18 janeiro 2010

LOCAIS REMOTOS – 2 (ILHAS KERGUELEN)

Quando Júlio Verne escreveu em 1874 A Ilha Misteriosa, localizou-a no Sul do Pacífico e numa latitude (as suas coordenadas eram 34° 57′ S, 150° 30′ W) em que fosse plausível a existência de um clima temperado com um ritmo de estações que fossem muito semelhantes às da Europa (onde residiam a esmagadora maioria dos seus leitores) ou da América do Norte (de onde eram oriundos os heróis da aventura). O exotismo dava-se porque, devido ao hemisfério, o Verão era em Janeiro, e o Inverno em Julho.
Para que a ilha (mapa acima) pudesse ter permanecido desconhecida até então, estava afastada das rotas marítimas praticadas, para que pudesse ter a variedade geológica, de fauna e flora que Verne lhe atribuía, apesar da pequenez (250 km²), o autor fazia dela o afloramento de um antigo continente entretanto submerso e para resolver o problema do destino político da ilha numa época de um imperialismo galopante que disputava todos os palmos de terra do Mundo, destruía-a no fim, através de uma erupção explosiva.
As Ilhas Kerguelen são o que mais se assemelhará a essa ilha misteriosa produzida pela imaginação de Júlio Verne. E, por coincidência, as ilhas até têm a mesma nacionalidade do imaginativo autor das histórias de antecipação. E pouca gente terá ouvido falar delas porque estão localizadas muito longe de todas as rotas marítimas tradicionais, só tendo sido descobertas em 1772, pelo navegador/aventureiro que lhes veio a dar o nome, Yves de Kerguelen, um corsário em tempos de guerra, mas descobridor nos tempos livres…
Contudo, as Kerguelen não se situam no Oceano Pacífico mas sim no Índico e a uma latitude 15º mais a Sul do que aquela que Verne concebera para a sua ilha misteriosa (49° 20′ S, 69° 20′ E). O seu clima é mais agreste do que o imaginado por Verne, embora com a mesma variação de temperaturas pouco significativa: temperaturas de Verão (Janeiro) rondando os 11ºC de Máxima e de Inverno (Julho) os 0ºC de mínima. É pouco atractivo para um local que se situa a mais de 3.000 km de terras habitadas (Austrália ou África)...
Em contrapartida, as Kerguelen são muito mais extensas. Com 7.215 km² de área total, a sua ilha principal (Grande Terre), com 6.675 km² (92% do total), tem uma dimensão que é equivalente à do Distrito de Santarém (e muito maior do que qualquer das ilhas dos Açores ou Madeira), embora as suas origens vulcânicas – idênticas às da ilha de Verne – lhe dêem um relevo acidentadíssimo: o ponto mais alto da ilha situa-se a 1.850 m de altitude (abaixo), pouco menos do que a Torre na Serra da Estrela (1.993 m).
Contudo, a riqueza geológica, mineral, da flora e da fauna em nada se compara com a que Verne havia concebido para a sua ilha. Naquelas paragens, a cobertura vegetal é a que se assemelha à da tundra e, estando tão afastada dos outros continentes, muito do que lá existe em termos de fauna resulta da acção voluntária e involuntária do homem: ratos, coelhos, gatos, renas, trutas, além dos expectáveis pinguins e aves marinhas. O mesmo se passa em relação à flora, onde se contam apenas 32 espécies indígenas (abaixo, a couve local).
Como as histórias da Atlântida, nada se assemelhará tanto como as Kerguelen àquilo que serão os restos de um antigo continente agora submerso (veja-se a fotografia abaixo). Emergindo das planícies abissais, as Kerguelen constituem a região mais elevada e emersa de um gigantesco planalto submerso entre 1 a 2 km de profundidade que foi constituído há 110 milhões de anos e que constituiu então um microcontinente antes de se afundar há 20 milhões de anos. Mais outra região que se tornará mais aprazível com o aquecimento global…

4 comentários:

  1. Tem graça ligar a Ilha Misteriosa de Verne às ilhas que dão o mote ao post. É que existe um outro livro (de que gosto muito)de Verne cuja história começa precisamente nestas ilhas. Refiro-me à «Esfinge dos Gelos» que é uma continuação (?) das «Aventuras de Gordon Pym», de Poe (este, um livro excelente).

    ResponderEliminar
  2. Sei da existência desse livro mas nunca o li. Nenhum dos dois, aliás.

    ResponderEliminar
  3. Sou completamente apaixonada pelas Ilhas Kerguelen!
    Podemos conversar mais sobre elas e trocar informações?
    Estou iniciando a faculdade de Biologia e seria muito interessante visitar essas pequenas ilhas, que se tornaram um sonho de consumo pra mim!
    Meu e-mail é craudy@gmail.com
    não encontrei seu e-mail por aqui...
    Abraços, do Brasil!

    ResponderEliminar
  4. Muito bom o post, li quase todos livros de verne, e agora no começo da Esfinge dos Gelos, procuro no Goole as Ilhas Kerguelen e já encontro referencias ao fantastico Julio Verne, este genio da literatura universal. Como disse o colega recomendo as Aventuras de Arthur Gordon Pym, realmente sensacional, como todo livro de Poe.

    ResponderEliminar