«Se fosse um referendo...» Se o artigo de opinião tivesse sido escrito antes do acto eleitoral, sem que se soubesse qual seria o seu desfecho, ainda a opinião do articulista teria algum valor, assim é um comentário baseado num prognóstico à João Pinto. Mas é sobre outro aspecto da lógica futebolística que este artigo de Rui Ramos me despertou a atenção, atentemos àquela passagem que destaquei sobre a sua aparente descoberta dos defeitos do enviesamento do sistema eleitoral. Se o sistema eleitoral espanhol é enviesado, esclareça-se que assim nasceu e tem permanecido assim desde que se realizaram as primeiras eleições democráticas em Espanha (1977). O que é maravilhoso é que Rui Ramos e outros tantos como ele tenham demorado 40 anos a descobrir isso. Em Espanha o sistema de distribuição do número de deputados que virão a ser eleitos pelos círculos eleitorais (as 50 províncias) não é absolutamente proporcional: cada província tem direito a um mínimo de dois deputados (2 x 50 = 100) e só os restantes 250 do Congresso de 350 deputados são distribuídos proporcionalmente à respectivas populações de cada província. A consequência é que as províncias mais subpovoadas estão sobre representadas*. Há assim uma vantagem comparativa do peso do voto rural sobre o voto urbano, sabendo-se que o primeiro é tradicionalmente mais conservador enquanto o segundo é mais esquerdista. As consequências subtis desse enviesamento que Rui Ramos só agora descobriu podem ser apreciadas no quadro abaixo, que nos mostra uma síntese das oito eleições legislativas espanholas que tiveram lugar de há 25 anos para cá. Do lado esquerdo aparece a votação nacional do PSOE, o número de deputados que elegeu, e o coeficiente que resulta da divisão do primeiro valor pelo segundo, quanto custou, em votos, eleger cada deputado do PSOE. Do lado direito, em sentido inverso, estão precisamente as mesmas contas feitas para o PP. E a conclusão que aparece no quadro central é inequívoca: com excepção das eleições de 1993 e independentemente de quem tenha sido o vencedor do acto eleitoral, os deputados do PP têm sido eleitos consistentemente de forma mais económica do que os do PSOE. Ou seja, o tal «sistema eleitoral enviesado» tem beneficiado a direita espanhola.
A metodologia que acima foi descrita é a mesma que é empregue para as eleições autonómicas. E o efeito distorcido nas representações parlamentares será do mesmo género. Só que neste caso concreto da Catalunha e para visível incómodo de Rui Ramos, o voto rural é não apenas conservador como também acentuadamente nacionalista catalão. É assim que, fazendo a comparação entre os três partidos mais bem colocados de quando custou em votos em média eleger um deputado nas eleições de ontem, a formação que os conseguiu mais baratos foi a direita nacionalista catalã de Puigdemont (27.660), seguida da esquerda nacionalista catalã de Oriol Junqueras (29.030) e só depois a direita constitucionalista espanhola de Inés Arrimadas (29.770). Será portanto a diferença deste coeficiente de 2.110 votos que terá causado todo este incómodo e mau perder a Rui Ramos, como se ele fosse um daqueles facciosos comentadores de futebol que, assume uma postura muito distanciada das emoções, mas depois só fala dos erros da arbitragem nos jogos em que acha que eles prejudicaram a sua equipa.
* Ao contrário do que acontece em Portugal, em que o eleitor do distrito de Portalegre e do distrito de Lisboa têm aritmeticamente a representação o mais aproximada que for possível.
Caro António
ResponderEliminarParabéns pelo teu artigo, que põe a nu a parcialidade (e também o mau perder) de muitos "brilhantes" comentadores da nossa praça. Por acaso já tinha feito a análise numérica que fizeste em relação às eleições na Catalunha. Apenas acrescento, como sabes, que cada deputado do PP "custou" 61.335 votos, mais do dobro do que os relativos aos deputados dos três principais partidos. Os votos no PP nas províncias de Tarragona, Girona e Lérida foram votos "perdidos", dado que o PP não conseguiu eleger nenhum deputado em qualquer dessas três províncias.
Um abraço
Pedro Cabral
Afinal, no computo global e depois de contados os votos por correspondência o PP recebeu ainda um quarto deputado e o seu coeficiente voto por deputado baixou substancialmente para 46.330. Porém, essas diferenças de coeficientes entre os partidos mais votados e os menos votados (mas que chegam a eleger representação) é um factor característico da aplicação do Método de Hondt em geral e não questão particular das distorções das eleições em Espanha.
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