30 setembro 2008

AS ELEIÇÕES BIELORRUSSAS

Decorreram no fim-de-semana passado eleições parlamentares na Bielorrússia. O resultado, com a vitória esmagadora das forças governamentais dirigidas pelo presidente Alexander Lukashenko (abaixo, num momento eleitoral populista), não foi propriamente surpreendente, assim como o não foi a unanimidade com que foram noticiadas as referidas eleições na comunicação social, condenando, por intermédio das declarações dos portas vozes dos 900 observadores internacionais da OSCE e de outras organizações destacados para as acompanhar, a manipulação que ali parece ter tido lugar. Segundo as referidas notícias, nenhum dos deputados eleitos poderá ser conotado com a oposição…
Mas aquelas informações menos opinativas e mais elementares de que andava originalmente à procura é que me foram mais difíceis de encontrar... Ainda assim, consegui ficar a saber que se apresentaram 263 candidatos aos 110 lugares em disputa em círculos uninominais, que 82 desses candidatos pertenciam a oito partidos políticos distintos, sendo os restantes candidatos considerados independentes, e ainda que a taxa de afluência às urnas se situou nos 75,3%. O que não consegui encontrar por essa internet adiante foram os resultados eleitorais expressos em % das votações dos oito partidos concorrentes ou então dos candidatos governamentais versus os da oposição…
E, nesta ignorância, ocorreu-me perguntar maliciosamente se as forças governamentais terão registado na Bielorrússia um score acima ou abaixo dos oitenta e tal por cento que aconteceram recentemente numas outras eleições parlamentares, essas indiscutivelmente democráticas, disputadas num outro país, num outro continente, também acompanhadas por uma miríade de observadores internacionais. Mas deixem-me ser claro na malícia: não se trata de uma questão de absolver os esquemas de Lukashenko, trata-se de voltar a questionar se não existe um problema de falta de credibilidade e de dioptrias nestas observações

26 setembro 2008

POUCA RESISTÊNCIA E QUASE NENHUMA DEPORTAÇÃO?

Objectivamente, a França perdeu a Segunda Guerra Mundial. Perdeu-a logo em Junho de 1940, deixando o Reino Unido a combater sozinho frente à Alemanha. De Gaulle e a história do regresso da França ao grupo dos vencedores daquele conflito é mais uma elaboração política do que uma realidade militar estratégica. É por isso que tudo o que se relacione com a França dos anos 1940 a 1945 é para se pegar com pinças.

Agora, o que eu não estava à espera é que, quando a França tem afinal tão poucos feitos heróicos para brandir durante aquele conflito, um Museu denominado da Resistência e da Deportação (acima), que se situa em Limoges*, tenha um explêndido horário de funcionamento das 14H às 17H... Se os próprios franceses parecem não querer levar a sério o seu próprio passado, será que estarão à espera que sejam os estrangeiros a fazê-lo?

*Limoges é uma cidade da França Central que muito se orgulha do seu envolvimento com o movimento da Resistência. Oradour-sur-Glane situa-se nos seus arredores.

21 setembro 2008

POR AÍ

Houve o outro que ia deixar de estar ali mas ia andar por aí. Pior que isso e apesar de um tom falsamente casual com que foi dito, aquele andar por aí soou o ameaça – concretizada de resto. Pois bem, eu que até suponho que Pedro Santana Lopes seja uma excelente pessoa, embora uma péssima escolha para dirigir a coisa pública, apenas o cito para informar que, nos próximos dias, não vou estar aqui nem sequer a andar por aí.

20 setembro 2008

O DESTINO DE OLEG PENKOVSKY E DOS OUTROS

O Caso Rosenberg (1950-53) foi um episódio de espionagem que acabou por se tornar duplamente simbólico, tanto do espírito vivido pelos norte-americanos durante o auge da Guerra-Fria, como também do ambiente de histeria excessiva que só se pode instalar numa sociedade que tenha aquelas características – recorde-se, para comparação, o episódio da Proibição de bebidas alcoólicas (a chamada Lei Seca) que ali tinha vigorado entre 1920 e 1933. O casal, Julius e Ethel Rosenberg (abaixo), foi detido pelo FBI e julgado por fazer parte de uma rede de espionagem de informações atómicas que trabalhava em favor da União Soviética. E ambos foram condenados à morte.
A sentença mostrava-se tão desproporcionada do ponto de vista jurídico (sobretudo quando comparada com outros membros da rede), como a própria execução se afigurava completamente desaconselhada do ponto de vista de política internacional. Mas, perante a passividade do executivo (Administração Eisenhower), os Rosenberg foram mesmo executados em Junho de 1953 e o movimento comunista internacional ganhou ali dois mártires cuja veneração permanece até hoje entre os indefectíveis. Não deixa de ter a sua ironia, quando se consideram as centenas de milhares de executados na União Soviética durante as purgas do estalinismo da década de 1930, relembrados em centenas de casos em livros como The Whisperers.
Apesar de nunca mais repetido, o disparate de criar mártires para a causa adversária estava feito e a partir daí, sempre que, no quadro da Guerra-Fria, os simpatizantes dos Estados Unidos se propuseram pregar lições de moral quanto a liberdades e direitos humanos na União Soviética era garantido, terem de engolir em resposta tanto o McCarthysmo como a execução dos Rosenberg. Mas há uma outra ironia por detrás dessa: a história ignoraada dos espiões que os soviéticos descobriram a espiar para os Estados Unidos no seu país durante aquela mesma época, a esmagadora maioria dos quais nunca se vieram a conhecer, sendo o caso de Oleg Penkovsky (abaixo) uma das raríssimas excepções.
Foram casos em que se conjugou o tradicional secretismo soviético nesses assuntos relacionados com fraquezas da sua segurança interna, com o desinteresse norte-americano em dar relevo a tais episódios, por não poderem serem devidamente aproveitados para a sua propaganda, por serem consideradas formas sórdidas de combate com o inimigo… Ou seja, aquilo onde quem gosta de adoptar a nomenclatura comunista tradicional pode usar aquela expressão clássica: convergência objectiva. E dela resultou, ao lado de uma publicidade talvez excessiva aos espiões soviéticos executados no Ocidente, como contraponto, um desconhecimento quase total sobre os espiões norte-americanos executados no Leste.
É verdade que a causa dos indefectíveis que acreditavam na inocência total dos Rosenberg, causa que era empunhada pelos dois filhos do casal (acima, em 1953), sofreu um severo revés com o fim da União Soviética e com o acesso livre à documentação oficial ali existente que veio comprovar inequivocamente que, pelo menos Julius Rosenberg, era de facto um espião. Ainda recentemente, foi notícia a aceitação pública dessa conclusão por parte de um dos próprios filhos dos Rosenberg. E em Portugal, entre os indefectíveis, há quem mantenha blogues que se mostram ainda atentos ao tema do Caso Rosenberg, mas que – como era previsível… – deixaram passar esta última notícia.
Mas isso serão apenas as consequências das distorções de quem ainda pensa numa lógica de Guerra-Fria quando o conflito acabou vai quase para 20 anos. O que me choca, porque o fim da Guerra-Fria não conseguiu corrigir, foi a enorme distorção sobre a cobertura dada aos espiões de um e outro lado. É da mais elementar justiça ter dado aos filhos do casal Rosenberg o direito de se baterem pela protecção da memória dos pais, mas não pode haver contraste maior com o que podem fazer a família Penkovsky e todas as outras sobre as quais nada sabemos, a não ser que elas nem saberão como terão morrido e onde poderão estar os restos mortais de Oleg Penkovsky e de todos os outros executados…

