhal representa. Talvez a pergunta não seja para ser colocada a José Pacheco Pereira e se ponha doutra forma: porquê este sucesso social deste tema “Álvaro Cunhal e o PCP”? Ou será só "Álvaro Cunhal", sem PCP?
Também é bem verdade que a reacção corporativa vinda da área do PCP (numa época de todas as reacções corporativas) é, pelo menos, indiciadora que a abordagem de Pacheco Pereira se torna incómoda e concorrente num tema que sempre esteve a bom recato com os guardiães da mitologia do partido. Mas, por si, não é convincente que o gosto por uma polémica dessas seja a causa maior deste sucesso de vendas.
Em suma, falando do livro, não o apreciei por aí além mas confesso que me intriga o mistério do seu sucesso editorial como já aconteceu, de resto, noutros casos e noutras ocasiões, como, por exemplo, com “O Erro de Descartes” de António Damásio. Sei, por experiência própria, que há uma significativa distorção entre os livros que se compram e os livros que se lêem…
Mas, contrariamente ao caso de Damásio, onde me desinteressei por qualquer outro livro do mesmo autor, consigo antever que, provavelmente, irei comprar o volume seguinte da Biografia, se José Pacheco Pereira o escrever. Razões? As mesmas que me levaram a ver consecutivamente muitos filmes de Woody Allen à espera daquele que me iria mesmo encher as medidas. Até hoje...
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