27 fevereiro 2019

UMA GUERRA QUE TERMINAVA, OUTRA QUE SE ADIVINHAVA

27 de Fevereiro de 1939. Esta página do Diário de Lisboa de há oitenta anos sintetizava a transição de mau para pior que a situação política na Europa prognosticava. A Guerra Civil de Espanha estava virtualmente no fim: Franco aguardava o reconhecimento do regime nacionalista pela França e pelo Reino Unido, que permaneciam os últimos obstáculos da admissão dos rebeldes espanhóis na ordem internacional. Ordem internacional essa que se mostrava ameaçada de uma perspectiva mais global, já que a notícia do lado antecipava o envio de um novo corpo expedicionário britânico para França (à semelhança do que acontecera em 1914), na eventualidade da eclosão de uma nova Grande Guerra na Europa. Ainda não se sabia mas, chegado o momento, que ocorreria dali por seis meses, os britânicos iriam superar as promessas, enviando não os 100 mil homens anunciados pela notícia, mas 152 mil soldados, e isso logo no primeiro mês de guerra (Setembro de 1939), acompanhados de mais de 21 mil viaturas, equipamentos de combate e munições. Na grande ordem das coisas, porém, hoje é patente que o feito ir-se-ia revelar irrelevante em Maio/Junho de 1940.

6 comentários:

  1. A historia e aquilo que foi e exercicios contra-factuais de historia alternativa regra geral redunda em mostrar mais a ignorancia do intervenientes no exercicio em de maior compreensao do objecto de estudo... mas
    Curioso da historia contemporanea que sou li ja ha bastante tempo testos sobre a batalha de Franca que indicavam que o plano tactic alemao apesar de no final se ter revelado brilhante era extremamente arriscado, por exemplo as linhas de abastecimento sob um stress senao identico muito semelhante ao que se passou por exemplo em Estalinegrado e que sem uma dose substancial de sorte, a batalha de Franca teria redundado num "slatemate" semelhante ao da I Guerra.
    Ora pelo que tenho lido sobre outros temas da II Guerra tem-me formado a opiniao geral de que tendo em conta o tipo de conflito que foi, uma Guerra total, com ambos os lados convencidos de o significado de Vitoria era a aniquilacao do inimigo, e portanto apostados numa Guerra existencial, de sobrevivencia, e que ambos os lados fizeram o melhor que puderam e que na realidade a historia nao podia ter decorrido de outra forma.
    Talvez umas mudancas aqui alterassem a data do fim da Guerra ou um pouco o mapa geopolitico mundial em alguns detalhes mas no essencial tudo teria acabado como ababou.
    Pelo que vejo a priori com desconfianca estas assercoes sobre a batalha de Franca, no entanto, nao encontro contra-argumento tecnico a altura.
    Importa-se de gastar algum tempo a specular sobre este assunto? Especificamente, sera que havia condicoes reunidas suficientes em 1940/41 para a batalha de Franca redundar numa linha de frente como a de 1914, ou pronto, mais apropriadamente como a linha da frente de Russa em 1941/43?

    ResponderEliminar
  2. Desculpe-me o atraso da resposta, mas tive que a pensar para a poder condensar num meio que não é o mais propício para explicações alongadas: uma caixa de comentários.

    E permita-me começar por aquilo que, sendo óbvio, não vejo a ser frequentemente referido. Quando da eclosão das duas Guerras na Frente Ocidental (1914 e 1940) a supremacia táctica pertenceu, em qualquer dos casos, ao exército alemão. Por supremacia táctica entenda-se: quando uma companhia ou um batalhão alemão enfrentava um seu correspondente francês (ou britânico ou belga), na esmagadora maioria das vezes eram os alemães venciam.

    O que mudou de 1914 para 1940 foi o ritmo de progressão das frentes de Combate. Quando um exército é derrotado, recua e reorganiza-se, convocando as reservas para se defender numa nova frente mais recuada. Em 1914, os franceses conseguiram construir uma nova frente no Marne. Em 1940 o ritmo da progressão alemã era outro e, apesar das forças francesas se terem batido com muito mais encarniçamento depois de Dunquerque, a sua mobilidade e capacidade de reorganização eram muito inferiores ás unidades blindadas e motorizadas alemãs. (uma facto pouco citado é que o exercito alemão registou uma média diária de baixas de 2.450 entre 10 de Maio e 4 de Junho, mas que esta subiu para 4.760 baixas de 5 a 25 de Junho - os franceses passaram a resistir muito melhor quando essa resistência passou a ser inconsequente).

    A única maneira de conseguir aguentar nessas novas circunstâncias era conceder mais espaço para recuar e, com ele, ganhar tempo para reorganizar. Elementos geográficos e humanos que só a Rússia tinha em 1941.

    A Defesa de Moscovo em Dezembro de 1941 é hoje um momento épico da História Soviética mas esquece-se que (embora os números divirjam ligeiramente) nesse primeiro semestre de Guerra, a Alemanha aprisionara mais de 3,5 milhões de soldados soviéticos! Ora, nem a França, nem qualquer outro exército ocidental poderia sofrer perdas desta magnitude e continuar operacional.