18 setembro 2008

A BRAVURA CASTELHANA E A PAZ ESPANHOLA

Ainda a propósito do poste publicado mais abaixo a respeito das idiossincrasias da Legião Estrangeira espanhola e de um oportuno comentário lá inserido a respeito do comportamento dos soldados daquela unidade durante a Guerra Civil de Espanha (1936-39), vale a pena evocar aquele que foi o criador e o comandante da Legião antes e durante o conflito, um dos mais exuberantes e castiços generais nacionalistas espanhóis, o General Millán-Astray (abaixo), o autor do famoso mote da legião ¡Viva la Muerte!
Contudo, o contributo e a notoriedade do General naquele conflito, mais do que táctica, foi sobretudo de natureza propagandística, com os seus inúmeros ferimentos adquiridos nas campanhas de Marrocos onde perdeu um olho, amputaram-lhe um braço, recebeu um tiro no peito e outro numa perna, como se pode ver pela fotografia acima. Mas a cena mais famosa onde participou foi uma altercação (hoje famosíssima) com o Reitor da Universidade de Salamanca de então, Miguel de Unamuno (abaixo).
Como Miguel de Unamuno teve então oportunidade de denunciar (o que lhe custou a destituição do cargo e a prisão domiciliar), os valores que o General Millán-Astray tanto gostava de proclamar com aqueles motes (¡Muera la inteligencia!), por muito que eles apelassem àquela coragem física que costuma ser tão do gosto dos castelhanos (pense-se nas touradas…), revelavam-se afinal insubstanciais e inconsequentes: Venceréis, porque tenéis sobrada fuerza bruta. Pero no convenceréis.
Em registo mais caricato, lembrei-me das palavras e da coragem de Millán-Astray num episódio recente (veja-se acima) em que o cavaleiro tauromáquico João Salgueiro se apeou do cavalo em plena lide para desafiar o touro… Em registo mais sóbrio, lembrei-me das palavras e da reflexão de Unamuno com as notícias da próxima exumação das ossadas de Frederico Garcia Lorca e da polémica associada a essas exumações. Passaram-se quase 70 anos* depois do fim da Guerra Civil e continua a haver uma Espanha convencida que não precisa convencer

* Para comparar este processo de cicatrização com o que costuma acontecer 70 anos depois de uma Guerra Civil noutros países, lembre-se que aquilo que separara miguelistas e liberais era irrelevante em Portugal em 1904, e já não era particularmente significativo o que separara estados sulistas e nortistas nos Estados Unidos em 1935.

O CONSELHEIRO MÁRIO

Se no mês passado o Conselheiro de Estado Mário Soares não se inibiu de publicar um artigo de opinião no Diário de Notícias em que era fortemente crítico sobre a actuação do seu sucessor Cavaco Silva, parece que este mês passa a ser o seu estatuto de Conselheiro de Estado (que sempre teve...) que o faz ter um direito de reserva para que não se pronuncie sobre o estado das relações entre a Presidência da República e o Governo. Seria razão para elogiar a nova atitude do Conselheiro Mário nesta sua nova encarnação setembrista, não fosse o receio fundado que o próximo mês de Outubro nos possa trazer novas inflexões quanto ao que possa ser a sua opinião sobre a oportunidade de dar opinião…
Depois do socialismo, houve muitas outras coisas que foram para a gaveta e se há coisa de que não se pode acusar Mário Soares ao longo da sua extensa carreira política, é a de ele mostrar alguma coerência nestas suas pequenas manobras tácticas da pequena política. Está tão inocente disso, como também sempre se mostrou inocente de gestos em que prescinda de quaisquer mordomias a que tenha direito. Rejeições dessas, que eu julgava demonstrativas da virtude e sobriedade republicanas (como aconteceu com o caso dos rectroactivos da pensão de Ramalho Eanes), explicaram-me agora que deviam ser gestos naturais, em que afinal o mais reprovável é a publicidade dada à decisão, como se lê (entrecitando-se) em alguns colegas de blogosfera
Se há coisa que me continua a maravilhar neste nosso Portugal é a impunidade mediática de que continua a gozar Mário Soares em contraste com a severidade com que continuam a ser apreciados aqueles que ele, alguma vez no passado, escolheu para adversários de eleição como serão os casos de Ramalho Eanes e de Cavaco Silva… E apenas para deixar escrito o que já acima estava subentendido, suponho que o tal direito de reserva da sua opinião quanto às relações entre a Presidência e o Governo, que lhe terá surgido conjuntamente com a chegada do Outono, será o mais próximo que poderemos ouvir de uma concordância do Conselheiro Mário com as opiniões do... Gajo.

