30 novembro 2005

DOS BENEFÍCIOS DE UM VENDIDO NO REINO DOS BONIFÁCIOS (1)

É o título de um disco de um antepassado da Banda do Casaco, uma protobanda por assim dizer, que foi editado, salvo erro, em 1974 ou 1975. A esta distância, já se pode reconhecer que o melhor que o disco contém é, porventura, a imaginação demonstrada pelo seu teu título.

Quando Sir Robert Walpole, o primeiro primeiro-ministro de Inglaterra e um homem que sabia do que falava, já que esteve em funções durante 21 anos consecutivos (1721-42), falava acerca de vendidos, produziu uma frase famosa, a propósito dos seus adversários políticos: todos estes homens têm o seu preço.

Ele sabia aqueles preços, de certeza, porque em alternância política, 21 anos seguidos não se conseguem assim do pé para a mão, sem truques, à excepção claro, da Madeira, que é resultado, obviamente, do mérito da governação do Alberto João Jardim.

O que nos baralha é quando os vendidos se vendem sem que encontremos quaisquer vantagens materiais no acto. Medeiros Ferreira lembrou-se de vir para a blogosfera publicar postes ferozes de critica às candidaturas que concorrem com as de Mário Soares.

Vai tudo a direito. Não escapam os candidatos, não escapam os discordantes – o mais recente foi Vicente Jorge Silva –, as críticas parecem-se cada vez mais com as de um adepto benfiquista, daqueles ferrenhos, mas nem sequer dos do saudoso 3º anel que também gostavam de dar opinião sobre as (más) formações da equipa – onde nem o Erikssson escapava.

É que depois, os resultados consecutivos das sondagens fazem os postes de Medeiros Ferreira parecerem-se cada vez mais com os comunicados do ministério da informação iraquiano em plena guerra do Iraque – da proclamação de vitória em vitória até à efectiva derrota final.

O essencial de qualquer análise política elementar está aí à vista de todos: ainda pode haver dúvidas que haja uma maioria de portugueses que queira Cavaco como presidente; mas não as há que existe uma esmagadora maioria deles que não quer que Soares para lá regresse.

Só numa situação limite duma segunda volta (onde nem sequer há a garantia de passar – poderá ser Alegre) existirá a hipótese de Soares bater Cavaco, não por Soares ser Soares, mas por Soares ser o outro que não o Cavaco. Para um ex-presidente, que deve ter provas dadas, parece-me pouco, confrangedoramente pouco. A mensagem está passada, os debates são flores e não me parece que alguém pretenda bater em Soares desta vez.

É compreensível que, para Medeiros Ferreira, o episódio Soares seja mais um zigue de uma carreira política que já teve vários deles e outros tantos zagues, embora suspeite que não venha a ter mais nada depois de Janeiro, ao estar a demonstrar um tal extremismo fundamentalista.

Como diria o Diácono Remédios: Não havia necessidade…

28 novembro 2005

A ARTE DE BEM CAVALGAR TODA A SELA por EL REI D. DUARTE

Entre os vários aspectos que eram trauteados e que me ficaram da História de Portugal conta-se a bibliografia de el-rei D. Duarte: O Leal Conselheiro, na sua faceta mais intelectual, ou A Arte de Bem Cavalgar Toda a Sela, na sua vertente mais desportiva.

Neste último caso, ainda hoje estou para descobrir as razões de um título tão longo e de qual será o seu significado; das vezes que lá andei (sobre a sela, por obrigação e que considero terem sido demais) fiquei com a certeza que a expressão toda a sela, literalmente, é mau sinal e prenúncio de queda do cavalo… Então porquê aquele requinte medieval?

Mas o que pretendo aqui é recuperar aquela estrutura bizarra do título para o parafrasear e aplicá-lo num desporto nacional, este sim muito mais popular que a equitação: A Arte de Bem Discutir, Fora da Argumentação. Descrevê-la como popular não impede que assuma características distintas conforme a classe.

Começando por baixo, há a tradicional discussão em que se trocam acusações recíprocas sem qualquer preocupação em as refutar, vulgarmente designada por peixeirada em homenagem à classe que tanto as popularizou, mesmo antes de Paulo Portas ou Narciso Miranda terem trazido as peixeiras para o prime time televisivo. É o estilo predominante quando as coisas aquecem nos programas de comentadores de futebol. Que saudades de Pedro Baptista...

À discussão do nível seguinte, que resulta de uma sofisticação do nível anterior, e que é protagonizada normalmente mais por quadros intermédios, pode-se designar por Ah…, mas tu também…, como se a falta de uma parte se considerasse anulada por uma outra falta da outra. Veja-se o caso corrente das faltas, como vereador, do actual Secretário de Estado da Educação, que parecem servir, só por si, para justificar todo o absentismo dos professores. Em discussões políticas, é o pão-nosso de cada dia.

A culminar, para os mais diferenciados, há a técnica da reinterpretação do que o oponente diz, aparentemente mais urbana, só que essa reinterpretação tem a vantagem de tornar o discurso do oponente mais facilmente rebatível. Reservado aos consagrados, mesmo assim conseguem-se identificar dentro do estilo duas escolas: a dos generalistas, como Marcelo Rebelo de Sousa ou António Vitorino, que se pronunciam sobre isto, aquilo ou o resto, e a dos especializados, que entortam o assunto até ele caber na área de que eles são reputados especialistas – não é possível falar da arrumação de automóveis com António Borges sem abordar a sua vertente económica, ou dos problemas constitucionais que se colocam à mesma actividade, se a conversa for com Vital Moreira.

Resta a pergunta: e D. Duarte, o Original, o Intelectual, não o Pio? Se fosse vivo, e admitindo que seria um consagrado, seria um reinterpretativo generalista ou especializado?

27 novembro 2005

A PRIMEIRA VEZ QUE CÁ VIM, DEPOIS DA ÚLTIMA VEZ QUE CÁ ESTIVE

Existe um argumento poderoso entre aqueles que defendem a extinção da monarquia, quando aludem aos eventuais problemas de debilidade mental ou de senilidade de um monarca, para preconizarem a sua abolição.

Só que, na verdade, as monarquias nem têm o exclusivo desse problema, basta até lembrarmo-nos, entre nós e para aqueles que são mais velhinhos, da veneranda figura do Chefe de Estado até 1974, Almirante Américo Tomás – ou Thomaz, como era chique naquela altura.

Apesar de todos dizerem ter sido um sujeito simpático (com quem até tenho um jogo de fotografias a receber um prémio), acabou por ficar para a história como um dos símbolos maiores da decrepitude de um regime, que se mostrou incapaz de se renovar.

Há algo que nos faz recordar Américo Tomás na maneira de estar do presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Nunes da Cruz. Já numa intervenção televisiva anterior, no programa Prós e Contras, o Juiz Conselheiro, figura máxima de todo o poder judicial português, tinha dado de si uma imagem não muito feliz. Recentemente, no VII Congresso dos Juízes, a prestação não foi melhor.

