Por muito que me irrite e frustre a resposta que tenho para dar à pergunta (enviesada) de João Miguel Tavares, tenho que reconhecer que, colectivamente, todos sabemos intimamente que, tivesse Miguel Alves permanecido na Câmara de Caminha, e este escândalo, que tanto indigna João Miguel Tavares, nunca teria sido escândalo, i.e., assim promovido na opinião publicada. Não tivesse Miguel Alves vindo para o governo há apenas mês e meio e a «história edificante» - na descrição do opinador, com o qual concordo totalmente no desprezo que ele manifesta pelas habilidades do protagonista - a «história», escrevia eu, nunca teria chegado às narinas de José António Cerejo, que só é um grande jornalista de investigação quando o abastecem de material. E é ai que «a porca torce o rabo». Há um ditado popular português que é mais citado do que entendido: ou há moralidade ou comem todos. E aqui «a moralidade» seria o exercício cívico de denunciar a profusão de ilegalidades que se suspeita - com algum fundamento - que ocorrerão nas 300(!) autarquias deste país. Mesmo nas irregularidades que são denunciadas, como é o exemplo recente da de Montalegre, não se costuma dar o ênfase suficiente aos anos de impunidade que precederam a denúncia dos escândalos: «...a detenção do presidente da câmara não apanhou ninguém de surpresa» - é o que se lê em título. Por outro lado, o que descredibiliza o panorama é haver uma selectividade de denúncias em função das inimizades políticas e pessoais (neste caso em concreto, não me surpreenderia nada que a denúncia tivesse saído de um rival local do PS...), ou então a selectividade das denúncias estabelece-se em função da atractividade mediática do denunciado. Ainda na semana que passou, houve uma notícia que nomeava um conjunto de seis autarcas vários acusados pelo MP do crime de prevaricação, mas os cabeçalhos iam todos para o nome... de Isaltino Morais (por aí se vê que os jornalistas é que sabem do que o povo gosta...). Em suma, quem quer prestar atenção a todos estes episódios de irregularidades e corrupção nas autarquias - que, desconfia-se, chegariam para encher páginas quotidianas - não pode levar a sério aqueles que aparecem porque se percebe haver uma selectividade nas denúncias. E quem os quer levar a sério - como aparentemente será a intenção acima de João Miguel Tavares - ... não deveria, porque é uma parte diminuta e distorcida das denúncias das irregularidades autárquicas. E é aqui que eu tenho que reconhecer, embora contrariado, que António Costa agora, mas os presidentes dos executivos em geral em Portugal, no passado, se podem marimbar para estes exercícios de indignação moralizadora, como este que agora é protagonizado mais acima por João Miguel Tavares. É que o escândalo mais escandaloso parece ser o escândalo do momento; mas é comprovado que depois aquilo passa depressa... E é que eu estou mesmo a imaginar António Costa a parafrasear Harry Truman sobre um ditadorzeco de uma república centro americana e a respeito deste Miguel Alves trazido de Caminha para a capital: «É um aldrabão? Mas é um dos nossos aldrabões.» Um aldrabão dos do Costa, não dos meus, que não tenho preferências...
Adenda de dia 7 de Novembro: Toda a argumentação supra assentava no pressuposto que o visado se iria manter calado, hirto e firme como uma barra de ferro, naquela descrição inolvidável do professor Alexandrino, hipnotizador. Mas não: Miguel Alves saiu a terreiro, ontem deu uma entrevista à TSF em que tentou defender o indefensável, gesto que veio alterar as minhas premissas do problema. Como diz o outro: fizeram-lhe cócegas, ele riu-se, agora vai-se foder... e eu não tenho pena.
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