A ORIGINAL E A RÉPLICA

Há a Legião Estrangeira original, a francesa, que foi fundada em 1831 e existiu uma réplica espanhola, muito menos conhecida, hoje rebaptizada de Legião Espanhola, que foi criada em 1920, obviamente inspirada na sua homóloga de além Pirenéus. Terá sido precisamente por isso, para se demarcarem da sua fonte de inspiração, que na unidade espanhola se adoptaram traços de identidade diametralmente opostos aos existentes na francesa. Exemplo: os legionários franceses (acima) marcham a um ritmo mais vagaroso e de forma mais discreta do que é normal desfilar (a 90 passadas/minuto); os espanhóis (abaixo), pelo contrário, fazem-no a um ritmo mais acelerado e de forma mais exuberante do que é comum (140 passadas/minuto).
Mas, mais do que os aspectos ornamentais, foram as vicissitudes da história e as realidades das sociedades em que se inseriam, que levaram as duas Legiões Estrangeiras a terem percursos muito distintos. De estrangeira a Legião espanhola quase só reteve o nome: a percentagem mais elevada de estrangeiros que a unidade chegou a ter foi de 25%. Contudo, o número de voluntários espanhóis, atraídos pelo prestígio da unidade, sempre chegou para colmatar as faltas. Mas sempre se tratou de uma unidade totalmente espanhola no seu espírito de corpo, e isso pode comprovar-se no conteúdo grandiloquente mas disparatado do seu moto: ¡Viva la Muerte!... Os mercenários a sério sempre se alistaram para combater mas não para se deixarem matar…

17 setembro 2008

RECORDANDO A CHEGADA, NA HORA DA DESPEDIDA

Por causa da Operação Overlord (acima), o grande desembarque das tropas aliadas na Normandia durante a Segunda Guerra Mundial em Junho de 1944, mas também por causa das várias operações anfíbias que foram realizadas na Frente do Pacífico durante o mesmo conflito, os desembarques acabaram por ganhar um valor iconográfico especial na cultura norte-americana. Esse valor ainda se veio a reforçar mais quando se realizou o desembarque em Inchon, que foi fundamental para o contra-ataque norte-americano durante a intervenção seguinte no exterior, a Guerra da Coreia, em Setembro de 1950.
Se as operações que foram acima mencionadas tiveram na altura toda a pertinência do ponto de vista militar, o desembarque em Danang de Março de 1965, que também foi amplamente coberto pela média (acima) tratou-se apenas de uma mera operação de relações públicas para tentar ganhar popularidade interna para a causa da Guerra no Vietname. Como se pode ver nas imagens, não era propriamente o inimigo que aguardava os fuzileiros na praia, o material pesado teria sido desembarcado mais facilmente num dos portos sul vietnamitas e os soldados teriam também desembarcado mais comodamente se tivessem chegado de avião…
O absurdo do desembarque em Danang veio a ser depois ultrapassado largamente pelo ridículo do desembarque em Mogadíscio (acima, um mapa da Operação Restaurar a Esperança) em Dezembro de 1992. É que, para fazer coincidir o desembarque com a hora de abertura dos telejornais na América, teve que se realizar durante noite escura em Mogadíscio (o que, se fosse a sério, era um risco disparatado em termos operacionais). Para mais, as equipas de televisão aguardavam os soldados na praia debaixo das luzes de enormes holofotes para melhorar a imagem... Houvesse resistência séria em terra e, com a ajuda da iluminação, teria havido uma mortandade… É verdade que não deve haver relação racional entre o resultado de uma intervenção militar norte-americana no estrangeiro e a consistência como ela começou por ser apresentada na televisão, mas a verdade é que os desembarques de tropas na TV pareceram ter saído de moda... Na última Guerra do Iraque não me lembro deles, e é por causa disso que, por muito que tentem enaltecer agora os feitos do General David Petraeus de partida (acima), a diferença entre o que os Estados Unidos se propunham inicialmente fazer e aquilo que agora consideram sucesso, me faz propor o desembarque do filme abaixo como simbólico do sucesso desta campanha no Iraque…