Só que o problema excede os problemas de imagem ou de telegenia. Esses foram os problemas de figuras públicas como Ramalho Eanes ou Cavaco Silva, que se empenhou em corrigi-los até se ter aborrecido e desatado a comer o bolo-rei à frente das câmaras. Em qualquer dos casos, e outros (Mota Pinto, por exemplo), nunca esteve em causa o que estava por detrás da falta de à-vontade diante de câmaras e microfones.

No Congresso dos Juízes, parecia que estávamos a ver uma figura vinda directamente do passado ou que, alternativamente, tinha estado a viver em algum lugar reservado, um mosteiro talvez… Parecia um Patriarca duma Igreja Ortodoxa do Leste, ou um daqueles monarcas europeus dos filmes do princípio do século XX – com a vantagem desses filmes serem mudos.

Com a assessoria a ser protagonizada pelo dirigente da Associação Sindical dos Juízes (*), Baptista Coelho, que emprega, com requinte vocabular, uma argumentação lógica que não desdenharia a um dirigente do sector metalúrgico da década de 1940, no período das justas lutas dos trabalhadores (**), parece-me evidente que o Ministro da Justiça pouco precisa de argumentar.

Se o poder judicial se sente bem, assim representado, então serão os próprios intervenientes que se enforcam, perante a opinião pública, e com uma corda que eles próprios teceram.

(*) Um Sindicato de Juízes tem tanto sentido como, por simetria, a Ordem dos Tratadores de Lixo.
(**) PCP dixit.

25 novembro 2005

OH LA LA ou UM POST CHIC (2ª Parte)

Para além da gastronomia, os franceses têm expressões muito típicas e muito cómicas, de que o Oh La La que encima este post é um excelente exemplo. É preciso dizê-lo à francesa, ou seja, rolando os olhos e fazendo um gesto vago com a mão. O Chic, que aportuguesámos para chique, é outro exemplo de tudo aquilo que é genuinamente francês. Como os conceitos de panache ou de finesse ou de todos aqueles galicismos que tenho vindo a espalhar por este texto.

O que é desagradável é a constatação que os franceses estão convencidos de que tudo o que é típico, cómico, interessante, se encontra exclusivamente por detrás das fronteiras do seu hexágono; e depois, que o seu hexágono é a mesma coisa que a Europa.

Estou desconfiado que a origem da confusão tem para aí uns 200 anos, da última vez que a França foi arranjar um Chefe de Estado nascido fora do hexágono, um sujeito baixinho que dava pelo nome de Napoleão Bonaparte. Esse esteve, de facto, em vias de conquistar a Europa, e de ter transformado o Império Francês no continente, até ter feito uma visita a Moscovo que correu mal, muito mal, muito pior até, do que as excursões da Intourist à União Soviética no período da Guerra-Fria, onde as disenterias fizeram vacilar muitas convicções comunistas profundas. O que interessa para a história é que a Europa em peso (a outra, não a dos franceses) se reuniu e derrotou a França.

A verdade é que, mesmo assim, os franceses ficaram a idolatrar o corso pequenito, que é tão adorado em França como foi detestado no resto da Europa (será que daqui a 100 anos os alemães também vão erigir um panteão ao Adolfo?). E ficaram com todos os comportamentos de fidalgo arruinado, a quem a vida já correu melhor, ciumento das atenções que o mundo dá às outras potências emergentes, quais arrivistas ou parvenus, de meia e cueca rota mas sempre de queixo erguido.

E é essa forma tão francesa de fazer de conta que os torna cómicos, malgré eux. Mostram um desprezo não disfarçado pelo caos organizado que caracteriza os seus parentes latinos do Sul, sem o distanciamento para verem esse mesmo caos nas regras de trânsito que tem gerido a forma como se processa a circulação na praça de L´Étoile, mesmo no centro de Paris.

Criaram o seu Império Colonial, que foi sempre uma sombra do Império Britânico, resistiram à descolonização e foram militarmente derrotados, passaram a Guerra-Fria a fazerem-se passar por relevantes, muitas vezes às costas dos alemães, enquanto o francês foi desalojado de idioma de comunicação internacional perante a aparente incompreensão dos franceses das razões para que isso tivesse acontecido.

E, pourtant, estou curioso em saber qual seria a percentagem de franceses que responderia, numa sondagem, que consideravam que a França era a maior ou a segunda maior potência do Mundo.

É que a França parece mesmo um galo de trino ardente mas fracos esporões.

24 novembro 2005

QUANDO UMA NOTÍCIA IMPORTANTE VEM NA PÁGINA 47

A notícia em questão vem na página 47 do Público de hoje e tem por título Imprensa britânica ameaçada de procedimento judicial por divulgar conversa entre Bush e Blair.

Recapitulando. Há um par de dias, o Daily Mirror, um jornal inglês conhecido pelas suas posições contra a Guerra do Iraque, noticiou que, no decorrer de uma conversa telefónica entre Tony Blair e George W. Bush, aquele tinha dissuadido o Presidente americano de ordenar o bombardeamento da Al-Jazzeera, a televisão sedeada no Qatar.

No dia seguinte, com os desmentidos de Washington e as tentativas londrinas de aliviar o assunto insinuando que Bush estaria a brincar, o Mirror voltava à carga especificando a data da conversa, deixando antever que teria documentação em seu poder que sustentaria a sua versão, enquanto o Guardian e o Times começavam a demonstrar interesse no assunto.

E ao terceiro dia parece comprovar-se o aforismo que nada é verdadeiro até ter sido devidamente silenciado pela via judicial.

Se a Presidência norte-americana fosse um filme, poder-se-ia dizer que Bush era um erro de casting. Mas assim, reeleito pelos seus concidadãos, que é que se pode fazer?…

DESTA VEZ DISCORDO DO GURU

O guru é José Pacheco Pereira. E não se julgue que o emprego da palavra guru tem algo de depreciativo. Muito pelo contrário, é com respeito que uso o termo, considero que só se é guru por mérito, não o é quem o quer.

O seu texto de hoje no Público, é fortemente condenatório do discurso de Freitas do Amaral a propósito da situação embrulhada que se vive no seio da União Europeia para a aprovação do orçamento comunitário. Por coincidência, um tema que ainda ontem abordei num poste chamado Um desafio a Aécio.

Titulado A ofensiva portuguesa contra o Reino Unido – um bom título, mas parece pôr as relações luso-britânicas numa antecâmara parecida com aquelas que vigoram actualmente entre os Estados Unidos e a Venezuela – e salvaguardando a dificuldade de sintetizar um texto denso e bem estruturado, como costumam ser os de José Pacheco Pereira, é possível desdobrá-lo num primeiro terço, onde se comenta o que foi dito, o estilo em que foi dito, a legitimidade de quem o disse e as suas consequências, a que se segue todo o resto, onde se esmiúça porque é que foi dito.