    Em suma e em minha opinião, para que se tivesse constituído uma Frente Ocidental em 1940 teria que ter havido toda uma outra evolução do pensamento militar em França durante o período entre guerras e não se ter gasto milhões numa linha Maginot.

    ResponderEliminar
  3. Obrigado pela resposta.
    Sobre a supremacia tactica alema tambem nao vejo escrito (talvez porque a historia e escrita pelos vencedores...?) mas esta muitas vezes subentendido nas descricoes das diferentes campanhas em que os exercitos ocidentais estiveram envolvidos, em especial quando se ouvem os testemunhos dos militares que estiveram la na linha da frente.
    A sua resposta suscita-me no entanto uma segunda duvida. Portanto, argumenta que o avanco tecnologico torna a criacao de uma frente de combate ocidental como em 14 mais dificil e a Franca nao tem a profundidade estrategica da Russia, indiscutivel ok, ate porque a historia se passou como se passou.
    Mas em 44, quando os aliados desembarcam, os alemaes conseguem, mesmo com uma inferioridade humana e material no terreno patente, marinha incapaz para cortar linhas de abastecimento (muito longas) inimigas ou forca aerea operacional, mesmo assim conseguem fazer isso mesmo que fala, recuar e reorganizar uma linhas defensivas na retaguarda de frente Ocidental uma 2 ou 3 vezes: Batalha da Normandia apos o desembarque, O Reno e a linha Siegfried
    Ora Franceses e Britanicos com muitissimo mais recursos no terreno e muito menos frentes de combate em 40/41 nunca reorganizam defesa consistente depois de se darem conta que os alemaes atravessaram as ardenas e nunca montam um contra-ataque convincente na retaguarda alema que abastecia de fuel (por exemplo) o avanco dos blindados rumo a costa em linhas de abastecimento precarias.
    Ora eu ainda nao li razoes de fundo que fundamentalmente impossibilitassem esse curso de accao nem razoes plausiveis que neguem o subsequente cenario hipotetico de que essas accoes teriam causado embaracos significativos ao avanco alemao obrigando a um compasso de espera para reorganizar a ofensiva.

    ResponderEliminar
  4. Sera que o movimento de tropas na Franca de Leste para Oeste e fundamente diferente do movimento de Oeste para Leste?
    E verdade que os romanos nunca conseguiram conquistar a Germania enquanto que os barbaros quando chegaram pareceu uma mare... mas por outro lado Napoleao conseguiu...

    Uma vez mais obrigado pela atencao.

    ResponderEliminar
  5. Apercebi-me que, sobre a história da Segunda Guerra Mundial (e dos grandes conflitos dos séculos XIX e XX) há muita gente que «sabe» - porque leu! - muita coisa mas que, não consegue sistematizar nem, consequentemente, compreender o que sabe - que muitas vezes é muito, mas que se encontra "empilhado" e sem método.

    Isso acontece porque faltam a essas pessoas, para além das infinitas leituras a que se dedicaram, as leituras estruturantes, normalmente académicas e aborrecidas. Mas também, porque não o fizeram, aquilo que sabem está distorcido, porque muito do que é publicado sobre aqueles temas costuma ter uma inclinação político/ideológica/nacionalista.

    Felizmente, tornou-se moda recente publicar livros revisionistas, denunciando aquilo que é a mitologia da Segunda Guerra Mundial. Já que está no Reino Unido, pode experimentar ler The Phoney War de Peter Hitchens (2018) que desmonta a narrativa tradicional britânica sobre a WW2. Do outro lado do canal sugiro-lhe Les Mythes de la Seconde Guerre Mondiale (2015) de Jean Lopez e Olivier Wierviorka. E isso apenas no domínio das narrativas forjadas.

    Mas, no campo dos conhecimentos mais aprofundados de como se travaram as guerras do século XX, as publicações académicas são verdadeiramente incontornáveis: Apontamentos de História para Militares (1979) do recém falecido general Loureiro dos Santos é a referência que lhe posso dar.

    Só que, sem esses "alicerces", as explicações que eu possa dar aos «exercícios contra-factuais de história alternativa» para que me desafia tornam-se demasiado extensos e não propriamente por causa das explicações, antes pelos considerandos prévios que tenho que fazer.

    Mas não quero acabar a conversa sem lhe dar um exemplo concreto: a comparação que quer fazer com 1944 (e, já agora acrescento eu, com 1918) não tem razão de ser: trata-se de duas fases distintas da guerra.

    Em 1944 (1918), na frente ocidental e em qualquer frente de guerra em geral, já os inimigos se conheciam e haviam copiado os métodos reciprocamente. E há uma regra indesmentida da história militar que estabelece que, quando os exércitos se assemelham, a vitória vai para o que tiver mais batalhões. Os Aliados sabiam que iam ganhar. Não tinham grandes estímulos para ser "criativos". E no entanto foram-no, com a Operação Market-Garden (que correu mal).

    Mas já se perguntou, meu caro Lowlander, por que é que os alemães tentaram reproduzir nas Ardenas, em Dezembro de 1944, aquilo que haviam feito em Maio de 1940, e aquilo foi "apenas" um fiasco total?

    ResponderEliminar
  6. É muito interessante e agradável assistir a este tipo de troca de impressões na blogosfera. É raríssimo.

    ResponderEliminar