Quando não se é norte-americano, a biografia do primeiro presidente dos Estados Unidos não é uma prioridade das leituras. Manda o rigor histórico reconhecer que o que aconteceu nos Estados Unidos daquela época é de um interesse periférico. O país estaria fadado para um futuro brilhante, até mesmo para a hegemonia mundial, mas a realidade é que as estimativas demográficas apontam para que em 1775, no ano anterior à sua declaração de independência, as treze colónias contassem com um total de 2,5 milhões de habitantes (dos quais 20% eram escravos). Ora isso era a população de Portugal europeu por essa mesma época - e Portugal tinha colónias, como o Brasil. Contudo, mesmo que a importância do país de que Washington foi co-fundador e primeiro dirigente fosse muito inferior à que se subentende pela actualidade, a sua personalidade, tal qual é revelada por este compacto volume (817 páginas + anexos), vem a revelar-se extremamente interessante. Devem-se-lhe algumas das idiossincrasias da política norte-americana, herdadas da forma como Washington desempenhou os seus dois primeiros mandatos como presidente entre 1789 e 1797. De facto, tende a esquecer-se que a figura presidencial só apareceu bem tarde na ordem constitucional dos jovens Estados Unidos da América: a declaração de independência data de 1776, o seu reconhecimento pelo Reino Unido só correu sete anos depois, em 1783, e a necessidade de maior coesão entre as antigas colónias com a criação de organismos verdadeiramente federais só produziu os seus frutos ainda mais quatro anos passados, em 1787. Observado desta perspectiva da vida de George Washington, percebe-se que a estruturação da administração federal dos Estados Unidos foi um processo muito mais tacteante e titubeante do que aquilo que a propaganda moderna nos quer dar a entender. É por isso que a personalidade de Washington - e com isso, esta biografia - se tornam tão interessantes, pois muito do que se tornou tradição se deverá aos costumes então estabelecidos. Exemplo, o facto de o presidente poder permutar caso a caso e na ocasião que entender os membros da sua administração e não o fazer em bloco e na mesma altura como acontece com os governos na Europa. O autor tem - e não procura esconder - um fraquinho pelo biografado (e outro por Alexander Hamilton), mas, a não ser a respeito da questão da escravatura (em que se excede a desculpabilizar Washington), as simpatias não me parecem perturbar aquilo que se pode aprender da leitura.
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