Para Pacheco Pereira, Freitas do Amaral é um europeísta extremista mas consequente. Ou seja, visto da sua perspectiva, Freitas está do outro lado da barricada. Globalmente, simplificado o assunto a barricadas, a minha será a mesma barricada de Pacheco Pereira, só que não posso acusar Freitas de estar a pensar mal quando considera que o Reino Unido é um entrave à concepção que os franco-alemães querem dar à União, muito embora não concorde com essa concepção. Muito menos concordo que ele esteja a assumir as penas de defender a posição francesa quando censura a passividade britânica em todo o processo de aprovação do orçamento – ou será que, em simetria, Pacheco Pereira não ficaria incomodado se o acusassem de ser um enfeudado aos britânicos por ter criticado Giscard d´Estaing, como aliás já o fez?

Objectivamente, as criticas à forma como o Reino Unido está a exercer a presidência por parte de Freitas do Amaral fazem todo o sentido, da mesma forma que as críticas de Pacheco Pereira à forma como foi elaborado o projecto de Tratado constitucional da União também o fizeram. É bem verdade que o segundo não é Ministro dos Negócios Estrangeiros como o é o primeiro, e aí é capaz de residir uma substancial parte da razão que possa dar a Pacheco Pereira, muito embora seja de opinião que o bom comportamento na União não se tenha vindo a revelar substancialmente remunerador – Portugal não parece ter sido destacadamente mais favorecido do que a Grécia, por exemplo.

Paradoxalmente, creio até que há maior proximidade de interesses entre Reino Unido e França, do que entre Portugal e qualquer deles – ambos preferem preservar o status quo a devolver o cheque ou a modificar a PAC. O resto, num artigo onde se faz aquilo que costuma ser de bom tom dizer que não se faz (processos de intenções) parece mais destinado à disputa política interna.

Ontem esqueci-me de referir, mas importa relembrar que Portugal dispõe de um prestigiado Presidente da Comissão que, no meio de isto tudo, não toca na chincha.

23 novembro 2005

OH LA LA ou UM POST CHIC (1ª parte)

Há quem considere os franceses gourmands; se o são, então não são honestos; sendo honestos, então não são gourmands. Há um teste simples que se pode fazer à frente de um açucareiro: quem tem açúcar de cana não adoça com qualquer outra coisa, a não ser se estiver a fazer alguma dieta. Ora o que se vê mais por França são aqueles cubinhos daquele produto que se extrai da beterraba. Nos sítios mais selectos até aparece ao café em competição com o açúcar amarelo e com o açúcar refinado. Pode ser raffiné; mas não é gourmand.
Para esclarecimento, só na época napoleónica é que se começou a dar grande divulgação àquela coisa de beterraba. O bloqueio continental imposto por Napoleão teve o efeito colateral de estancar o comércio de açúcar vindo das colónias, dominado pelos britânicos. Como sucedâneo ao açúcar, procurou-se apurar as estirpes de beterraba que contivessem maior teor açucarado para, por refinação, produzir algo de semelhante. E o resultado moderno são aqueles cubinhos que nos dão logo o gosto de estarmos no estrangeiro quando tomamos o café com leite da manhã.

Regressando à dúvida inicial, se os franceses são apreciadores mas desonestos ou, sendo honestos, a maioria faz-se mas é passar por apreciadora, quero dizer que qualquer das duas hipóteses é defensável.

No primeiro caso, aquele que questiona a sua honestidade, confesso que tenho uma certa dificuldade em validar uma classificação em que um arrondissement de Paris pode ter mais restaurantes classificados com três estrelas no guia Michelin dos que aqueles que assim são classificados em toda a Península Ibérica. Que diabo, o savoir faire não se esgota todo dentro do hexágono.

Mas, por outro lado, qualquer francês médio, quando confrontado com uma prova cega de um Serra genuíno ou de um Barca Velha, o melhor que lhe podemos arrancar é um “c´est pas mal” que, bidimensional, pode servir para apoiar o comentário de quem está a seguir, seja ele positivo ou negativo. Ou seja, suponho ser o melhor compromisso possível entre a honestidade de reconhecer que não se percebe nada do assunto e a pressão social que o impede de fazer esse reconhecimento.

E há que reconhecer que, independentemente donde estiver a verdade, a coisa funciona: a água-pé francesa tem um nome requintado – Beaujolais nouveau – e os japoneses parecem adorá-la.

(continua)

UM DESAFIO A AÉCIO

O que me parece que está em jogo, na disputa entre britânicos e franceses no seio da União, a propósito da aprovação do orçamento comum, tem consequências assimétricas para os dois grandes pólos da disputa. Assim, enquanto o montante da redução no cheque que os ingleses estejam dispostos a aceitar terá sobretudo consequências financeiras para o Reino Unido, a redução dos apoios da PAC que venha a ser aceite pelo lado francês terá, na França, consequências económicas e, por arrastamento, sociais.

Sem o embrulho de algodão da PAC, o sector primário da economia francesa arrisca-se a reduzir-se à expressão mínima, num país onde a excelência da sua produção alimentar é quase emblemática da sua identidade nacional – ao contrário dos anglo-saxónicos, que conseguiram reduzir o sofisticadíssimo acto de comer a uma contagem das calorias, hidratos de carbono e proteínas ingeridos por dia.

Será possível acreditar que, depois dos carros incendiados, haja algum político francês que seja capaz ou esteja disposto a enfrentar novas crises com os produtores de foie gras, de Beaujolais ou de Brie?

Os britânicos prevêem que não e, para se desculparem, de uma forma antecipada e surpreendente para a pátria da expressão fair play, arranjaram uma desculpa legalista, à francesa, para justificarem a sua inflexibilidade negocial que aborreceu sobremaneira o nosso ministro Freitas do Amaral.

É bom que ele se mostre aborrecido. Estas discussões no seio da União tem todo o ar de fim de festa, onde já todos se mostram saturados, e onde já não há distribuição de doces pelos meninos bem comportados – a Alemanha, entretanto, dá todo o aspecto de ir fechar o saco dos caramelos.

É bom que ele relembre junto dos nossos parceiros, de uma forma civilizada e diplomática bem entendido, que o nosso europeísmo varia na proporção directa do montante das ajudas comunitárias. Pode não ser muito correcto, muito menos idealista, mas o ambiente não anda propício ao faz de conta.

Ou como diria alguém, de uma forma mais rudimentar mas não menos acertada: que eles nos …………. ainda vai que não vai, agora que não conste para aí que a gente gosta.

22 novembro 2005

UM BIGODE PARA O TÓZÉ

Há descrições que, sendo mais importantes do que o personagem que é descrito, têm de o preceder para uma melhor compreensão do texto, como acontecia, por exemplo, com um texto do antigo livro da 3ª classe: De olhar vivo, focinho agudo, orelhas espetadas e cauda comprida, a raposa ladina… Também Nicolau Tolentino tinha um poema famoso: Chaves na mão, melena desgrenhada, batendo o pé no chão, a Mãe ordena…

Deve ser por causa da relevância que, às vezes, algumas pessoas atribuem à sua aparência em contraste com o resto da sua pessoa, que fica a parecer que elas se põem mesmo a jeito para serem apresentadas pela importância do que está à vista, tal qual a Mãe que procurava o famoso colchão fofo e de penas do tal poema de Tolentino.

