10 de Dezembro de 1936. O rei Eduardo VIII assina o seu instrumento de abdicação, pondo fim a um reinado que não chegará a completar um ano (desde 20 de Janeiro de 1936) e sobretudo terminando uma crise política que apaixonou a opinião pública de então, porque o motivo aparente que a provocava seria de cariz sentimental. O rei, apesar dos seus 42 anos, permanecia solteiro e queria casar com a mulher com quem vivia: uma norte-americana de 40 anos, divorciada de um primeiro casamento, mas ainda casada com um segundo marido, do qual aguardava o divórcio. Não tinha filhos, não era bonita nem graciosa, nem se preocupava em transmitir de si uma imagem de cultivada ou benemérita. Um verdadeiro desastre em termos de relações públicas, mas esse parece ter sido o menor dos problemas para os poderes por detrás do trono da época. O que os oitenta e um anos entretanto transcorridos dão a perceber é que o pretexto para a crise pode ter sido Wallis Simpson, a noiva, mas as raízes do problema seriam, muito provavelmente, Eduardo VIII, o monarca. Em geral, os poderes por detrás do trono são conservadores, preferem sempre preservar a ordem constitucional. São inimagináveis as habilidades a que se dedicam para preservar a imagem dos protagonistas desde que eles se comportem de acordo com as expectativas e cumpram o seu papel, por escassas que sejam as suas qualificações e habilidade para o desempenho dos cargos que ocupem: por exemplo, há 30 anos, a revista TIME transformava uma viúva, dona de casa de 53 anos com cinco filhos e sem quaisquer ambições políticas e intelectuais prévias, na Mulher do Ano 1986! Eduardo VIII, porém, mais do que limitado, ter-se-á mostrado imprevisível, mais do que nos seus comportamentos, também nas suas simpatias políticas. E aí estará a beleza da manobra que lhe foi montada: tratava-se de denegrir o rei mas apenas indirectamente, para que as críticas recaíssem sobre o protagonista e não sobre a instituição. E essas críticas não deviam ser levadas a grandes extremos, para que não se gerasse uma onda de simpatia pelo monarca. A esse respeito e como sintetizou Winston Churchill (que até apoiou o monarca nesta): «a aristocracia até aceitava que ela fosse divorciada, não aceitava é que fosse americana, enquanto o povo aceitava que ela fosse americana, não tolerava é que ele fosse divorciada». A verdade é que hoje se percebe que, os poderes por detrás do trono não estavam à procura de uma solução de compromisso para o problema. Fosse Eduardo VIII mais fiável, talvez. Mas assim, ele foi verdadeiramente encostado à parede: nem a sua proposta de um casamento morganático foi considerada (ele continuaria a ser o rei, mas Wallis não se tornaria rainha; possuiria um título menor e os filhos que pudessem ter não herdariam o trono*). As hipóteses que lhe colocaram foram: ou desistia do casamento, ou casava e o governo demitia-se, criando uma crise política ou então abdicava. Embora a metáfora não pareça adequada a episódios envolvendo a aristocracia britânica, parecia a escolha de cartas da vermelhinha... Quando o escutamos no dia seguinte a proferir o seu discurso de abdicação aos microfones da BBC, apesar da falta de empatia gerada por aquele sotaque afectado, é impossível não ter pena do homem.
* É o que hoje acontece com o segundo casamento do seu sobrinho-neto Carlos, herdeiro do trono.
Tinha ideia que uma das principais razoes para o forcarem a abdicar eram as suas simpatias Nazis numa altura e que ja se adivinhava que seriam inconvenientes...
ResponderEliminarO que é significativo nestes assuntos é o que não sabemos e que nos impede de colocar os assuntos na devida perspectiva. O comportamento moral de Eduardo VIII e as suas simpatias pelo nazismo (que, a propósito, tanto podem ser causa quanto consequência do que lhe aconteceu em 1936) são dois daqueles "segredos" que são conhecidos de todos, assim como a decisão de o "nomear" para governador das Bahamas onde permaneceu de 1940 até ao final da guerra em 1945.
ResponderEliminarQuanto a simpatias políticas de um monarca pelo nazismo, alguém ouviu falar das de Gustavo V da Suécia? Quanto a uma vida moral desregrada, alguém ouviu das peripécias que acompanharam um dos irmãos de Eduardo, o Duque de Kent? E quanto ao que pensar da colocação nas discretíssimas Bahamas, quando um seu outro irmão, o Duque de Gloucester, foi enviado como governador-geral para a Austrália (1945-47)?
E isto é apenas aquilo que se baseia no que está à vista. Especulação é suspeitar que Eduardo VIII só permaneceu casado com Wallis Simpson porque haveria uma cláusula implícita à abdicação: em caso de divórcio lá se iriam as pensões que recebia...