Há assuntos que se propagam como as conversas que, como diz o ditado, são como as cerejas, mesmo quando já passou o seu tempo… A respeito de Yumzhgyin Tendenbal, aparecido no poste anterior, lembrei-me da fotografia de cima, que contém uma indesmentível dimensão histórica, porque se trata de uma das raras fotografias em que aparecem simultaneamente Staline e Mao. A ocasião em que foi tirada foi a da celebração oficial dos 70 anos do ditador soviético em Dezembro de 1949. Como todas as boas comemorações daquele tipo de regimes, a fotografia capta o momento mais aclamado da cerimónia, o das palmas colectivas que se batem mas não são dedicadas a ninguém em especial - Stalin também está a batê-las… É uma fotografia que também tem algumas histórias curiosas a ela associadas.
O primeiro pormenor pitoresco é que Stalin, naquela celebração dos seus 70 anos, já tinha 71 anos… A sua data oficial de nascimento era 21 de Dezembro de 1879 e as celebrações processavam-se de acordo com ela, mas actualmente acredita-se que ele nascera efectivamente a 18 de Dezembro do ano anterior (1878). Era portanto um ano mais velho do que constava na biografia. Enfim, ter uma data de nascimento oficial e outra real ainda hoje é um fenómeno frequente entre os portugueses mais velhos. Outro fenómeno muito português é o de mostrarmos curiosidade quanto à identificação dos convidados presentes nas festas de aniversário, especialmente aqueles que aparecem mais próximos do aniversariante.
Na fotografia de cima e da esquerda para a direita, aparecem sucessivamente em fervorosa actividade aplaudente, Lazar Kaganovich (?), Mao Zedong, Nikolai Bulganin, Stalin, Walter Ulbricht, Yumzhgyin Tsedenbal (com os óculos de nerd…) e Nikita Khrushchev. Vale a pena falar dos estrangeiros. Os três que aparecem naquele palco são Mao, que acabara de proclamar a República Popular da China um mês e meio antes (1 de Outubro de 1949), Ulbricht, que fizera o mesmo com a República Democrática Alemã (10 de Outubro de 1949) e o mongol Tsedenbal, o país menos populoso de todo o campo socialista naquele altura, cujas razões para o destaque da sua presença ali nunca vi explicadas satisfatoriamente*. Porque é garantido pelas regras da coreografia daquelas cerimónias que ele não estava ali por acaso…
É que, por muito internacionalismo proletário que devesse existir e por muita irmandade que houvesse entre os partidos comunistas, estar e parecer estar nas boas graças em Moscovo sempre foi um objectivo de qualquer partido comunista e esse estatuto era medido também na simbologia das posições relativas nestas cerimónias. Era como ter uma gramática própria, interpretando os lugares protocolares, em vez dos vestidos, como acontece nas fotografias da ¡Hola!... Naquele caso, além dos dirigentes dos novos estados socialistas da China e da Alemanha, era o representante da Mongólia que aparecia ali destacado em relação aos dirigentes de todos os países da Europa de Leste como a Polónia, a Checoslováquia, a Hungria ou a Bulgária, para já não falar dos dirigentes dos importantes (e poderosos) partidos comunistas francês e italiano…
Aliás, prova da importância que mesmo em Portugal se dava a isso, no PCP nunca se deixou de usar a carta do orgulho patriótico ao sugerir o grande apreço de que Álvaro Cunhal gozaria junto de alguns membros da cúpula soviética por causa das suas qualidades intelectuais (Mikhail Suslov era o membro do Politburo mais evocado, que se insinuava ser uma espécie de padrinho de Cunhal). Pois bem, se a ortodoxia pode superar o valor específico de cada partido, então Cunhal – que era apenas um ano mais novo do que o seu homólogo mongol – nunca teve uma distinção pública como a Tsedenbal, a de passar por íntimo do grande líder do movimento comunista mundial numa tal festa de aniversário!
Manda a verdade pura confessar que o ortodoxo e inquebrantável Tsedenbal acabou por ser afastado do poder muitos anos depois daquela fotografia (em 1984) por excesso de ortodoxia – até havia casado com uma russa muito militante…Enfim, nestas coisas se calhar nem devia haver verdades puras, apenas as da dialéctica, porque terá sido a dialéctica que fez desaparecer da fotografia oficial Shi Zhe, que era o intérprete de Mao naquela cerimónia. E ele estava no palco, porque Mao não falava uma palavra de russo, conforme se vê na ponta esquerda da fotografia abaixo, rigorosamente idêntica à anterior, mas antes de ser retocada**…
Remover das fotografias de aniversário aqueles que nelas aparecem por estarem a trabalhar (como criados, porteiros e, neste caso, tradutores) é que já não é um gesto assim tão comum… E sobretudo, parece-me um gesto muito pouco socialista…
* Mais intrigante, Tsedenbal nem era naquela época o líder do partido mongol.