De voz pausada, bem colocada, olhar triste e sobrancelhas em circunflexo, António José Seguro apresenta-se como uma das esperanças do PS. Há uma geração e meia, alguém que reunisse os seus predicados tinha assegurada uma excelente carreira na rádio, quiçá com incursões na televisão e no cinema – lembremo-nos de José Nuno Martins.

É sinal dos nossos novos tempos que já se tenha falado dele, a sério, para disputar a liderança do Partido. Ao menos, o bigode do José Nuno, quando o usava, era franco e farfalhudo, de forma a inspirar confiança...

21 novembro 2005

ORDENS SÃO ORDENS

Esta pequena cena em que Bush foi apanhado a tentar sair por uma porta errada, que estava trancada, não teria sido mais do que uma pequena gaffe da parte de alguém que as deve fazer com frequência, perseguido por uma imprensa que as adora apanhar*, não fosse a possibilidade de interpretar aquela cena de uma forma simbólica – foi como estivesse à procura de evadir-se das questões à forma de encontrar uma saída para o atoleiro do Iraque.
Depois do Secretário Rumsfeld já conseguir dizer, numa entrevista, que a sua opinião não tinha sido tido em conta para a decisão de atacar o Iraque - uma maneira rebuscada de lavar e secar as mãos de secador eléctrico, ainda não disponível na época de Pilatos – ou, entre nós, depois de Cavaco ter relembrado que se tinha pronunciado contra a intervenção americana – malandros dos jornalistas que nunca estão atentos – é possível antecipar que este dossier Iraque está pronto para embrulho e arquivo com causa julgada.

Já nem será surpreendente se, como no regime nazi e salvaguardadas as devidas proporções, no futuro se vier a saber que, naquele enorme exército de funcionários que constitui a Administração Bush, afinal havia uma esmagadora maioria que tinham uma opinião contrária à intervenção iraquiana, estavam apenas a cumprir ordens…

Vae Victis! (Ai dos vencidos!)

* Depois de ter visto a mesma cena em filme posso arriscar que o instantâneo capta o momento em que Bush faz a melhor cara de parvo de todo o incidente.

20 novembro 2005

A PROPÓSITO DO PAI, DO FILHO E… DO MERCADO

Há um livro de Lucky Luke, Corrida para Oklahoma, onde o herói se vê confrontado com uma campanha de imprensa em que é acusado de ser iníquo. O povo gostou da palavra e, mais tarde, Luke depara com uma grande manifestação a contestá-lo, convocada sob o lema Uni-vos contra a iniquidade e que estava repleta de indivíduos empunhando tabuletas onde se podem ler preciosidades como Lucky Luke é iníquo!, Basta de iníqua! ou São sempre os mesmos que iníquam! (prancha 41). Como explicou o antipático redactor do jornal (e mau da história): é uma palavra bonita e como os cidadãos não a compreendem, dar-lhe-ão o significado que quiserem…

Este pequeno intróito a uma ciência política reles serve para estabelecer um paralelo entre o uso da palavra iníquo e da palavra mercado, já mencionada no poste anterior. Esta última tem tido uma funcionalidade de canivete suíço na defesa, quer da desregulamentação, quer de qualquer tentativa de uma melhor supervisão da maioria de quaisquer actividades económicas. Na forma tradicional, os comentários de alguma comunicação social assumem sempre o aspecto de que o mercado não gosta ou que o mercado reage mal.
Vai daí, fui à procura dele. Quero confessar que, no que diz respeito aos senhores que compõem o mercado, assim como aos membros da Academia de Hollywood que dão os Óscares e aos clientes provadores que atribuem as estrelas aos restaurantes no Guia Michelin, sou como o São Tomé: tenho que os ver. Até lá, sou sempre de opinião que, prudentemente, aquilo pode estar tudo faralhado.
Ora, posso assegurar que procurar os tais senhores do mercado na Bolsa de Lisboa é um trabalho baldado. Ou então são aqueles que lá estão e estão muito bem disfarçados, porque uma apreciável fracção deles parece desconhecer por completo o que é a taxa Tobin, um dos assuntos que, alegadamente, provocaria no mercado as tais reacções de desagrado feroz.
Não estando ali, será que o tal de mercado é como a terceira pessoa da Santíssima Trindade? É que, tal como o Espírito Santo, é mais fácil de trauteá-la (a seguir ao Pai e ao Filho) do que explicar realmente em que é que consiste…

18 novembro 2005

DESCULPAS FATELAS

Sempre gostei do adjectivo fatela. É uma palavra que, como o prato das iscas com elas, apenas faz sentido quando associada a uma palavra específica. Das elas que acompanham as iscas ainda não tenho a certeza do que se trata, mas de fatela só se pode estar a falar de uma desculpa.

A primeira grande desculpa fatela da era industrial foi o cheque que já foi enviado pelo correio englobando três grandes invenções modernas: o cheque, o correio e o telefone que esconde a cara de pau de quem usa a desculpa. Mas o responsável pela descoberta genial foi quem começou a pagar as suas contas em cheque pelo correio. O cheque foi feito para estar no correio – o Ferreira da Quercus até diria que o correio é o habitat natural do cheque – e deve ser por isso que em vários países, no Japão, por exemplo, os Correios são a maior entidade bancária...

A segunda grande desculpa fatela dos tempos modernos, de cujo aparecimento eu já sou contemporâneo, é a de culpar os computadores. Os computadores primitivos, como eram muito grandes, tinham umas costas enormes, e alombavam com as culpas de tudo o que corria mal. Depois dessa primeira fase mítica, onde ainda se pensava que os computadores eram inteligentes, houve que refrasear a desculpa que passou a ser designada por erro informático. Agora vive tempos difíceis, em caso de bronca da grossa, como a recente colocação dos professores, há sempre um sobredotado na assistência que se põe a mandar palpites sobre os erros de programação que encontrou.

A terceira desculpa fatela, a que agora está na moda nesta fase neo-liberal, é a das reacções do mercado. Há uma data de reformas que não se podem fazer por causa das reacções do mercado. Ora eu não conheço aquele mercado, nunca lhe fui apresentado; conheço outros, mas são locais físicos onde se transaccionam legumes, peixe, carne. Consta que a grande importância daquele mercado advém do facto de haver inúmeros operadores e, como numa lógica aditiva, quando há muita gente junta a fazer a mesma coisa, não pode estar toda enganada ao mesmo tempo. Deve ser aliás, pela mesma ordem de ideias, que há quem reconheça o valor de uma reflexão conjunta produzida por um rebanho de ovelhas; há mesmo quem postule que talvez exista um valor N de ovelhas, a partir do qual o rebanho possa passar a resolver equações de 2º grau. O maior problema é que alguns crashes bolsistas no passado têm contribuído para manter estas teorias em fase embrionária, mau grado as preocupações constantes com as reacções do mercado...