16 setembro 2008

A OUTRA AMÉRICA

A América do Sul não goza do destaque mediático da sua irmã setentrional. Apesar de ali termos tido a nossa maior e mais importante colónia e do Brasil se afirmar cada vez mais como a potência hegemónica do continente, a nossa ignorância sobre o que ali se passa e sobre o que ali se passou costuma ser muito grande. E nem nos deve servir de consolação o facto de, compartilhando a mesma língua, essa ignorância sobre os problemas brasileiros e sul-americanos ser muitas vezes recíproca, quanto ao que no Brasil se atenta aos problemas portugueses e europeus.
O mapa abaixo é um desses pormenores desconhecidos do passado, e mostra-nos como o continente foi atravessado ao longo do Século XIX por inúmeras disputas fronteiriças entre os países que se haviam tornado independentes de Espanha e de Portugal durante o primeiro quartel do século. Como o Brasil tem fronteiras com quase todos os países sul-americanos (salvo com o Chile e com o Equador) quase só por excepção é que o Brasil não esteve envolvido nas rectificações fronteiriças (algumas delas violentas) que ali vieram a ter lugar.
O Brasil esteve também envolvido no último e, até agora, único episódio de uma secessão bem sucedida que veio a ter lugar no continente sul-americano: a do Uruguai, em 1828, que se tornou independente da tutela brasileira. Aliás, todas as questões envolvendo o Uruguai e também o Paraguai (onde se travou uma guerra entre 1864 e 1870) tiveram e mantêm a importância estratégica de se localizarem na região tampão que separa os dois países que têm pretensões hegemónicas sobre o continente: a Argentina e o Brasil
Mas a maioria dos conflitos que estão mais acima assinalados é-nos desconhecida, assim como nos é também desconhecida a única guerra convencional de alguma envergadura que se travou no continente durante o Século XX e que ficou conhecida pela Guerra do Chaco (acima), que opôs o Paraguai e a Bolívia entre 1932 e 1935, a pretexto de uma enorme região árida e despovoada designada pelo nome de Chaco Boreal. Foi uma guerra peculiar, opondo interesses comerciais antagónicos, mais do que os países participantes.
Do lado boliviano estava a Standard Oil norte-americana e do paraguaio a Royal Dutch-Shell anglo-holandesa e no meio as suspeitas que sob o Chaco estariam alguns dos campos petrolíferos mais ricos descobertos até então. Não fosse a memória dos 100.000 mortos causados pelo conflito (a maioria por doença) e a síntese da sua história poderia ser perfeitamente dada pela descrição que dela faz Hergé no livro de BD de Tintin, A Orelha Quebrada (acima), onde nos faz a apresentação do típico oficial sul-americano, o General Alcazar (abaixo)
Para a História, e apesar dos muitos erros militares acumulados pelos dois antagonistas, a vitória veio a pertencer ao Paraguai que veio a receber quase todo o território do Chaco que estava em disputa. Foi a terceira derrota consecutiva da Bolívia nestes conflitos fronteiriços. Ela já havia perdido a saída para o mar para o Chile e também os seringais de borracha do território do Acre para o Brasil. Contudo, desta vez, a Shell acabou por ficar desapontadíssima com o que ganhara porque o Chaco afinal não se veio a revelar aquele mar de petróleo que se imaginava.
Paradoxalmente, os grandes depósitos de hidrocarbonetos que o território boliviano escondia afinal eram de gás natural e situavam-se um pouco mais a Norte da área disputada, na província de Santa Cruz, precisamente aquela que hoje lidera o processo autonomista/separatista que tem dividido a Bolívia. E, mais uma vez, embora a voz dominante seja a do costumeiro presidente venezuelano, Hugo Chavez, o tal que não se cala, adivinham-se, mais do que se vêm, os omnipresentes interesses brasileiros no acompanhamento da crise.

15 setembro 2008

O ROSTO DA CRISE

A descrição que se segue, consta da História Oficial Britânica da Primeira Guerra Mundial, e refere-se a uma passagem de uma acção que teve lugar em 8 de Agosto de 1916, em Guillemont, no quadro geral da grande ofensiva britânica que ficou conhecida pelo nome de Batalha do Somme:
Surgiu alguma confusão na frente esquerda, onde a 166ª Brigada (brigadeiro L. F.Green Wilkinson) estava a substituir a 164ª – uma substituição particularmente difícil – e apesar do 1/10º King´s (Liverpool Scottish), escondendo-se atrás da barragem, se aproximar do arame farpado alemão, registaram-se perdas importantes em duas tentativas desesperadas, mas em vão, para chegar ao inimigo. Quase todos os oficiais foram atingidos, incluindo o tenente-coronel J. R. Davidson, que ficou ferido. A seguir, à esquerda, o 1/5º Loyal North Lancashire (também da 166ª Brigada) chegava demasiado tarde, embora não por falta sua; tendo começado depois da barragem ter sido levantada, não tinha qualquer hipótese de êxito. Por isso o 1/7º King´s atacou da posição conquistada pela sua própria Brigada (a 165ª) no dia previsto, mas não conseguiu avançar.

A terminologia empregue é técnica, quem escreve distancia-se imenso do que está a descrever e o conteúdo dessas descrições é sóbrio, omisso, ou quando muito, discreto, quanto ao sofrimento humano entre feridos e mortos que esteve associado aquela acção. Para os seus registos, os militares raramente se referem às consequências sangrentas da sua actividade. Não são só os militares: um comunista empenhado como Vítor Dias adoraria usar o estilo de redacção acima para uma descrição de um episódio embaraçoso para a sua causa, como o da colectivização das terras na URSS sob Estaline na década de 1930. Claro que por detrás dessas narrativas pretensamente desprendidas, escapa sempre um ou outro pormenor que dão ao entendedor o indício da extrema violência que esteve associado ao episódio.
No caso da acção de Guillemont o pormenor é uma nota de rodapé que informa que a Victoria Cross foi concedida ao oficial-médico do 1/10º King´s, capitão N. G. Chavasse*, pelo seu trabalho excepcional de salvamento de feridos sob fogo cerrado”. Ora a Victoria Cross é a mais importante e mais rara de todas as condecorações militares britânicas, concedida em condições absolutamente excepcionais, e que naquela acção ela foi concedida a um oficial-médico. A nota acaba por dizer quase tudo sobre o insucesso e o carácter extremamente sangrento que terá tido toda aquela acção. A visão de quem nela participou pessoalmente – era esse, aliás, o propósito do livro onde me inspirei para esta passagem: O Rosto da Batalha de John Keegan – nada terá de parecido com a de quem a descreveu e registou para os livros da História Oficial.

