25 janeiro 2010

RECORDANDO A BULGÁRIA SOCIALISTA

Havia uma velha anedota na Bulgária, um daqueles países socialistas do Leste onde se vivia muito bem sob o regime socialista (foi uma chatice que tais paraísos tivessem acabado em 1989…), em que um comunista novato perguntava a um camarada veterano se ele alguma vez se havia desviado da linha do partido; a resposta foi obviamente negativa, ele jamais se desviara da linha do partido, acrescentando depois com uma piscadela de olho, ele desviara-se sempre com a linha do partido…
Ainda hoje, a Bulgária continua a ser um país curioso... Naquele tempo, a sua localização geográfica era como que simétrica à nossa, mas no outro Bloco, dentro da Europa dividida da Guerra-Fria (mapa acima). A dimensão geográfica e demográfica dos dois países era muito próxima: 111.000 km² e 8 milhões de habitantes de búlgaros para os nossos 92.000 km² e 10 milhões. Dava-se até a coincidência dos dois países usarem como cores dominantes nas suas bandeiras nacionais o vermelho e o verde.
Se, entre nós, António de Oliveira Salazar dominara a política portuguesa durante 36 anos (1932-1968), na Bulgária fora Todor Hristov Jivkov (abaixo) a aproximar-se daquela marca com os seus 35 anos (1954-1989) à frente do Partido Comunista Búlgaro e do país. Porém, as vicissitudes que haviam transformado Salazar de líder fascista antes da Segunda Guerra Mundial para defensor do Ocidente depois dela em nada se comparam com a muito mais complexa evolução dialéctica da carreira de Jivkov...
Jivkov chegou ao topo da hierarquia reputado como um duro da linha estalinista (1954), para se adaptar às novas correntes anti-estalinistas do XX Congresso do PCUS (1956), para namorar com o maoismo (1958), para reverter tudo em 1962 com a cisão sino-soviética e adaptar-se aos novos tempos de Brejnev (1966) e anular experiências que se haviam tornado demasiado arrojadas como a conhecida por socialismo de mercado, que se tornou herética quando se pôs fim à Primavera de Praga em 1968…
Da década de 1970 em diante nenhum regime socialista era considerado mais indefectível do soviético do que o búlgaro (acima). E, numa operação tão canhestra quanto o assassinato em Espanha de Humberto Delgado pela PIDE em 1965, também os serviços secretos búlgaros (DS) ganharam uma grande notoriedade internacional quando assassinaram em 1978 o dissidente búlgaro Georgi Markov (abaixo) em Londres através de um dispositivo instalado num chapéu-de-chuva que disparava projecteis envenenados.
A enumeração de acontecimentos análogos poder-se-ia suceder. Mas seria apenas para reforçar a imagem de regimes de dois países que se contavam entre os menos evoluídos dos respectivos blocos a que pertenciam. Contudo, com a vantagem dos 15 anos de antecedência na implantação da verdadeira democracia (1974-1989) e dos 20 anos de antecedência na adesão à União Europeia (1986-2007), na actualidade, a grande maioria dos indicadores de qualidade de vida são favoráveis aos portugueses¹.
Com estas semelhanças dos antigos regimes, o que é perfeitamente absurdo é como pode haver ainda em Portugal quem obtusa e disparatadamente defenda que as melhorias nos indicadores de qualidade de vida que se registaram na Bulgária de 1954 para 1989 sob Jivkov se possam dever às extraordinárias conquistas e avanços civilizacionais só permitidos pelo socialismo enquanto as melhorias verificadas em Portugal entre 1932 para 1968 sob Salazar, serão as consequências nefastas do fascismo

¹ No Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 2009, Portugal está no 34º lugar mundial com 0,909 enquanto a Bulgária aparece só no 61º com 0,840.

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