17 novembro 2005

UM HOSPITAL DE OLHÃO, NA ZONA DA BOAVISTA

Em entrevista recente, o Ministro da Saúde citou, como exemplo de deficiente distribuição de recursos humanos, o caso do Hospital dos Capuchos, que conta com 59-oftalmologistas-59 (como se escrevia nos cartazes da festa brava 6-Touros-6).

É evidente que o exemplo foi estudado de antemão e não me surpreenderia que tivessem desenterrado o caso mais absurdo que existe em todo o Portugal. Ora, em vez de reconduzir o debate para terrenos razoáveis, o bastonário da Ordem dos Médicos reclamou que não era a sua classe que produzia a legislação ou fazia os quadros do pessoal.

Como são os médicos que aparecem como os beneficiários maiores da inépcia de outrem, isto até parece uma argumentação que decalca as defesas daqueles advogados manhosos, de que a culpa não era do ladrão, a janela é que estava aberta, nem do violador, a moça é que tinha um vestido muito provocante.

Talvez Pedro Nunes tenha algo a aprender com a malta daquele meio. Entre eles, há o ditado que diz que, quando apanhado, malandro que é mesmo malandro não “estrilha”, muda de esquina. Às vezes, é melhor estar calado do que fazer figura de parvo, defendendo o indefensável.

E se os últimos episódios têm mostrado que temos umas elites (Cordeiro, Cluny, oficiais das Forças Armadas ou Pedro Nunes) que parecem sê-lo mais pelo recheio da carteira do que pela formação cívica de que dão mostras, não seria desapropriado agora que dessem mostras de modéstia e recebessem a esse respeito uns bons ensinamentos práticos da marginalidade.

Como diria uma tia de Cascais, votante do Bloco: - Seria giríssimo!

PS - Pelos vistos, o Ministro enganou-se. Não são 59 oftalmologistas, são apenas 30. Ou seja, os efectivos do serviço afinal podem não ser tão obscenos, podem apenas ser absurdos. Na opinião de uma especialista em gestão hospitalar, como a Joana Amaral Dias que, ao criticar Correia de Campos com a segurança com que o fez, dá mostras de estar perfeitamente ao corrente dos problemas existentes no Hospital dos Capuchos: o quadro de pessoal da Otorrinolaringologia, as necessidades da Medicina Física e de Reabilitação ou os dilemas que se põem à Anatomia Patológica. Se o ridículo matasse, seria mais uma autópsia que estes últimos teriam que fazer.

16 novembro 2005

AND NOW, FOR SOMETHING COMPLETELY DIFFERENT (1)*

Sempre suspeitei que a Europa teria muito a ganhar se cada país se especializasse numa actividade distinta. Aos britânicos competiria o humor, aos franceses a alimentação, aos alemães a produção industrial, aos italianos, bom, eu antes do fim do poste ainda me hei-de lembrar de qualquer coisa para eles fazerem… E quem fugisse a esta regra era sancionado: ninguém está interessado em comer comida inglesa nem em ouvir uma anedota alemã – olhem, eis dois exemplos de atentados violentos contra o ambiente sobre os quais nunca ouvi o Ferreira da Quercus pronunciar-se…
Um dos problemas dessa solução seria o das tarefas a atribuir aos países mais pequenos, que têm uma imagem de marca menos vincada do que ingleses, franceses ou alemães. E esse aspecto reflecte-se na auto-estima dessas nações, num grupo onde se inclui Portugal. Afinal, por exemplo, o que sabemos dos suecos é pouco: que têm uma língua com uma sonoridade peculiar, como se percebe nos filmes do Ingmar Bergman ou com o cozinheiro dos Marretas.
Atente-se, por exemplo, às viagens de Astérix, que deve ser o mais antigo europeísta de que há conhecimento: vai a Roma com regularidade, esteve entre os Godos, entre os Bretões, recebeu os Normandos, foi à Grécia, a Espanha, à Córsega, ao Egipto, esteve entre Suíços e Belgas, até foi à América. Das terras de portugueses, irlandeses, holandeses, croatas, dinamarqueses, suecos, checos, nada.
Mas, se Astérix não chegou a ir à terra dos Lusitanos, estes foram à Gália. No álbum O Domínio dos Deuses, na prancha 7, Goscinny (o criador do Astérix) e Uderzo (que se vinha encarregando de o desenhar e, agora, de o destruir) retratam-nos como uns sujeitos pacatos, patuscos, respeitadores, de ombros encurvados e de grande bigode à Artur Jorge. Simpático, não é?
Foi para estragar este estado de coisas que, em boa hora, apareceu o Mourinho. O Mourinho está nos antípodas dos obrigadas consecutivos que marcavam as apoteoses das actuações da Amália. O Mourinho nunca poderá actuar no Olímpia: se ele já descompõe um francês (Wenger, do Arsenal) da maneira que o faz, imaginem o que é que ele faria com uma plateia deles. E manda calar estádios de canalizadores de Manchester e de mecânicos de Liverpool, daqueles que nos visitam para aprenderem a apreciar boa cerveja e ganharem um bronzeado lagosta.
Qual Soares, qual Cavaco, qual Barroso. O Mourinho é que é verdadeiramente respeitado na Europa. Ganda Mourinho!

* Após reclamações, passo a traduzir as partes em estrangeiro. Esta quer dizer: Agora, uma coisa completamente diferente. Outro dia, era uma citação latina: Até quando, Catilina, abusarás da nossa paciência?

15 novembro 2005

QUEM É AÉCIO

Flávio Aécio foi um general romano do século V (c.396 – 454), considerado por alguns historiadores como o último dos romanos. O Império Romano no Ocidente terminou 22 anos depois da sua morte.

O Império Romano foi também o último projecto de unidade europeia que vingou de uma forma consistente. Fala-se muito da sua decadência, mas esquece-se que perdurou como entidade política predominante durante 500 anos, a que há que adicionar mais outros 500 anos na sua metade oriental.

Depois dele, qualquer projecto de unidade europeia (Carlos Magno, Sacro Império, o Papa, Napoleão, o III Reich), só durou o tempo de uma geração, embora alguns talvez tenham perdurado mais do que isso, mas esvaziados de conteúdo e apenas de uma maneira formal. O que acontecerá à União Europeia?

A relevância actual do estudo da Antiguidade Clássica pode ir bem mais para diante do que a aparente petulância de aprender latim ou estudar os clássicos. Mas investigar o que pode ter mantido o interesse em manter uma associação mútua por parte das diferentes comunidades que constituem os países modernos é um assunto de supremo interesse na actualidade. Aécio é assim como um símbolo de alguém que deteve os segredos de uma unidade europeia funcional. Talvez estudando-os possamos reaprender qualquer coisa.