** O retoque englobou também aqueles que apareciam mais atrás, incluindo a guarda de honra, ao fundo, que passou toda a segurar bandeiras – mas não o importantíssimo Tsedenbal!
O primeiro pormenor pitoresco é que Stalin, naquela celebração dos seus 70 anos, já tinha 71 anos… A sua data oficial de nascimento era 21 de Dezembro de 1879 e as celebrações processavam-se de acordo com ela, mas actualmente acredita-se que ele nascera efectivamente a 18 de Dezembro do ano anterior (1878). Era portanto um ano mais velho do que constava na biografia. Enfim, ter uma data de nascimento oficial e outra real ainda hoje é um fenómeno frequente entre os portugueses mais velhos. Outro fenómeno muito português é o de mostrarmos curiosidade quanto à identificação dos convidados presentes nas festas de aniversário, especialmente aqueles que aparecem mais próximos do aniversariante.
Na fotografia de cima e da esquerda para a direita, aparecem sucessivamente em fervorosa actividade aplaudente, Lazar Kaganovich (?), Mao Zedong, Nikolai Bulganin, Stalin, Walter Ulbricht, Yumzhgyin Tsedenbal (com os óculos de nerd…) e Nikita Khrushchev. Vale a pena falar dos estrangeiros. Os três que aparecem naquele palco são Mao, que acabara de proclamar a República Popular da China um mês e meio antes (1 de Outubro de 1949), Ulbricht, que fizera o mesmo com a República Democrática Alemã (10 de Outubro de 1949) e o mongol Tsedenbal, o país menos populoso de todo o campo socialista naquele altura, cujas razões para o destaque da sua presença ali nunca vi explicadas satisfatoriamente*. Porque é garantido pelas regras da coreografia daquelas cerimónias que ele não estava ali por acaso…
É que, por muito internacionalismo proletário que devesse existir e por muita irmandade que houvesse entre os partidos comunistas, estar e parecer estar nas boas graças em Moscovo sempre foi um objectivo de qualquer partido comunista e esse estatuto era medido também na simbologia das posições relativas nestas cerimónias. Era como ter uma gramática própria, interpretando os lugares protocolares, em vez dos vestidos, como acontece nas fotografias da ¡Hola!... Naquele caso, além dos dirigentes dos novos estados socialistas da China e da Alemanha, era o representante da Mongólia que aparecia ali destacado em relação aos dirigentes de todos os países da Europa de Leste como a Polónia, a Checoslováquia, a Hungria ou a Bulgária, para já não falar dos dirigentes dos importantes (e poderosos) partidos comunistas francês e italiano…
Aliás, prova da importância que mesmo em Portugal se dava a isso, no PCP nunca se deixou de usar a carta do orgulho patriótico ao sugerir o grande apreço de que Álvaro Cunhal gozaria junto de alguns membros da cúpula soviética por causa das suas qualidades intelectuais (Mikhail Suslov era o membro do Politburo mais evocado, que se insinuava ser uma espécie de padrinho de Cunhal). Pois bem, se a ortodoxia pode superar o valor específico de cada partido, então Cunhal – que era apenas um ano mais novo do que o seu homólogo mongol – nunca teve uma distinção pública como a Tsedenbal, a de passar por íntimo do grande líder do movimento comunista mundial numa tal festa de aniversário!
Manda a verdade pura confessar que o ortodoxo e inquebrantável Tsedenbal acabou por ser afastado do poder muitos anos depois daquela fotografia (em 1984) por excesso de ortodoxia – até havia casado com uma russa muito militante…Enfim, nestas coisas se calhar nem devia haver verdades puras, apenas as da dialéctica, porque terá sido a dialéctica que fez desaparecer da fotografia oficial Shi Zhe, que era o intérprete de Mao naquela cerimónia. E ele estava no palco, porque Mao não falava uma palavra de russo, conforme se vê na ponta esquerda da fotografia abaixo, rigorosamente idêntica à anterior, mas antes de ser retocada**…
Remover das fotografias de aniversário aqueles que nelas aparecem por estarem a trabalhar (como criados, porteiros e, neste caso, tradutores) é que já não é um gesto assim tão comum… E sobretudo, parece-me um gesto muito pouco socialista…
* Mais intrigante, Tsedenbal nem era naquela época o líder do partido mongol.
** O retoque englobou também aqueles que apareciam mais atrás, incluindo a guarda de honra, ao fundo, que passou toda a segurar bandeiras – mas não o importantíssimo Tsedenbal!
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