E é aqui que entra a minha analogia, pois também creio que todos atravessamos as crises económicas um pouco da mesma maneira como os soldados participam nas batalhas. Percebe-se que se atravessam momentos maus, vemos as vítimas que nos rodeiam, mas nada percebemos das causas que as provocam. Falemos, por exemplo, de uma crise atravessada pela economia norte-americana há 170 anos que ficou conhecida pela designação de Pânico de 1837. Considera-se hoje que foi uma crise económica induzida pelo sector financeiro. Sob a presidência de Andrew Jackson (1829-37, abaixo) o Governo Federal teve milhões de dólares de receitas resultantes da alienação das novas terras do Midwest a compradores interessados. E muitos dos que o fizeram, fizeram-no por especulação.
Falta acrescentar que, quantos a mecanismos de regulação financeira, Jackson era de um ultraliberalismo radical, de um género que só se terá tornado a ver cerca de 170 anos mais tarde… Na opinião do Presidente Jackson não era necessária a existência de um Banco Central (na altura já existente com o nome de Bank of the United Sates) que regulasse aquilo que mais tarde se passou a designar pela massa monetária em circulação na economia. A Administração Jackson passou a depositar as suas receitas em bancos comerciais que rentabilizaram o dinheiro depositado emprestando-o por sua vez aos especuladores imobiliários que continuaram a comprar terras ao Governo, desencadeando um daqueles frágeis processos cíclicos onde tudo se aguenta enquanto não aparecem os pormenores que entravam o ciclo e fazem tudo desmoronar.

No caso do Pânico de 1837, a causa próxima da hecatombe financeira terá sido a aprovação de uma lei bancária, já durante a presidência do sucessor de Jackson, Martin Van Buren (1837-41 e que ganhou por causa disso a alcunha de Martin Van Ruin…) que obrigava a banca comercial a pagar os empréstimos que contraíra junto do governo em espécie (i.e. em ouro). Claro que houve bancos que não poderam cumprir... Adivinha-se o resto do que depois aconteceu ao sistema financeiro norte-americano, com notícias semelhantes às recentes do desaparecimento da Merrill Lynch & Co e da falência da Lehman Brothers Holdings Inc. Mas estas notícias que agora aparecem não passam da observação de soldado, do rosto da crise que se adivinha preparar-se para afectar toda a economia norte-americana. Tomará tempo, mas poder-se-á apurar depois quem terá sido o Andrew Jackson por detrás dela…
* Chavasse é um dos três únicos militares (2 britânicos e 1 neozelandês) que foram condecorados por duas vezes com a Victoria Cross, embora da segunda vez o tivesse sido a título póstumo.

14 setembro 2008

MAPAS NORTE-AMERICANOS

Agora que se aproximam as eleições presidenciais norte-americanas é provável que cada vez apareçam mais mapas como o de cima, simulando os estados que votarão maioritariamente no republicano John McCain ou no democrata Barack Obama. Menos exuberante e colorido que o de cima, resolvi incluir neste blogue um outro mapa dos Estados Unidos, retirado da página 280 de um livro intitulado Political Geography da autoria de Kevin R. Cox (Blackwell 2002).
Os números por baixo das iniciais de cada estado representa o rácio entre os fundos que o estado recebe do governo federal em comparação com aqueles que para lá envia. Onde se lerem rácios acima do valor 1 trata-se de estados que recebem mais dinheiro do que aquele que pagam à União e o inverso acontece com os estados que tenham valores inferiores a 1. Não tenho visto feita a associação, mas acho interessante a comparação entre o mapa de cima e o de baixo...

13 setembro 2008

JOGOS COM FRONTEIRAS – 2

As fronteiras políticas da Europa já tiveram imensos contornos. Nalguns casos, as que existem na actualidade resultam de entendimentos recentes e pouco influenciam a geografia humana das regiões onde estão traçadas. Noutros casos, dá-se o fenómeno inverso e a geografia humana da actualidade ainda é influenciada pelo traçado de antigas fronteiras políticas que perduraram por imensos séculos mas que há muito desapareceram. O exemplo mais flagrante deste segundo caso é o limes romano.
A fronteira que separou o Império Romano dos bárbaros na Europa por cinco séculos seguia o curso do Rio Reno (Rhein) a Ocidente e o curso do Rio Danúbio (Donau) a Oriente (veja-se acima). Era uma fronteira eminentemente política os rios aproximam as pessoas que vivem na proximidade, as cordilheiras montanhosas é que as separam – onde ainda hoje se pode observar como as autoridades romanas, por razões de carácter militar, fizeram um investimento elevado tanto em fortificações como em vias de comunicação.
A parte ocidental (abrangendo o Reno e o Alto Danúbio) daquela fronteira deixou de existir com o fim do Império Romano do Ocidente, há mais de 1500 anos. Poder-se-á atribuir a uma mera coincidência, mas creio que será bem mais do que isso, o facto de que as linhas separadoras da regiões europeias onde hoje se falam línguas românicas (francês, italiano) e germânicas (neerlandês, alemão) ou onde predominam a religião católica e as religiões protestantes acabem por corresponder a grosso modo àquela antiga demarcação.
Se a demarcação de carácter religioso entre maiorias católicas e protestantes corre um pouco a Norte do curso dos dois rios, a de carácter linguístico, pelo contrário, situa-se ligeiramente a Sul. O mapa acima, que foi retirado da página 147 do primeiro volume do livro Histoire des Populations de L´Europe (Fayard 1997), mostra-nos uma espécie de cunha territorial que as populações de língua germânica terão criado no antigo território romano durante e na sequência das invasões bárbaras, entre os Séculos V e IX.
Contudo, o estudo da evolução de quais foram as línguas predominantes nas regiões do Reno e do Alto Danúbio, que deveria ter um interesse apenas académico para quem se dedica ao estudo da História e da linguística, assume na Bélgica um interesse político adicional, como se constata no mapa acima, onde se detalha (escurecendo-as) as regiões que terão sido bilingues (empregando-se simultaneamente dialectos românicos e germânicos) no Século VIII… A verdade é que qualquer dos dois mapas acima não passam de conjecturas…
Por um lado são tentativas de representação de uma realidade com mais de 1.000 anos. Por outro, só com a introdução da alfabetização nos países europeus no Século XIX é que os padrões linguísticos adquiriram uma homogeneidade que dá sentido àqueles mapas na forma em que são desenhados. Em países onde essa alfabetização se encontra mais atrasada, como é o caso de Moçambique, as cartas linguísticas são de uma complexidade muito maior (veja-se acima), provavelmente semelhante à que se vivia na Europa na Idade Média…