14 novembro 2005

DE OLHOS NOS OLHOS, MAS PENSANDO NA ALGIBEIRA DELE…

Cada vez parece mais provável que a história do mensalão brasileiro envolvendo o financiamento do PT e da campanha do Lula arraste consigo qualquer dos financiados. É quase garantido que uma reportagem bem conseguida e bem orientada a respeito de um mundo onde grassa o segredo e a hipocrisia leve à fragilização e ao possível derrube do investigado. No Brasil, já tinha sido assim com Collor de Melo e mesmo nos Estados Unidos – um dos países mais descomprometidos no que diz respeito a financiamentos de campanhas – a propósito do caso Watergate houve uma altura em que se tentou fazer algo de semelhante a Nixon.

Não parece ser muito arriscado afirmar que, a propósito de financiamentos, deve ser dificílimo descobrir inocentes. E onde existe uma certa honra, mas aquela do tipo padrinho: uma figura respeitada como Helmuth Kohl foi sancionada judicialmente por não revelar as origens do dinheiro num processo em tribunal. Entre nós, ainda temos uma mala recheada de dinheiro para António Preto (PSD) explicar, mas, tanto cá, como lá fora, parece existir um equilíbrio semelhante à MAD (destruição mútua assegurada) da Guerra-Fria: se tu não falares dos meus, eu não menciono os teus.

Em relação ao seu posicionamento no espectro político, diz-nos a intuição que os partidos e os candidatos quanto mais são de esquerda maiores dificuldades terão em se financiarem. Em Portugal, o PCP parece ser o único partido que fala claramente das suas questões de financiamento, embora aproveite a franqueza para nos contar uma data de fábulas. Só após a extinção da União Soviética é que ficou inequivocamente provado, a partir de documentos russos, que o PCP recebia financiamentos do exterior. Até lá, tinha sido tudo do muito trabalho militante, das quotizações e dos lucros da Festa do Avante. Com o correr da década de 90, constatou-se a perda progressiva de iniciativa nas várias campanhas do PCP e nos seus resultados eleitorais. Afinal, a falta dos rublos fez-se sentir.

Tudo isto vem a propósito da evidente pujança recente do Bloco de Esquerda em termos de meios de campanha. Ainda a campanha presidencial não arrancou e ele já é enormes outdoors do candidato espalhados por aí… Quando isto vem dos herdeiros de uma LCI, de um PSR, de uma UDP, que estavam sempre à míngua de meios e cujos folhetos de propaganda faziam parecer que continuavam a usar as impressoras de vão de escada do tempo da clandestinidade…

Por isso, quando vejo o enorme outdoor dos Olhos nos Olhos, com o Louçã a fixar-me, eu devolvo-lhe o olhar mas confesso, não estou a vê-lo, estou a imaginar o custo daquele cartaz e quem lhe enche a algibeira…

13 novembro 2005

V + DOIS NOMES

Foi intuitivamente que, já há bastante tempo, cheguei à conclusão que uma pessoa que possuísse um nome começado por V a que se seguissem dois nomes era como que uma chancela de alguém proeminente na esfera da cultura: Vasco Graça Moura, Vítor Cunha Rego, Vicente Jorge Silva, Vasco Pulido Valente.

Era uma outra geração. Desta, só há o Vasco Rato, a quem, como se percebe logo, lhe falta qualquer coisa. Ainda se fosse, por exemplo, Vasco Coelho Rato, era diferente, mais consistente, ainda que um pouco confuso do ponto de vista zoológico. Tal como está, a dois nomes, o que mais interessante lhe resta é aquele sotaque matizado, de quem veio do estrangeiro – e o que veio lá de fora, já se sabe, tem sempre mais valor.

O problema oposto tem Eduardo Prado Coelho. Esse já tem os três nomes da praxe, a culpa foi da falta de sofisticação do seu padrinho que lhe chamou Eduardo, um nome tão britânico, tão fleumático, que não combina nada bem com o frenético polemista que EPC é. Faz a festa, deita os foguetes, apanha as canas, declara-se o vencedor, e nós, os leitores do Público, que quotidianamente passamos ao lado de tanta excitação…

Regressando àquela lista de magníficos, o que considero mais culto é, indubitavelmente, Vasco Graça Moura, que transborda de cultura, mas confesso que o meu favorito é Vasco Pulido Valente. É sempre com emoção que descubro qual é o PH diário de cada uma das suas crónicas de fim-de-semana do Público: será o 3 do ácido sulfúrico ou o 11 da soda cáustica?

Mas quero confessar que fiquei terrivelmente desapontado quando o li, recentemente, a escrever sobre futebol. Ora o futebol é como a religião de outrora, coisa de especialistas, retirada aos filósofos, entregue aos teólogos. Ora VPV não se pode arrogar o direito de que alguns minutos de alguns neurónios do seu ser poderem atingir conclusões mais fundamentadas que todos os corpos redactoriais de 3-Jornais-3 diários de futebol, para além de um elenco alargadíssimo de comentadores, numa reunião de massa cinzenta capaz de superar outros centros de excelência nacionais como a Gulbenkian, o IDN, o IPATIMUP ou a Quadraturadocírculo.

É esta imodéstia que acabará por perder VPV. E tenho pena. Como já se devem ter apercebido pelo estilo dos meus posts, quando for grande, hei-de alterar o meu nome para ser como ele.

ET – Acabei de descobrir que VPV afinal não é VPV de origem. Nem acredito… Vou investigar.

12 novembro 2005

OH INCLEMÊNCIA! OH MARTÍRIO!

No meu filme português favorito, O Pai Tirano, existe um personagem chamado Seixas que, para se preparar para a peça, se tinha auto-condicionado a reagir com a sua linha mal ouvisse a sua deixa: a palavra Antão.

No dia da estreia quando, como seria de esperar, tudo sai de controlo e há alguém que se sai com a imprecação e então?, o bom do Seixas, automatizado, entra e atravessa o palco de mãos ao alto e clamando Oh, inclemência! Oh, martírio! Estará porventura periclitante a vida dessa criança que eu ajudei a criar?!, enquanto se escapava para os bastidores pelo lado oposto.

Somos muitos os que já perdemos a conta das vezes que vimos o filme, mas fui buscar o episódio para o comparar o Seixas a alguns políticos, que atravessam o palco da cena política da mesma forma exuberante mas rápida.

No passado, é de recordar a arma secreta do PSD para o ambiente, o Eng. Carlos Pimenta, que só foi boa enquanto foi secreta e porque foi logo posta a bom recato em Bruxelas, já que quando foi reactivada, a propósito do problema da co-incineração, percebeu-se logo a razão de tal secretismo.

Há outros casos, mais frescos, como o do Dr. Carrilho, que, de certeza, só se voltará a candidatar, quando tiver um eleitorado que o aprecie verdadeiramente; o de Nauru, por exemplo.

