As nossas conclusões sobre um determinado problema de política internacional não devem partir do pressuposto que os altos responsáveis políticos têm falta de informação. Normalmente, se houver um problema nesse aspecto é o oposto: têm informação a mais e têm hesitações sobre qual a decisão a tomar; ou então não as têm, mas não a podem tomar por razões que estão fora do âmbito da análise de quem o aconselha ou que nós desconhecemos; ou então, recusam-se simplesmente a acreditar nas informações que receberam – sabe-se que Estaline, por exemplo, estava perfeitamente informado que Hitler ia atacar a União Soviética em Junho de 1941…
Para quem ainda tivesse dúvidas que Obama estava devidamente informado sobre o quadro geral desanimador da situação afegã, suponho que as dissipará ao ler o conteúdo dos memorandos produzidos pelo embaixador norte-americano em Cabul (acima) e que foram ontem publicados pelo New York Times. O mais importante nestas ocasiões em que os jornais conseguem ter acesso a documentos desta confidencialidade é a especulação dos interesses que estarão por detrás daqueles que os tornaram públicos. Neste caso, parece plausível admitir que existem duas correntes de opinião distintas quanto à maneira de conduzir a questão afegã.
A fotografia do embaixador está certa e não foi tirada em nenhum baile de máscaras… Karl W. Eikenberry é um general reformado e um veterano do Afeganistão depois de nele ter estado em duas comissões de serviço (2002-03 e 2005-07). Terá sido uma das primeiras nomeações de Obama (10 dias depois de tomar posse) e, embora raro, não se tratou de um gesto inédito, o de nomear um general experiente como embaixador para uma área turbulenta, considerando o precedente de John F. Kennedy e a sua nomeação de Maxwell D. Taylor, um veterano da Segunda Guerra Mundial e da Guerra da Coreia, como embaixador no Vietname do Sul em 1964.
Mas o conteúdo dos telegramas divulgados tem mais a ver com a condução política da questão afegã do que com a militar, que neste momento está a cargo do general Stanley A. McChrystal. Datados do passado mês de Novembro de 2009, quando da discussão do possível aumento dos contingentes de norte-americanos e da NATO no Afeganistão (que veio a ser aprovado), a panorâmica geral da situação que se pode extrair do conteúdo desses telegramas é a de um problema extremamente complexo, cujo factor crítico para a sua resolução nem sequer passa pela sua vertente militar. Claro que também nesse aspecto, se identificam vários problemas:
No exército, as altas taxas de atrito e as baixas taxas de recrutamento entre os pashtuns do Sul são preocupantes. (...) Só para manter os efectivos actuais serão necessárias dezenas de milhares de recrutas novos por ano para suprir as perdas por atrito e as baixas em combate. (...) O Paquistão continuará a ser a maior fonte de instabilidade no Afeganistão enquanto houver os santuários do outro lado da fronteira. (...) Até que o problema dos santuários seja devidamente encarado, os ganhos resultantes de enviar forças adicionais podem tornar-se sempre passageiros.
Mas parece agora reconhecer-se privada (e publicamente) que a questão nuclear é política e centra-se na inadequação de Hamid Karzai, o homem em quem os americanos têm confiado para dirigir o Afeganistão de há quase oito anos para cá. E o conteúdo dos memorandos agora tornados públicos torna a situação muito desconfortável (é o mínimo que se pode dizer) para todos: para Eikenberry, o autor, para Obama, o destinatário, e para Karzai, o tópico da conversa.
O presidente Karzai não é um parceiro estratégico adequado. A estratégia de contra-subversão proposta pressupõe que haja uma liderança política afegã que seja capaz de assumir as suas responsabilidades e de exercer a sua soberania na prossecução do nosso objectivo – um Afeganistão seguro, pacífico, e que seja minimamente auto-suficiente contra a acção dos grupos terroristas transnacionais.
No entanto, Karzai continua a descartar as responsabilidades de um poder soberano, sejam as da defesa, do governo ou do desenvolvimento. Ele e a maioria do seu círculo não querem que os Estados Unidos partam e ficam muito felizes por nos ver investir ainda mais. Eles assumem que nós cobiçamos o seu território para que façamos a guerra sem fim 'contra o terror' e que precisamos de bases militares aqui para uso contra os países vizinhos.
