... é oportuno e interessante ir ao passado verificar as razões pelas quais o sindicalismo português não se interessou no passado pela constituição de fundos de reserva que, financiados pelos descontos dos seus associados, amparassem estes últimos em caso de mobilização para uma greve. Nesta edição do Diário de Lisboa de 17 de Fevereiro de 1979, vemos o Sindicato dos Trabalhadores da Indústria da Metalurgia e Metalomecânica do Distrito de Setúbal (uma estrutura distrital, portanto) a pagar uma página inteira de publicidade naquele jornal, com uma «Saudação à Conferência da Organização» complementada por duas moções (tudo aprovado por unanimidade e aclamação!).
Em formato menos exuberante e noutras páginas podemos ainda encontrar anúncios do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria dos Tabacos (com duas convocatórias separadas para uma assembleia geral ordinária e para outra extraordinária...), do Sindicato dos Fogueiros de Mar e Terra do Sul e Ilhas Adjacentes (uma convocatória normal), da União dos Sindicatos do Distrito de Setúbal (que entendera publicitar uma saudação - aprovada por unanimidade e, adivinhem?, aclamação!) e do Sindicato dos Trabalhadores da Administração Local (que propusera uma moção de solidariedade com a luta dos trabalhadores dos TLP - não diz, mas desconfio que a moção também terá sido aprovada por... unanimidade e aclamação). O conjunto representaria quase uma outra página inteira de publicidade, numa edição que continha 24 páginas.
Publicidade deste mesmo género era comum em todas as edições do jornal naquela época e contribuía para a sustentação económica do Diário de Lisboa, um jornal que, pelo seu alinhamento político pró comunista, não seria atreito a receber outra publicidade, mais convencional. Mas quanto chegou a altura dos sindicatos mostrarem outra robustez, para além da retórica, na defesa dos interesses dos seus associados os seus dirigentes haviam esgotado os seus recursos financeiros em disparates como as publicações acima. O que é paradoxal é que, como o movimento sindical esteve sempre subordinado em Portugal à luta politica, notoriamente à agenda táctica do PCP, nunca chegou a haver um verdadeiro pedido de satisfações por esta má gestão dos recursos dos trabalhadores. Mas isso não impediu a sanção: veja-se o quadro abaixo com a evolução da taxa de sindicalização em Portugal desde essa época, como foi publicada no Expresso em 2015.
Numa década, os sindicatos perderiam metade dos seus membros. Dez anos depois, na edição de 17 de Fevereiro de 1989, o Diário de Lisboa ainda existia (embora já se debatesse nas vascas da agonia - acabaria no ano seguinte), mas essa edição não contém um único anúncio que seja de um sindicato! Mas tanta fora a desresponsabilização de sindicatos e dirigentes, que saíra definitivamente de agenda a obrigação moral dos sindicatos ampararem os seus associados nas lutas laborais para que os convocassem. Actualmente, imaginar Mário Nogueira a bancar qualquer coisinha para compensar os seus professores pelo que perdem quando fazem as greves que ele convoca parece ser uma ideia... delirante. Os outros que entrem com qualquer coisinha, o sindicato (e as receitas dos associados) é que não. E é sobre essa impressão - distorcida - que se tem discutido a questão do crowdfunding para financiar a greve dos enfermeiros. Antes de recorrer ao exterior, ninguém se pergunta sequer porque não se dispõem as estruturas sindicais a amparar financeiramente os seus associados que estão em greve.
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