04 dezembro 2017

O HISTORIADOR QUE ATÉ MERECE UM LOGOTIPO

Ser-se historiador é uma condição privilegiada para se compreender como a arte de escrever artigos de opinião evoluiu com os tempos. Os de hoje já nada têm com aqueles em que a mais apaixonada e assertiva das opiniões estava destinada a ser convertida poucos dias depois no forro de um caixote de lixo. Eram dias diferentes os de antanho, em que trabalhos como o que se publica abaixo obrigavam a pesquisas demoradas numa biblioteca. Hoje é de uma desarmante simplicidade compilar os artigos de opinião que o historiador Rui Ramos dedicou no Observador ao eminente acontecimento recente que foi o colapso do BES. Foram cinco, dos quais quatro concentrados entre o final de Maio de 2014 e meados de Agosto seguinte, no período de dois meses e meio em que se assistiu à derrocada do que parecia uma das instituições mais sólidas do nosso sistema financeiro. Tanto assim, que no primeiro artigo que Rui Ramos dedica ao assunto, porventura fazendo-se eco do que consideraria ser o senso comum, ainda ele se pergunta sobre quem quer tramar Ricardo Salgado, o banqueiro que encarnava a instituição. Mas a trama revelava-se mais complicada, o BES transformou-se na Crise no GES conforme se pode perceber pela tag que passa a acompanhar as opiniões de Rui Ramos. Ainda não passara um mês e já a sua opinião evoluíra, a pessoa do tramado Ricardo Salgado tornara-se indesejada, embora se percebesse pelo desenvolvimento da opinião que a responsabilidade não se devia personalizar nele, antes na falta de «democratização da economia, com mercados abertos e concorrenciais, reguladores atentos e decisivos». E tanto a culpa seria estrutural e não pessoal que, mais um mês transcorrido e já faria sentido apiedarmo-nos do banqueiro, segundo ainda a opinião do mesmo Rui Ramos. Azar o do historiador porque, escassos dias depois dessa demonstração de compaixão, o BES - e não o grupo GES como muito se insistiu na altura - teve que ser resgatado de emergência. Sobre o assunto substantivo, a perspectiva de falência, a urgência das decisões ou a enorme injecção de capitais (4.900 milhões) que teve que se efectuar, nada se sabe da opinião de Rui Ramos. Só temos opiniões dele sobre a pessoa que dirigiu o banco e a quem se poderia assacar responsabilidades. A penúltima coluna de opinião que o historiador dedica ao assunto é, mais uma vez, à pessoa de Ricardo Salgado e não ao banco falido. É de significado equívoco, porventura ameaçador: E se ele fala? Mas a resposta está escarrapachada no final do mesmo artigo: «Ele não fala». Aparentemente Rui Ramos vem a desdizer-se quatro meses passados, no último artigo da série, que é dedicado (ainda e sempre) a Ricardo Salgado e às suas declarações a uma comissão parlamentar de que hoje o que melhor recordamos foi o uso de um provérbio chinês envolvendo peles de leopardo. Desde aí, e depois da promessa de que ele não falava, quem não falou mais sobre o assunto foi Rui Ramos.
Depois disso, já se passaram praticamente três anos e Rui Ramos já publicou uns 270 artigos de opinião no Observador. Mas mais nenhum deles relacionado com o colapso do BES que, como se percebe pela síntese acima, é um assunto que, ele, testemunha da História, só lhe parece merecer interesse se envolver a pessoa de Ricardo Salgado. É diante destas constatações que me pergunto: o que é que qualifica estes opinadores para lhe ser conferido esse estatuto? O que é o que o historiador Rui Ramos recuperaria do que na época escreveu o opinador Rui Ramos a respeito daquela que terá sido a maior crise da banca portuguesa? Provavelmente nada neste exemplo e provavelmente nada na esmagadora maioria dos outros - o propósito político dos artigos é tal que, estatisticamente, no último ano, 12% dos títulos dos artigos de opinião de Rui Ramos no Observador têm uma referência explícita a António Costa - e nenhuma delas é abonatória... Tanta é a abnegação mostrada em distorcer os tópicos para uma perspectiva de direita ultraliberal que eu creio que Rui Ramos merece um logotipo próprio; inspira-se no que foi utilizado na Suécia no dia em que mudaram o sentido tráfego, porque de tudo o que escreve conclui-se sempre que só há uma maneira de conduzir as coisas: é passar para a direita e de preferência encostado o mais possível à direita...

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