02 janeiro 2010

O IRÃO POR DETRÁS DOS VÍDEOS DE TELEMÓVEL

Por detrás das proclamações grandiloquentes e do voluntarismo para o martírio anunciado pelo dirigente oposicionista iraniano Hossein Mousavi, há que ter em consideração quanto a contestação urbana e estudantil com que o poder iraniano se tem estado a defrontar e que tem estado a ser (bem) gerida para ter projecção no exterior do Irão através das filmagens dos telemóveis (acima), é capaz de ser apenas uma parte dos problemas com que se estará a defrontar o regime iraniano. As autoridades islâmicas parecem estar a responder aos contestatários em espécie, com manifestações ainda maiores que as da oposição, mas o que parece estar a escapar ao jornalismo menos informado é que esta coreografia é uma discussão entre persas. E então os outros?

Estamos acostumados a pensar no Irão como um estado nacional de mais de 70 milhões de habitantes, mas isso está muito longe da realidade. Os povos que o compõem há muito tempo que convivem juntos mas isso não torna o Irão num estado nacional. Nem sequer a atitude oficial iraniana de escamotear o facto o resolve, proibindo que a questão seja avaliada nos recenseamentos, o que conduz a que as estimativas da constituição da população iraniana sejam extremamente variadas, estimando-se, por exemplo e conforme a fonte, que o núcleo central constituído pelos persas propriamente ditos possa constituir entre 47 e 67% da população total do Irão. O que nos deixará as minorias, mesmo assim, com uma estimativa mínima de 30%, mais de 20 milhões de pessoas…
As minorias distribuem-se sobretudo pelas zonas fronteiriças do Irão e são tão distintas entre si como o podem ser dos persas. Há os azeris (talvez 13 milhões) e os turcomenos (1 milhão), que dispõem de estados nacionais do outro lado da fronteira, o Azerbaijão e o Turquemenistão; e há curdos (quase 6 milhões) e balúchis (1,5 milhão) que não dispõem desses estados nacionais, sendo minoritários de todos os lados das fronteiras, com a Turquia e o Iraque, no primeiro caso, com o Paquistão e o Afeganistão no segundo. O grau de integração dessas minorias na República Islâmica também pode ser variável: o dos azeris, sendo xiitas, pode ser maior (o pai do Aiatolá Ali Khamenei, por exemplo, era azeri) do que curdos, balúchis e turcomenos que são, na sua grande maioria, muçulmanos sunitas.

Os grupos étnicos têm as suas elites e bases políticas e nem os soldados dessas causas autonomistas e independentistas têm aparecido nas manifestações de Teerão, nem os seus generais se têm pronunciado publicamente sobre o que ali está a acontecer. Atendendo ao que aconteceu na História recente do Irão isso pode até nem ter importância no que à disputa do poder central diz respeito: os grandes momentos revolucionários da manutenção do Xá (1953) e da sua queda (1978), foram questões exclusivamente persas disputadas em Teerão. Mas a novidade estratégica em relação a esses tempos da nitidez da Guerra-Fria é que os vizinhos do Irão contíguos às regiões onde predominam as minorias, mostram-se agora mais instáveis do que nunca: Iraque, Afeganistão, Paquistão, Azerbaijão, Arménia,…
Entretidos com as vizinhanças iraquiana e afegã, a comunicação social mundial – ou seja, a dos Estados Unidos… – nem tem reparado como o Irão tem vindo a ser arrastado para conflitos de baixa intensidade em duas das suas regiões fronteiriças: o Curdistão e o Baluchistão. Paradoxalmente, em qualquer dos dois casos haverá fortes indícios do envolvimento dos serviços secretos norte-americanos, apesar da obtusidade dos seus compatriotas da informação: num artigo saído recentemente na revista Time, o título destaca os problemas no Baluchistão paquistanês, mas a verdadeira notícia do artigo é o ataque por guerrilheiros balúchis a uma cidade fronteiriça iraniana, provocando 41 mortos, incluindo alguns oficiais superiores do destacamento local dos pasdaran(*).

Se tivesse acontecido com exércitos ocidentais o incidente teria aparecido nas primeiras páginas(**) dos jornais! No outro extremo do Irão, existe a guerrilha curda que está organizada num movimento denominado PJAK. Neste caso, o apoio dos norte-americanos tornou-se muito mais pusilânime depois de os Estados Unidos terem invadido o Iraque e terem de se responsabilizar também com a solução do problema do Curdistão iraquiano. Contudo, a cobertura dada aos estragos causados pelos guerrilheiros do PJAK (abaixo) representa uma mera fracção ao que acontece com os que são provocados pelos do PKK do lado turco da fronteira. O regime islâmico está a travar guerras contra-subversivas nas suas bordas mas o que a comunicação social mundial nos destaca são as batalhas que ele trava nas suas ruas…
É evidente que, comparando o vídeo inicial dos manifestantes com este final dos guerrilheiros, o primeiro é muito mais gráfico e causará muito mais impacto… Mas o que não se deve fazer, e cada vez mais se faz na informação mundial, é confundir a relevância do que se filma com a estética do que é filmado…


(*) Exército dos Guardas da Revolução Islâmica, organização militar de elite.
(**) Fazendo um paralelo para o nosso caso antes de 1974, teria sido necessária a intervenção rigorosa da censura para conseguir abafar a embaraçosa notícia que, em qualquer um dos três teatros africanos, teria havido uma força de guerrilheiros que havia atacado uma povoação onde houvesse um aquartelamento sede de um batalhão e tivesse conseguido abater alguns oficiais…

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