Domingo, 8 de Novembro de 1942, foi um dia destinado a ser histórico: pela primeira vez, os Estados Unidos envolveram-se de uma forma directa no Grande Teatro de Operações da Europa no decurso da Segunda Guerra Mundial. Fizeram-no desembarcando forças suas em conjunção com os britânicos no Norte de África, numa mega-operação anfíbia designada por Operação Torch, cuja intenção era desembarcar um pouco mais de 100.000 homens nas colónias francesas da Argélia e de Marrocos (mapa acima). Enquadradas na Operação Torch estavam previstas algumas operações mais específicas para o controlo de objectivos especiais como portos e aeroportos. Havia, por exemplo, a Operação Terminal, uma acção naval destinada a conquistar intacto o porto de Argel e havia também a Operação Villain, destinada à captura dos aeródromos de Tarafaoui e de La Sénia a Sul da cidade argelina de Orão, operação que tinha a particularidade de ser a primeira acção de combate dos paraquedistas norte-americanos. Seria uma Operação que poderia ter sido a gloriosa percursora de muitas outras executadas pelas tropas aerotransportadas norte-americanas, depois e ainda hoje transformadas em unidades de elite do exército norte-americano,… mas não foi.
Embora destinados a tornarem-se em várias dezenas de milhares até ao final do conflito, os pára-quedistas norte-americanos em finais de 1942 eram ainda muito poucos. As forças disponíveis para a Operação cingiam-se a 556 homens pertencentes ao 2º batalhão do 509º Regimento de Paraquedistas (acima), comandado pelo major Edson D. Raff, que embora já colocados em Inglaterra, prosseguiam ainda o seu aperfeiçoamento operacional naquele país. Os aviões de transporte eram 39 C-47, os melhores aviões de transporte da época. Mas tudo o resto que se relacionava com a Operação eram problemas nascidos da falta de experiência. O ritual que acompanhou o embarque, onde havia instruções específicas de como arrumar os artigos pelos bolsos dos uniformes de salto – dois lápis no bolso peitoral esquerdo, o papel higiénico no das ancas, do lado direito, uma máquina de barbear com quatro lâminas no bolso imediatamente abaixo, o da coxa, as quatro granadas regulamentares nos bolsos do casaco – condena-se mais pela atitude do que pelo rigor, tentando organizar aquilo que a experiência viria a demonstrar depois ser imprevisível. Outros erros, porém, eram mais fácil e mais directamente identificáveis.
Descolando da Península da Cornualha no Sudoeste de Inglaterra, os C-47 teriam que fazer um percurso de 1.800 km, correspondente a cerca de 9 horas de voo, cuja primeira parte seria a afastar-se das costas de França sob controlo alemão para depois atravessar a Baía da Biscaia e a Espanha teoricamente neutral (mas tendencialmente pró-alemã) até atingirem o objectivo (veja-se o trajecto acima ampliando o mapa). Além do entorpecimento, as condições não seriam as melhores para os passageiros, a 10.000 pés de altitude em cabines não pressurizadas. Além disso, como a autonomia do C-47 ronda os 2.500 km, os aparelhos nunca poderiam regressar a Inglaterra, ficava por resolver o problema do seu destino na eventualidade de os paraquedistas não conseguirem capturar em tempo útil os seus objectivos ou se a Força Aérea francesa deixasse as pistas inutilizáveis. Para sete aviões o problema nem se chegou a colocar porque se dispersaram durante a penosa travessia de Espanha, tendo um – o sortudo desse grupo – vindo a aterrar na Base britânica de Gibraltar, outros dois em Fez, no Marrocos francês, que era suposto ser invadido nesse mesmo dia, mas a partir do mar e em Casablanca (ver mapa inicial), e ainda mais quatro que aterraram no Marrocos espanhol neutral, onde as tripulações e os 57 paraquedistas ficaram internados nos três meses que se seguiram.
Mas, se os outros 32 C-47 chegaram à Argélia, o melhor resultado foi obtido por um grupo de três, onde se contava o do comandante do batalhão, que conseguiu acertar com o aeródromo de La Sénia… para serem acolhidos com fogo preciso de artilharia anti-aérea francesa que os impossibilitou lançar os pára-quedistas. A maior concentração de transportadores, mais de uma dúzia e ainda com os pára-quedistas a bordo, acabou por vir a formar no grande lago salgado de Sebkra d’Orão, onde alguns C-47 desorientados que o sobrevoavam se foram reunindo… até atraírem a atenção da aviação francesa que os veio atacar naquele aeródromo improvisado. O major Edson D. Raff que, recorde-se, ainda estava no ar, tentou salvar a honra da unidade, saltando em primeiro lugar do seu avião quando decidiu atacar pela retaguarda uma coluna militar que se aproximava ameaçadoramente da concentração de aviões do lago salgado. Caiu mal, fracturou algumas costelas, e estava doloridamente a cuspir sangue quando descobriu que a ameaçadora coluna militar era afinal norte-americana… As outras tripulações e outros pára-quedistas iam entretanto aterrando desgarrados pela Argélia e por isso sendo feitos prisioneiros pelos franceses. Os pára-quedistas restantes do 509º só alcançaram o aeródromo de Tafaraoui no dia seguinte em camiões, cortesia da 1ª Divisão Blindada dos Estados Unidos.
Com a Operação Villain aprendeu-se imenso mas foi um estrondoso fracasso. Goza do duvidoso privilégio de nem sequer ser mencionada autonomamente na Wikipedia, ao contrário de outros fiascos equivalentes registados naquela mesma altura em Operações anfíbias (Reservist e Terminal), que foram depois promovidas a gloriosos fracassos, através daquele segredo que a Royal Navy sabe tão bem preservar. Com menos pompa mas mais objectividade, na Operação Villain, além de não se ter conseguido atingir nenhum dos objectivos, um balanço efectuado três dias depois constatava que só 14 dos 39 C-47 utilizados permaneciam operacionais. O desgaste humano, incluindo a viagem de nove horas a temperaturas gélidas, fora muito superior: só restavam 15 paraquedistas aptos para nova missão. Só mesmo os mais curiosos conhecem esta alvorada tão pouco auspiciosa das operações aerotransportadas norte-americanas.
Sem comentários:
Enviar um comentário