26 setembro 2007

O PANEGIRISTA

O panegírico era uma forma de discurso praticada na Antiguidade Clássica durante as ocasiões solenes, onde o conteúdo desse discurso era, simultaneamente, do mais retocado que se podia conceber do ponto de vista de estilo e gramatical e, por outro lado, extremamente elogioso. Ou, para exprimir de uma forma mais exemplificativa qual o estilo praticado, extremamente encomiástico ou laudatório… Transmitido dos gregos para os romanos, estes, com o sentido prático que se lhes reconhece, mantiveram o estilo oratório e o requinte literário, mas com o discurso apenas dirigido aos que estavam vivos (e eram poderosos)…
Os imperadores romanos tinham panegíricos a eles dedicados, assim como havia bustos seus e teria havido possivelmente retratos seus que não conhecemos porque não sobreviveram para a posterioridade. Um panegírico era também a imagem de um imperador e de um reinado. Claro que a evolução dos tempos conduziu, como seria de esperar, à banalização do panegírico: o que antes era concebido para ocasiões excepcionais tornou-se muito mais frequente. Tornou-se também um ganha-pão para os homens de letras da Antiguidade tardia (Século III a V d.C.): nem todos eram de origem senatorial com rendimentos próprios, como acontecera com Cícero
A crua verdade é que, esgotada a sua função, um panegírico é sempre um panegírico, um formato desinteressante, que produz obras secundárias. Usando um plebeísmo que propositadamente contraste com tanta erudição, é uma maneira de dar manteiga ou de engraxar alguém importante, tendo em vista a obtenção de vantagens materiais enquanto se mandam as convicções próprias às urtigas. Escolhendo, para exemplo, um autor típico da época dos panegíricos excessivos como Eusébio de Cesareia (275-339), que é considerado o primeiro teólogo de Corte (da de Constantino), ele produziu um conjunto de obras muito interessantes e… ainda vários panegíricos sobre Constantino-o-Grande.
Foi deste lado negro, mundano e mesmo venal de certos intelectuais, de quem ambiciona um qualquer prato de lentilhas, que me lembrei ao ler a prosa de hoje de Vasco Graça Moura no DN, mimoseando Luís Marques Mendes e o PSD que ele quer reconquistar com nacos de prosa tão laudatórios quanto O PSD voltou a ser um partido com credibilidade institucional e política. As lentilhas, neste caso, parecem ser moralmente parcas mas, pelos vistos, materialmente substanciais, para quem assina aquela prosa: a manutenção do lugar de eurodeputado em Estrasburgo para um independente que depende sempre das boas graças do presidente do partido para conseguir renovar o seu mandato…
A gigantesca lavagem de roupa suja em público por que o partido está agora a atravessar na fase final da campanha eleitoral interna (com a esmagadora maioria da culpa a pertencer à candidatura de Luís Filipe Menezes...), que parece estar a transformar a imagem das regras de funcionamento de toda a estrutura administrativa nacional do PSD num gigantesco Apito Cor-de-Laranja (dando a perceber retroactivamente porque Valentim Loureiro era tão bom nos dois apitos…), apenas torna mais gritantemente descabido o inoportuno e desastrado panegírico de Vasco Graça Moura. Os factos tornam-no ridículo a começar pelo título (O Ranger de dentes do PS...), mas um autor de panegíricos como ele, porque se dispõe a tudo, acaba por merecer tudo…

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