Para quem ainda tivesse dúvidas que Obama estava devidamente informado sobre o quadro geral desanimador da situação afegã, suponho que as dissipará ao ler o conteúdo dos memorandos produzidos pelo embaixador norte-americano em Cabul (acima) e que foram ontem publicados pelo New York Times. O mais importante nestas ocasiões em que os jornais conseguem ter acesso a documentos desta confidencialidade é a especulação dos interesses que estarão por detrás daqueles que os tornaram públicos. Neste caso, parece plausível admitir que existem duas correntes de opinião distintas quanto à maneira de conduzir a questão afegã.
A fotografia do embaixador está certa e não foi tirada em nenhum baile de máscaras… Karl W. Eikenberry é um general reformado e um veterano do Afeganistão depois de nele ter estado em duas comissões de serviço (2002-03 e 2005-07). Terá sido uma das primeiras nomeações de Obama (10 dias depois de tomar posse) e, embora raro, não se tratou de um gesto inédito, o de nomear um general experiente como embaixador para uma área turbulenta, considerando o precedente de John F. Kennedy e a sua nomeação de Maxwell D. Taylor, um veterano da Segunda Guerra Mundial e da Guerra da Coreia, como embaixador no Vietname do Sul em 1964.
Mas o conteúdo dos telegramas divulgados tem mais a ver com a condução política da questão afegã do que com a militar, que neste momento está a cargo do general Stanley A. McChrystal. Datados do passado mês de Novembro de 2009, quando da discussão do possível aumento dos contingentes de norte-americanos e da NATO no Afeganistão (que veio a ser aprovado), a panorâmica geral da situação que se pode extrair do conteúdo desses telegramas é a de um problema extremamente complexo, cujo factor crítico para a sua resolução nem sequer passa pela sua vertente militar. Claro que também nesse aspecto, se identificam vários problemas:
No exército, as altas taxas de atrito e as baixas taxas de recrutamento entre os pashtuns do Sul são preocupantes. (...) Só para manter os efectivos actuais serão necessárias dezenas de milhares de recrutas novos por ano para suprir as perdas por atrito e as baixas em combate. (...) O Paquistão continuará a ser a maior fonte de instabilidade no Afeganistão enquanto houver os santuários do outro lado da fronteira. (...) Até que o problema dos santuários seja devidamente encarado, os ganhos resultantes de enviar forças adicionais podem tornar-se sempre passageiros.
Mas parece agora reconhecer-se privada (e publicamente) que a questão nuclear é política e centra-se na inadequação de Hamid Karzai, o homem em quem os americanos têm confiado para dirigir o Afeganistão de há quase oito anos para cá. E o conteúdo dos memorandos agora tornados públicos torna a situação muito desconfortável (é o mínimo que se pode dizer) para todos: para Eikenberry, o autor, para Obama, o destinatário, e para Karzai, o tópico da conversa.
O presidente Karzai não é um parceiro estratégico adequado. A estratégia de contra-subversão proposta pressupõe que haja uma liderança política afegã que seja capaz de assumir as suas responsabilidades e de exercer a sua soberania na prossecução do nosso objectivo – um Afeganistão seguro, pacífico, e que seja minimamente auto-suficiente contra a acção dos grupos terroristas transnacionais.
No entanto, Karzai continua a descartar as responsabilidades de um poder soberano, sejam as da defesa, do governo ou do desenvolvimento. Ele e a maioria do seu círculo não querem que os Estados Unidos partam e ficam muito felizes por nos ver investir ainda mais. Eles assumem que nós cobiçamos o seu território para que façamos a guerra sem fim 'contra o terror' e que precisamos de bases militares aqui para uso contra os países vizinhos.
Mas o problema parece consistir em encontrar quem o substitua com vantagem...
Para além de Karzai, não há uma classe política dominante que contribua para fornecer uma identidade nacional abrangente que transcenda as filiações locais e que se mostre um parceiro de confiança.
Num país que já conheceu dois outros homens fortes errados (Babrak Karmal e Mohammed Nadjibullah, que foram escolhidos pelos soviéticos na década de 1980) e com uma potência que também já escolheu vários homens fortes errados (como Nguyen Van Thieu no Vietname do Sul ou Ahmed Chalabi no Iraque, para citar só dois), só pode parecer paradoxal e quase anedótico que, nesta altura dos acontecimentos, a questão afegã se possa ainda pôr na simplicidade de encontrar o homem forte certo para a situação…
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