04 novembro 2005

AS CHAMAS DA FRANÇA

Estou tentado a concordar com as críticas à forma bondosa como, em muitos órgãos de comunicação, têm estado a ser retratados os responsáveis pela noites de violência consecutivas nos arredores de Paris.

Arrisco-me a especular se, entre muitas outras causas, não estará na origem dessa indulgência a reverência iconográfica que, entre nós e para a geração que detêm agora o poder, sempre se atribuíu a episódios vagamente aparentados, como o Maio de 68 - ou o nosso sucedâneo local da crise académica de Coimbra de 69.

É importante que haja um certo distanciamento e uma certa racionalidade na análise dos eventos (sim, estes também são eventos, embora não sejam do tipo que Medeiros Ferreira pretende atrair para Portugal...), mas às vezes é de bom senso moderar o entusiasmo nas críticas e não esquecer a relatividade das coisas.

É que, vistos neste enquadramento, é um exercício engraçado especular como é que os críticos dalguma análise feita à actualidade francesa como são Pacheco Pereira ou José Manuel Fernandes, e que também viveram os seus momentos rebeldes nos idos anos de 60 e 70, se classificariam hoje a si próprios a propósito da sua sua incarnação da juventude. Uma sugestão cruel: jovens remediados e mimados à procura de causas que valessem a pena?

Mas não são os intelectuais dessa geração os que podem extrair a lição mais proveitosa do que se está a passar em França. A geração dos que têm agora 30 anos, onde pululam os neo-ultra-liberais e os outros que também são ultra qualquer outra coisa, esclarecidos da disputa ideológica da guerra fria pelos comentadores de fim de jogo (aqueles que sempre viram, desde o início, que o resultado só podia ser o que foi), podem tentar divisar, por detrás do literal fogo de artíficio dos arredores de Paris, outras causas para a criação do estado social europeu do pós guerra.

É que os seus avós podiam ser bondosos, mas não tanto assim, e também já deviam suspeitar que a sua caridade governamental para com os pobrezinhos não era um modelo de eficácia económica na alocação de recursos. Mas estava-se a comprar paz social, algo que havia faltado no período de entre guerras. E a evitar o descontentamento que a União Soviética facilmente capitalizaria em seu proveito durante a guerra fria.

Uma das lições de Paris (como doutros sítios) é a de não dar a paz social como um bem adquirido. E, sem ela, os mecanismos económicos, onde se constroem modelos neo-liberais (ou outros) têm uma certa tendência para emperrar.

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