01 janeiro 2010

TV NOSTALGIA – 46

Observando agora à distância, tenho que reconhecer que, por muito que a televisão portuguesa há 30 ou 40 anos dependesse imenso das produções norte-americanas (embora talvez menos do que hoje…), aquilo que aqui passava era sujeito a um certo escrutínio, dando uma imagem demasiado benigna do que era realmente a sociedade do outro lado do Atlântico. O período da Administração Carter (1977-81) muito contribuiu para apresentar ao Mundo uma outra verdade mais verdadeira sobre ela. Já mencionei aqui a série Hill Street Blues e hoje escrevo sobre um programa contemporâneo a esse que se intitulava That´s Incredible!
Antes de explicar o que é que era incrível vale a pena ver como era a apresentação do programa, um modelo exuberante com o público em estúdio a bater palmas e disposto a exibir todo o seu entusiasmo – era um indiscutível antepassado longínquo de concursos como o O Preço Certo que a RTP passa actualmente com a apresentação de Fernando Mendes. Contudo, o É Incrível! precisava, incrivelmente, de 3-apresentadores-3: um bonitão (John Davidson), uma bonitona (Cathy Lee Crosby*) e um feioso porém popular (Fran Tankerton), virtude essa que escapava aos telespectadores portugueses que não seguiam o futebol americano…
Quanto ao conteúdo do programa propriamente dito, aquilo que se exibia para arrancar exclamações de incredibilidade do telespectador americano médio ia desde um prosaico engolidor de espadas até àqueles desportos motorizados muito radicais que implicavam que se saltasse a toda a velocidade por cima de ou se chocasse contra (riscar o que não interessa…) uma pilha de sucata de carros… e tanto pior para a reputação intelectual do povo que liderava o Mundo livre. Contudo, aquilo que tornava o programa mais castiço e ainda hoje memorável para mim não era nenhuma dessas proezas arrojadas mas uma mera frase que, ocasionalmente, aparecia no ecrã…
Em todas aquelas proezas arriscadas do âmbito da magia e do circo que envolviam a manipulação de facas, engolir espadas, contorcer corpos e até apanhar uma bala no ar com os dentes, aparecia um aviso em rodapé, reforçando a recomendação prévia do apresentador: Do Not Try This Yourself (Não tente fazer isto em casa). Era uma indicação que se temia que houvesse entre a audiência original quem fosse ou muito ousado e/ou muito estúpido… Conheço quem ainda hoje use aquela famosa frase com sentido irónico na sua actividade profissional. Gostaria de adivinhar quantas das pessoas que sorriem ao ouvi-la conhecem a sua origem e o seu significado…
(*) Muito mais tarde, Cathy veio a revelar que, logo num dos primeiros programas, recebera uma nota da produção, que ela depois classificara ironicamente como o memorando dos mamilos, que a informava que a produção consideraria aceitável se ela aparecesse no ar sem soutien... o que ela recusou.

4 comentários:

  1. Com sentido irónico ou não, caro António Teixeira, essa frase/aviso é muito importante para tentar evitar que algumas crianças mais entusiasmadas ou alguns adultos mais infantilizados se deixem levar pela tentação de experiências perigosas a que o instinto de imitação conduz o espectador. Não é por acaso que havia no Dep. de Programas Infantis da RTP (e julgo que só desta!) psicólogas atentas a estes pormenores.

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  2. a) Aquele não era um programa infantil

    b) O aviso não era dedicava especificamente às crianças, mas a toda a audiência

    c) A maioria dos truques em que o aviso era mostrado eram de uma sofisticação tal que nem estariam ao alcance de uma criança com a idade mental em que ainda não distinguem a realidade da fantasia

    Vendo de uma perspectiva inversa, e recorrendo aos adolescentes ou aos adultos infantilizados a que se refere, acha que será o aviso que irá dissuadir, por exemplo, um grupo deles de fazer surf no capot de um carro a 120 km/h numa auto-estrada, conforme viram fazer no programa?

    O que a afixação daquele aviso me parecia indício era de uma sociedade muito conflituosa do ponto de vista legal, e a sua inserção era preventiva para qualquer complicação posterior a esse respeito, não qualquer preocupação social dos produtores com os efeitos do programa na sua audiência mais estúpida, como sugere.

    Afinal, trata-se de um país onde uma velhinha certo dia de inverno quis aquecer o seu gatinho e usou o forno micro-ondas... e depois ganhou o processo contra o fabricante porque o livro de instruções não excluía expressamente a sua utilização em animais vivos.

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  3. Eu não disse que aquele era um programa infantil mas referi esse "segmento" como exemplo de um público especialmente influenciável. A referência aos cuidados da RTP servia apenas para sublinhar isto e passar uma informação a propósito.

    A tendência dos espectadores (não de todos, certamente) para imitarem o que vêem na Televisão não existe apenas nas crianças - entre crimes e suicídios há várias histórias reais associadas a programas e filmes, sendo que nestes casos os actores são adultos. Isto é, a confusão entre a relidade e a fantasia não ocorre apenas na mente das crianças.

    Talvez os adultos não tentem fazer surf numa auto-estrada..., mas aqui está um bom exemplo das fantasias praticadas por adultos, a auto-estrada de que são conhecidas várias notícias de jovens conduzindo em contra-mão.

    Quando fala em "complicação posterior" creio que fala do mesmo que eu, uma vez que é, além do mais, para salvaguardar consequências legais que a RTP faz ou fazia esses avisos.

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  4. É essa presunção de que fala, que o público é influenciável e que a produção do programa assume como indiscutível que marca toda a diferença e que, sendo então (em 1980) novidade, era chocante porque tratava o auditório - todo - com uma condescendência a que muitos espectadores - eu - não estavam habituados.

    Enfim, não me parecia - e não me parece... - muito congruente com a prática de então das locutoras de continuidade se nos dirigirem tratando-nos por "senhores telespectadores"...

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