Mas convém mencionar as causas próximas que me levaram a este poste. Outro dia, estava a escutar a Ana Gomes na televisão e dei por mim a perguntar-me: será que Estrasburgo é, politicamente, o equivalente aos bastidores por onde desapareceu o Seixas?...

11 novembro 2005

QUOSQUE TANDEM...

Ontem, a Caixa Geral de Depósitos (CGD) anunciou um crescimento dos seus lucros em mais de 50% em relação ao ano anterior. A CGD, como os restantes grupos financeiros, parece mostrar a sua capacidade de gerar lucros, mesmo numa conjuntura adversa. É que, simultaneamente, os números do crescimento da economia portuguesa rojam-se pelos 1 ou 2%. Se ninguém se tiver enganado nas contas, o crescimento daqueles lucros só podem acontecer através de uma redistribuição da riqueza. Muito do que a CGD ganhou a mais este ano teve de vir de outro ou outros que o ganharam a menos...
Parece que ontem o BCP se ofereceu para vender o seu fundo de pensões por 4 mil milhões de euros e incorporar os seus trabalhadores no regime de segurança social geral. Creio que, para quem leu a notícia, uns 90% deve ter logo tentado imaginar quanto que é que o Banco iria lucrar com a aceitação dessa proposta. E quem saíria lesado por causa de uma denúncia unilateral de contrato por parte da entidade empregadora...
Parece que temos, pois, pelo menos no sector financeiros, empresas lucrativas e atentas, capazes de competir no mercado globalizado. Acessoriamente, parece haver quem fique tramado nesse processo... Para aquela malta, que já só viu o muro caído, e que considera o liberalismo como um axioma económico, uma citação hiper-clássica: quosque tandem, Catilina, abutere patientam nostram?
E com um agradecimento adicional e especial a Mendo Castro Henriques. por me fazer citar Cícero com o rigor que o autor merece.

09 novembro 2005

QUEM DETÉM OS DIREITOS DA MARCA EUROPA


Foi lançada para o espaço uma sonda europeia que irá proceder à exploração do planeta Vénus. Ao ler no Le Monde os nomes de responsáveis da missão, como o do presidente da sociedade encarregada do lançamento da nave (Jean-Yves Le Gall) ou o do responsável do programa científico (Jean-Pierre Cau), ficamos logo com uma vaga ideia de que Europa é que estamos a falar.

Basicamente, o E de Europa é uma marca registada de gestão francesa e financiamento alemão. É só por acaso que a sede da sociedade que produz os Airbus fica em Toulouse na França, que a base de lançamento da Agência Espacial Europeia (ESA) fica em Kourou, na Guiana Francesa ou que o presidente da comissão que redigiu o projecto de Tratado Constitucional era um antigo Presidente francês.

No meio disto tudo, vamos ao El Mundo e ficamos a saber que a participação espanhola é vital para o funcionamento da tal sonda espacial. É nestas ocasiões, onde a imodéstia castelhana transborda, que se vê nitidamente que qualquer união ibérica passada ou futura nunca foi nem será natural.

É que cá, entre nós, na nossa faixa ocidental, aquele tipo de imodéstia nem é só reprovável, é ridículo.

08 novembro 2005

QUANDO O ENTREVISTADOR TAMBÉM ACHA...

Ao assistir ontem à entrevista a Manuel Alegre na TVI, relembrei-me porque é que há bons entrevistadores e há os outros, que aproveitam a oportunidade de estar ali com uma pessoa, conhecida ou não, para dizerem de sua justiça. Já se deve ter percebido que Constança Cunha e Sá, ontem e muito frequentemente, pertence a esse segundo lote. Terá sido por isso que nem perdi tempo a prestar atenção ao que a boa da Constança acha do Jerónimo de Sousa e do Francisco Louçã.

Mas com os outros candidatos, talvez nos intervalos das apreciações da entrevistadora e enquanto a audiência fiel em peso daquele canal aproveita para fazer outras coisas, talvez se pudesse ver qualquer coisa interessante... Nah! É que, para além de uma indispensável boa preparação da entrevista, a Constança também já aderiu à escola que Judite de Sousa pratica na RTP: o script e a ordem das perguntas são para respeitar mesmo que o entrevistado disser algo de potencialmente bombástico!

Ontem funcionou ao contrário. A Constança achou que tinha uma pergunta muito boa a propósito de umas declarações da porta-voz da campanha de Alegre (Inês Pedrosa) a propósito de uma sondagem e até vinha equipada de uma parafernália de jornais que as comprovavam. À primeira Alegre não respondeu, à segunda deu-lhe o remoque que ela o estava a entrevistar a ele e não à porta-voz, à terceira, ao ver o jornal e a sondagem enquadrou as declarações num outro entendimento que a Constança não lhe tinha dado.

Julgam que a Constança deu a mão à palmatória pela sua própria obtusidade? Nah! Por isso arrisco dizer que ela nem precisa de que alguém lhe diga que não é nenhuma especialidade - é que alguém já lhe pode ter dito e ela nem prestou atenção...

07 novembro 2005

BUSH com W

O papa João XXIII publicou, vai para mais de 40 anos, uma encíclica denominada Paz na Terra em que abordava, entre outras assuntos, a coesão da humanidade.

Isto vem a propósito de uma ideia minha de que não seria descabido atribuir um prémio qualquer ao George W. Bush - exclui-se o Nobel da Paz por motivos óbvios, ou melhor, qualquer prémio com qualquer relação com actividade intelectual, pelos mesmos motivos - pelos seus esforços em prol da coesão da humanidade. Qual é o desporto mais popular à escala mundial? Se pensou no futebol está errado. Todas as raças, credos, povos adoram dizer mal, gozar com Bush.

Como se viu agora em Mar del Plata, já está na fase do palhaço de sucesso: só precisa de aparecer, nem precisa de dizer nada que a audiência diverte-se à mesma. Perguntaram-me, e pergunto-me também, se os americanos terão consciência de qual a imagem que o seu presidente (eleito por eles) goza no estrangeiro. Eu acho que uma grossa maioria deles nem se ralam; para quem tem por costume designar os campeonatos norte-americanos de uma qualquer modalidade estapafúrdia por world series...

Agora o vice-presidente Dick Cheney e sua a malta (Rumsfeld, etc) é que já deve estar cansada. Na próxima vez, em 2008, que se candidatar à vice-presidência vai escolher um parceiro para concorrer a presidente mais esperto (mas não muito...). Boneco sim, mas com dignidade.

04 novembro 2005

AS CHAMAS DA FRANÇA

Estou tentado a concordar com as críticas à forma bondosa como, em muitos órgãos de comunicação, têm estado a ser retratados os responsáveis pela noites de violência consecutivas nos arredores de Paris.

Arrisco-me a especular se, entre muitas outras causas, não estará na origem dessa indulgência a reverência iconográfica que, entre nós e para a geração que detêm agora o poder, sempre se atribuíu a episódios vagamente aparentados, como o Maio de 68 - ou o nosso sucedâneo local da crise académica de Coimbra de 69.

