Em Junho de 1937, em plena Guerra Civil de Espanha, Antoine de Saint-Exupéry foi o enviado especial do jornal Paris-Soir a uma Madrid ainda nas mãos dos republicanos mas sitiada pelas forças nacionalistas. Na sua reportagem da edição de Domingo, 27 de Junho (acima), o jornalista-aviador-escritor narrava a peripécia de uma noite em que fora conduzido até à linha da frente, nos arredores que circundavam a cidade. A cada dois minutos a coluna cruzava-se com um obus passando por cima da sua cabeça em direcção a uma Madrid atrás de si que mal se distinguia no seu blackout de guerra. Naquela mesma tarde, Saint-Exupéry assistira à chegada de um desses obuses à cidade que caíra por perto de onde se encontrava e que matara uma rapariga. E escrevia o quanto tudo aquilo lhe parecia absurdo, porque não havia qualquer interesse militar naquele bombardeio. A haver consequências e a contrário, por cada disparo reforçava-se a vontade da população em resistir, como se um ferreiro gigante forjasse Madrid.
Lembrei-me desta inesquecível descrição de Saint-Exupéry ao ler hoje algumas reacções ao terceiro fracasso para a eleição do presidente grego que precipitou mais uma crise naquele país. Para além da seriedade da situação, ela só se agravará na percepção dos intervenientes principais – os gregos – com as múltiplas atitudes e declarações intrusivas que o caso está a suscitar (do FMI e da Comissão Europeia, do comissário Moscovici ao presidente Juncker, passando pelo ministro alemão Schäuble, a quem se devia dar rebuçados para estar calado, tais são os anticorpos que desencadeia...). Como os obuses que Saint-Exupéry acima descrevia a flagelar Madrid, estes comentários, pela crueldade igualmente contraproducente, parecem propositada e desnecessariamente concebidas para gerar nos gregos o mesmo espírito de resistência ultrajado como acontecia com os madrilenos de outrora.
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