12 setembro 2008

JOGOS COM FRONTEIRAS

Os Jogos Sem Fronteiras eram, simultaneamente, um concurso e um programa televisivo a transmitir internacionalmente, que foi criado em 1965 com o objectivo político de aproximar os diversos povos europeus. Os países fundadores do certame foram a Alemanha, a Bélgica, a França e a Itália. Mas, como é muita vezes comum, os Jogos eram um espectáculo de evasão, que escondia a verdadeira realidade da época que na Europa era feita de outros Jogos e esses com fronteiras…
Dentro da Alemanha, por exemplo, havia uma vincada fronteira política (o Muro de Berlim fora construído em 1961) a separar dois lados de um mesmo país: a Alemanha Federal a Ocidente (acima assinalada a azul claro) e a Alemanha Democrática a Leste (em vermelho). Hoje, aquela fronteira que tanto marcava o continente desapareceu e a Alemanha está unificada mas parece que existe um outro país que guardou uma outra fronteira que parece ser menos publicitada mas tão vincada quanto a da Alemanha foi.
O país é a Bélgica, a fronteira é antiga, mas chega a ser assustador quando observamos o rigor com que foi traçada em 1962 a separação linguística que a divide desde então, onde, além da área neerlandófona no Norte (rosa) e a francófona no Sul (azul), existem uma profusão de pequenas áreas adjacentes ao traçado da fronteira, sejam elas de maioria neerlandófona com minorias francófonas protegidas (a vermelho), sejam de maioria francófona com minorias neerlandófonas protegidas (a azul escuro).
São preciosismos que fazem lembrar os problemas legais levantados por alguns recantos que houve em Berlim, que pertenciam originalmente à zona Leste, mas que por conveniência da construção do Muro erigido em 1961 (acima) tinham acabado por ficar do lado Ocidental, e que os activistas ocidentais mais radicais aproveitavam para as suas manifestações, sem que a polícia de Berlim Ocidental pudesse intervir, por razões de direito internacional…
Aliás, como acontecia com o enclave de Berlim Ocidental, que estava todo situado em plena Alemanha de Leste (a região a amarelo do primeiro mapa), também na Bélgica existe um outro enclave constituído pela capital, Bruxelas (assinalada a verde claro), que, sendo uma cidade maioritariamente francófona, fica situada no meio da região neerlandófona. Para que o paralelo com a Alemanha seja completo (acima), só falta agora que uma das regiões belgas adicione o seu escudo à bandeira nacional (abaixo)…
Porque quanto a governo nacional, já me esqueci da última vez que houve um governo nacional belga que não estivesse demissionário…

O DESASSOMBRO

A caixa de comentários do poste anterior contém um comentário muito oportuno a respeito daquilo que se pode designar por jornalismo opinativo. A essa categoria de jornalista opinativo, aquele que também aborda as opiniões dos seus entrevistados, mas que se preocupa mais em nos transmitir quais são as suas, e cingindo-me apenas aos exemplos televisivos, pode-se ascender por mérito (Mário Crespo), por antiguidade (Judite Sousa) ou por graduação (Manuela Moura Guedes). Concentrando-me no primeiro caso, Mário Crespo tem sido ultimamente guindado (e em minha opinião, de forma justificada) ao estrelato pelo desassombro (uma palavra de que ele muito gosta…) com que Crespo apresenta uma atitude inquisitiva perante os seus convidados da SIC Notícias. Suponho que o preço que Mário Crespo tem a pagar por essa fama se faça agora em respostas evasivas aos inúmeros convites que endereça.