É importante que haja um certo distanciamento e uma certa racionalidade na análise dos eventos (sim, estes também são eventos, embora não sejam do tipo que Medeiros Ferreira pretende atrair para Portugal...), mas às vezes é de bom senso moderar o entusiasmo nas críticas e não esquecer a relatividade das coisas.

É que, vistos neste enquadramento, é um exercício engraçado especular como é que os críticos dalguma análise feita à actualidade francesa como são Pacheco Pereira ou José Manuel Fernandes, e que também viveram os seus momentos rebeldes nos idos anos de 60 e 70, se classificariam hoje a si próprios a propósito da sua sua incarnação da juventude. Uma sugestão cruel: jovens remediados e mimados à procura de causas que valessem a pena?

Mas não são os intelectuais dessa geração os que podem extrair a lição mais proveitosa do que se está a passar em França. A geração dos que têm agora 30 anos, onde pululam os neo-ultra-liberais e os outros que também são ultra qualquer outra coisa, esclarecidos da disputa ideológica da guerra fria pelos comentadores de fim de jogo (aqueles que sempre viram, desde o início, que o resultado só podia ser o que foi), podem tentar divisar, por detrás do literal fogo de artíficio dos arredores de Paris, outras causas para a criação do estado social europeu do pós guerra.

É que os seus avós podiam ser bondosos, mas não tanto assim, e também já deviam suspeitar que a sua caridade governamental para com os pobrezinhos não era um modelo de eficácia económica na alocação de recursos. Mas estava-se a comprar paz social, algo que havia faltado no período de entre guerras. E a evitar o descontentamento que a União Soviética facilmente capitalizaria em seu proveito durante a guerra fria.

Uma das lições de Paris (como doutros sítios) é a de não dar a paz social como um bem adquirido. E, sem ela, os mecanismos económicos, onde se constroem modelos neo-liberais (ou outros) têm uma certa tendência para emperrar.

INAUGURAÇÃO

Esta de criar um blogue por pudor não sei se será um episódio frequente. Talvez aconteça mais vezes do que penso.

A verdade é que já se estava a tornar rotineiro aproveitar a caixa de comentários dos postes de Medeiros Ferreira nos bichos-carpinteiros para manifestar o meu exaspero pelas prosas que ele anda por lá a postar por estes dias.

É chato, quando repetitivo é deselegante, além dos comentários censóreos aos postes de Medeiros Ferreira estarem a crescer com uma popularidade exponencial, capariquenha mesmo. Já não é raro os comentadores entreterem-se entre eles, esquecendo-se do resto.

Por isso, aqui vim para este cantinho, sem importúnios e sem a certeza de cá conseguir regressar (o poste pode vir a ser único e, numismaticamente, mais valioso por isso), interrogar-me porque motivo os postes de Medeiros Ferreira ainda mantém a capacidade de me irritar.

Começemos por procurar sistematizar alguns dos tipos mediáticos que me irritam.

O tipo Jorge Coelho, em primeiro lugar, por unanimidade e aclamação, do tipo da sessão de palmas no encerramento do congresso do PC chinês. Mas no fundo, o que me aborrece em Jorge Coelho, não é o próprio, antes a incapacidade da nossa sociedade (e a minha incapacidade em conseguir explicá-lo) em fazer a distinção entre o esperto e o inteligente. Jorge Coelho é o espertalhão por excelência - um retrato de Zé Povinho onde nos gostamos de rever. Mas sempre que se torna necessário ir um pouco mais além, a profundidade dos pensamentos de Coelho é a de uma poça de água. Vide o Congresso do PS que Coelho organizou para Guterres: foi a coisa mais albanesa a que assistimos; a oposição era... Manuel Maria Carrilho.

Francisco Ferreira, o homem da Quercus, que passeia a sua careca como demonstração cabal do poder destrutivo das chuvas ácidas. A culpa da minha irritação até nem lhe pertence, antes ao papalvo que lhe põe um microfone à frente como se ele fosse dizer algo surpreendentemente novo. É como perguntar a um padre qual a sua posição ácerca de existência de Deus. Em qualquer situação há sempre um bicharoco qualquer que nidifica no sítio onde se quer construir ou destruir qualquer coisa. Mesmo a destruição do barracão velho irá perturbar os hábitos das ratazanas verdes - espécie que ninguém sabe se existe ou não, mas como o gajo fala com aquela convicção, então é porque sim.

Os diletantes da argumentação na versão Vasco Graça Moura. Mais uma vez, a culpa não é dele, é nossa quando o levamos a sério quando apresenta a sua argumentação com um remate surdo à Fernando Pessa: - E esta, hem? Tentem lá desmontá-la... E o pessoal embevecido: como ele pensa bem! Acessoriamente, é um tradutor com uma sucessão de sucessos capaz de rivalizar com a press release sobre a situação militar emitida pelo Ministério da Informação de Saddam Hussein. Traduz François Villon do picardo (salvo erro) original e é... um sucesso, traduz Dante do toscano original e é... outro sucesso. Ainda não identifiquei a dúzia de especialistas portugueses em picardo, muito menos a outra de especialistas em toscano, que validam essa apreciação. Se calhar é porque não os há... Na dúvida, aguardo mais uma tradução magistral, pode ser a dos pensamentos no original de Lao-Tse...

Comissário por comissário, a função parece ter sido assumida actualmente por Vital Moreira. É diferente do anterior: aprende-se a antipatizar, na inversa do antigo anúncio da tónica Schweppes. O desconforto aparece depois das situações em que se compartilham essencialmente as mesmas opiniões, que são muitas. Mas quando se disseca o estilo argumentativo, chega-se às verdades de um Portugal de papel que não existe realmente. Como caricatura, ainda não perdi a esperança de, numa situação argumentativa limite de defesa do status quo, ver um poste de Vital dissertando àcerca da impossibilidade da existência da corrupção por parte de alguém do aparelho governamental, por manifesta inconstitucionalidade da mesma...

Qualquer dos casos citados... têm piada. Leve-os a sério quem quiser. E Medeiros Ferreira?

Já o vi capaz de fazer análises políticas bem argutas. Já li postes seus inqualificáveis, agora na sua fase bloguística. No fundo a minha indignação é gerada da convicção de que ele é bem capaz de fazer melhor e, por outro lado, porque não tem jeito nenhum para andar para a política pura e dura, para postar bocas que animem a malta. Além de não ter jeito, rebaixa-o, fica-lhe mal, faz figura de tonto.

Não sei das suas razões para poder estar chateado com o PS. Afinal de contas, o PS é um partido pujante de quadros, figuras gradas da sociedade civil, que até se dá ao luxo de o poder dispensar ou a uma bastonária de uma ordem de profissionais liberais como Helena Roseta...

Vou continuar a ler os postes de Medeiros Ferreira.