O aproveitamento da beterraba como produtora de açúcar tem pouco mais de 200 anos e nasceu de circunstâncias políticas. O bloqueio continental imposto pelos britânicos à Europa continental sob Napoleão, conjugado com a independência do Haiti, que fora até então o maior fornecedor daquele produto à França, fez com que se acelerasse a investigação e o incentivo à plantação daquela planta como substituto do tradicional açúcar de cana, que era ainda então um produto relativamente raro na maioria dos países europeus. A beterraba podia-se cultivar em zonas de clima temperado, ao contrário da cana, que exigia climas tropicais que estavam agora fora do alcance dos europeus do continente por causa da acção dos navios da Royal Navy. As raízes das estirpes originais só continham cerca de 5% de sacarose mas a investigação agrária conseguiu nos anos que se seguiram que a percentagem subisse significativamente: actualmente ela pode chegar a atingir cerca de 20%, o que é mesmo superior à proporção que se pode encontrar nos talos da cana-de-açúcar concorrente (12 a 16%). Mas a distinção entre os dois açúcares continua a fazer-se pela qualidade e não nos estamos a referir somente ao aspecto culinário: por exemplo, o etanol obtido a partir do açúcar de cana é, enquanto combustível, energeticamente mais eficiente do que o seu homólogo de beterraba. Porém, ao longo do Século XIX, a cultura da beterraba foi-se expandindo para os grandes países europeus como a Alemanha e a Rússia, normalmente acompanhadas de tarifas aduaneiras proteccionistas incidindo sobre o açúcar de cana cujo comércio mundial era controlado pelos britânicos. Logo em 1813, Napoleão Bonaparte proibira a importação de açúcar de cana vindo do Caribe e da América do Sul. Só os subsídios faziam a actividade subsistir mas, num remate irónico da História, até o Reino Unido, quando se viu por sua vez bloqueado pela ameaça submarina alemã durante a Primeira Guerra Mundial, acabou por ter de recorrer à plantação de beterraba açucareira. O Reino Unido tornou-se hoje no 9º produtor mundial de uma lista que é encabeçada pela Rússia, a que se segue a França, os Estados Unidos, a Alemanha e a Ucrânia. Outro grande produtor europeu é a Polónia. Mas importa esclarecer que só 20% do açúcar actualmente consumido em todo o Mundo provém da beterraba; o resto é de cana. E a produção continua a ser fortemente subvencionada embora de formas mais sofisticadas que as interdições à importação e as pesadas pautas aduaneiras de outrora.
Importa esclarecer, embora de forma simplificada, como a história da produção do açúcar em Portugal quase não tem nada a ver com a do resto da Europa acima descrita. Começando pelo surto de prosperidade vivido na Madeira dos Séculos XV e XVI com a produção de açúcar de cana para o mercado europeu. E que continuou depois com a colonização do Brasil, que ainda hoje é o maior produtor mundial daquele produto. Uma outra pista para compreender a convivência antiga de Portugal com o açúcar vê-se pela riqueza e variedade da nossa doçaria tradicional quando em comparação com as outras gastronomias europeias. Pequeno mercado, habituado desde cedo a ser abastecido do exterior, Portugal terá passado completamente ao lado do ciclo desenvolvimentista do açúcar de beterraba descrito mais acima. Até à nossa adesão à CEE. Quando, para ocupar uma quota de produção de 70 mil toneladas de açúcar de beterraba que nos coubera numa daquelas negociações, se construiu uma fábrica de refinação de beterraba em Coruche, para processar a produção nacional que se tornou conveniente que existisse para justificar a quota. Entretanto, em 2006, a fábrica veio a ser reciclada para refinar açúcar de cana. Como se explica neste texto que deixo disponível para quem o quiser consultar, como os preços à produção são totalmente artificiais (de subsidiados), qualquer decisão tomada a uma mesa de negociações pode mandar automaticamente quase todos os produtores portugueses para fora do mercado. Ou tornar a produção de beterraba miraculosamente rentável. A causa dos produtores nacionais de beterraba pode ser abraçada pelos políticos de todos os quadrantes políticos (do PSD ao PCP) e ainda hoje, pela enésima vez, se anuncia que vai recomeçar a produção de açúcar a partir de beterraba em Portugal, mas isto parece-me a Europa em toda a sua perversão, aquela que nos põe à cata de subsídios (normalmente concebidos para beneficiar os grandes países) para a produção daquilo onde não temos, nem vantagens comparativas, nem qualquer tradição. De uma certa forma diferente, faz-me lembrar aqueles tempos aberrantes do baixo cavaquismo em que chegámos a viver pela mesma hora de Berlim.
Embora tardiamente, chamo a atenção para o facto de em S. Miguel o açúcar ser todo de beterraba. É pouco, a nível nacional, mas é algum.
ResponderEliminarBoas Festas.
Vem sempre a tempo, mesmos as contradições quando são sustentadas. Boas Festas.
ResponderEliminarE a produção insular que refere deve ser realmente pouca, porque a batalha política para o preenchimento da tal quota de 70 mil toneladas de que não se sabe muito bem o que fazer trava-se toda no continente.