A verdade crua é que suponho que uma boa parte dos convidados em televisão só se dispõe a lá irem para passarem a sua mensagem e não para serem interrogados com perguntas verdadeiramente interessantes. Contudo, também é de rigor que faça notar como, talvez embriagado pelo seu sucesso, tenho notado como Mário Crespo se tem tornado progressivamente cada vez mais assertivo nas suas opiniões durante as entrevistas que tem feito. Se, com jornalistas como ele, parece já se ter abandonado (felizmente) a atitude reverencial do entrevistador perante o entrevistado, torna-se necessário que se chegue agora à rectificação compensatória, em que seja um entrevistado a fazer notar delicadamente (mas com desassombro…) ao entrevistador que ele não se dispôs a ser convidado a ir à televisão, apenas para servir de pretexto para que o jornalista dê as suas opiniões…

E depois esperar que o ousado entrevistado não seja sujeito às leis do ostracismo que se costumam seguir a essas ousadias

11 setembro 2008

NOTAS DE RODAPÉ

Sempre me considerei muito inseguro quanto às regras que justificam a criação de uma nota de rodapé num texto. As notas normalmente deveriam ser comentários, explicações, especificações, aprofundamentos ou desenvolvimentos sobre o que está escrito no texto principal, mas não me é raro acontecer que o efeito do que contêm seja apenas o de me deixar perplexo.
Vejamos, um exemplo de Breve História do Tempo (acima) de Stephen W. Hawking, um livro que é de uma compreensão extremamente difícil logo de antemão. Numa passagem mais complicada a respeito de mecânica quântica (p. 102), explicando o recuo provocado pela emissão de uma partícula vemo-nos beneficiados pela explicação adicional em nota de rodapé do revisor: O “recuo” ou “avanço”, consoante a força seja repulsiva ou atractiva. Há uma ideia muito intuitiva sobre estas partículas portadoras de força. Imagine-se dois patinadores no gelo que seguem lado a lado e suponha que num dado momento eles decidem arremessar pedras um ao outro: separaram-se por efeito do recuo e, para um observador para o qual as pedras fossem invisíveis, tudo se passa como se eles se repelissem por intermédio de uma força. No caso dos patinadores se decidirem a arremessar bumerangues em vez de pedras, o efeito seria inverso, aproximar-se-iam como que sujeitos a uma força atractiva mediada pelos bumerangues.

Recordando o início da nota, e atendendo à complexidade da explicação que se segue, apenas pretendo dizer que eu e o revisor do livro não devemos compartilhar a mesma ideia do que seja uma ideia intuitiva…
Vejamos outro exemplo, no 20º e último volume da História Universal de Carl Grimberg (acima) onde se descreve a inflexão do regime cubano para métodos cada vez mais revolucionários em consequência da progressiva hostilidade norte-americana, como se concretizou em nacionalizações, prisões arbitrárias, perseguições contra a Igreja Católica e execuções sumárias (p. 183), a então até aí, discreta tradutora, resolveu inserir uma nota sua a respeito das últimas: De salientar que, após se terem apoderado do poder, os revolucionários cubanos não procederam a execuções sumárias mas, quando muito, a julgamentos sumários o que é bastante diferente. Nenhum dos executados o foi sem que a execução tivesse sido precedida de julgamento.

Ora bem, a intuição que faltou ao revisor da nota acima parece abundar a esta tradutora, a quem lhe falta, por sua vez, a objectividade analítica em excesso na redacção da nota acima. É que, mais do que as questões formais prévias de como se executa, gostaria de quantificar quantos casos de acusados de crimes passíveis de execução é que terão sido julgados nos tais julgamentos sumários, cuja pena não tivesse sido a confirmação da execução...

10 setembro 2008

OS ISMOS DA POLÍTICA PORTUGUESA

Ainda a propósito da actividade especializada do poste anterior, daquilo a que ela costuma dar importância e das terminologias que costuma empregar, lembrei-me de ir buscar um desenho de Manuel Gustavo Bordalo Pinheiro, publicado no jornal A Paródia em Maio de 1905 (abaixo), onde aparecem os dois dirigentes dos principais partidos da época (o regenerador Hintze Ribeiro, do lado esquerdo, e o progressista José Luciano de Castro, então no poder) incomodados com as verrugas das suas respectivas alas dissidentes.
Como se pode ler no desenho, já então em 1905 se criara a tendência para designar as facções pelo nome do seu chefe, como se o chefe fosse um ideólogo e de uma ideologia se tratasse. Usavam-se as expressões franquismo ou alpoinismo, como se empregaram muito tempo depois soarismo e cavaquismo, e actualmente as que estão mais em uso são o santanismo, o barrosismo ou o menezismo. Para aferir da importância futura destas três últimas, dão-se alvíssaras a quem se lembrar de memória quem foram o Sr. Franco e o Sr. Alpoim

SER-SE ESPECIALIZADO

Em meados dos anos 70 apareceram uns livros-choque muito populares a respeito da Segunda Guerra Mundial, que eram da autoria de um dinamarquês chamado Sven Hassel, que pretendia passar-se por um ex-combatente alemão da Frente Leste. Controvérsias à parte, eram uns livros de guerra cheios de acção, mas até mesmo para leigos eles acabavam por tornar-se inverosímeis, porque, na linha da Peregrinação de Fernão Mendes Pinto, tornava-se numa narrativa onde aconteciam demasiadas coisas sempre às mesmas pessoas…
Como é fácil de deduzir, não seriam livros propensos a conter pensamentos filosóficos de grande densidade, mas é de um deles, cujo nome já me esqueci, que extraio um que gostaria de aplicar hoje. Passa-se no seguimento da captura do nosso herói pelos soviéticos (claro que ele acaba depois por se evadir…) e de uma conversa tida com o seu carcereiro, de quem entretanto Hassel se tornara amigo, quando os soviéticos queriam fazer um levantamento entre os prisioneiros para saber as suas qualificações profissionais, para depois as aproveitar nas suas fábricas.

Sven explicou (mentindo) que era um mecânico especializado, porque pretendia sair do campo o mais depressa possível. O carcereiro escreveu então na ficha que ele era especializado e quando o dinamarquês lhe fez notar o preciosismo de ser mecânico, recebeu a tal importante lição de filosofia: Se ele queria sair dali o importante é que ele fosse especializado, não aquilo em que se especializara. Só assim é que se, por hipótese, aparecesse primeiro uma colocação para um torneiro especializado, ele estaria perfeitamente qualificado para o lugar… Pois bem, eu não posso assegurar que seja jornalismo, mas tenho a certeza que é verdadeiramente especializado aquilo que Francisco Almeida Leite costuma escrever no Diário de Notícias à laia de artigos (o de hoje é um excelente exemplo disso) onde, descaradamente serve de correio e porta-voz dos recados e intenções de uma das facções do PSD. Não me compete pronunciar sobre o interesse jornalístico em publicar aquilo daquela forma mas posso apreciar o interesse político em que aquilo seja publicado redigido como está, nas alturas em que o é…

R-E-S-P-E-C-T

Ao contrário do que dizia (e agora escreve...) Octávio Machado, vocês não devem saber do que eu estou a falar, mas sempre posso adiantar que se trata de um poste de encorajamento e, de qualquer maneira, RESPECT, cantado por Aretha Franklin, é uma canção arrebatadora!

(oo) What you want
(oo) Baby, I got
(oo) What you need
(oo) Do you know I got it?
(oo) All I'm askin'
(oo) Is for a little respect when you come home (just a little bit)
Hey baby (just a little bit) when you get home
(just a little bit) mister (just a little bit)

I ain't gonna do you wrong while you're gone
Ain't gonna do you wrong (oo) 'cause I don't wanna (oo)
All I'm askin' (oo)
Is for a little respect when you come home (just a little bit)
Baby (just a little bit) when you get home (just a little bit)
Yeah (just a little bit)

I'm about to give you all of my money
And all I'm askin' in return, honey
Is to give me my profits
When you get home (just a, just a, just a, just a)
Yeah baby (just a, just a, just a, just a)
When you get home (just a little bit)
Yeah (just a little bit)

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Ooo, your kisses (oo)
Sweeter than honey (oo)
And guess what? (oo)
So is my money (oo)
All I want you to do (oo) for me
Is give it to me when you get home (re, re, re ,re)
Yeah baby (re, re, re ,re)
Whip it to me (respect, just a little bit)
When you get home, now (just a little bit)

R-E-S-P-E-C-T
Find out what it means to me
R-E-S-P-E-C-T
Take care, TCB

Oh (sock it to me, sock it to me,
sock it to me, sock it to me)
A little respect (sock it to me, sock it to me,
sock it to me, sock it to me)
Whoa, babe (just a little bit)
A little respect (just a little bit)
I get tired (just a little bit)
Keep on tryin' (just a little bit)
You're runnin' out of foolin' (just a little bit)
And I ain't lyin' (just a little bit)
(re, re, re, re) 'spect
When you come home (re, re, re ,re)
Or you might walk in (respect, just a little bit)
And find out I'm gone (just a little bit)
I got to have (just a little bit)
A little respect (just a little bit)

09 setembro 2008

DEMOKRATIESE VERKIESING: NET BLANKES*

Na estrutura e na lógica como defende as suas causas (que não na área política onde se situa), Vital Moreira parece-me um excelente equivalente de Luís Delgado. Com a vantagem de Vital costumar deixar por escrito os disparates que profere. Com a vantagem adicional de Vital ser socialmente muito menos ridicularizado do que Luís Delgado, o que faz com que a comunicação social mostre um outro descuido em dar relevo aos disparates que ele escreve.

São compreensíveis os comunicados institucionais, que são quase obrigatórios, destacando os aspectos acessórios mas simpáticos, como a tranquilidade e o civismo, com que decorreram as recentes eleições angolanas. Mas, apesar de tanto defender o governo e de o fazer da maneira que o faz, que leve a que Vital Moreira possa já ser considerado uma espécie de instituição governamental, isso acontece apenas entre aspas… No seu caso, não é obrigatório que opine por conveniência, pode e deve fazê-lo por convicção.

E é preciso ser-se Vital Moreira para se vir celebrar em mais de meia página de jornal (Público) o que intitulou A Vitória de Angola. Sobretudo, o que mais me marcou foi o antetítulo: Poucas eleições africanas terão sido disputadas com tanta liberdade, pluralismo e transparência como estas. Reduzindo assim o espaço de comparação apenas a África talvez a afirmação se torne ainda mais verdadeira. O que fica por perceber é a necessidade que a comparação se restrinja dessa forma.

É que quando se escreve que um T1 na marginal em Luanda está à venda por milhão e meio de dólares, não se considera que se trata de um preço obsceno para um pais de África; é um preço obsceno em qualquer sítio do mundo!... Por um lado, lê-se aquele texto e marcam-nos os torrões açucarados de boa vontade para o futuro de Angola que foram ali escritos por Vital Moreira: …a concentração de poder no MPLA torna necessário contrabalançá-lo com práticas de escrutínio e de moderação política

Por outro, compare-se essa doçura com o teor daquilo que se pode ler a respeito do que Vital designou na altura como o Despotismo Democrático na Madeira: …onde a maioria dita atrabiliariamente as regras do seu jogo. Parece que, nestas coisas complexas da democracia e da liberdade, qual apartheid bem intencionado, Vital utiliza um grau de exigência (ainda que disfarçado de pragmatismo) quando se trata duma democracia para os africanos e outro quando se trata duma para nós…
* O título está escrito em africânder e diz: ELEIÇÕES DEMOCRÁTICAS: SÓ BRANCOS. É uma alusão às placas usadas nas instalações sanitárias públicas da África do Sul no período do apartheid (acima).